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Compensação de créditos envolvendo empresas em recuperação judicial

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O tema da compensação de créditos tem aparecido com frequência em diversas recuperações judiciais.

O objetivo desse trabalho é indicar decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJ/SP”) e de outros tribunais estaduais a respeito do tema[1] e demonstrar que a questão é controvertida.

1 – Inexistência de uniformidade jurisprudencial

Não há uniformidade jurisprudencial a respeito do tema em discussão.

Em resumo, são dois os entendimentos já manifestados pelos tribunais nacionais.

O primeiro entendimento, admitindo a compensação, considera, principalmente, os seguintes fundamentos: (a) que a compensação opera-se automaticamente, de pleno direito, independentemente de decisão judicial (que teria apenas o condão de declará-la); (b) que o artigo 122 da Lei nº 11.101/05 (“LREF”) é aplicável também aos casos de recuperação judicial (e não apenas aos de falência); e (c) que seria uma incoerência inserir um crédito da lista de credores e, ao mesmo tempo, obrigar o credor a realizar pagamento em favor da recuperanda[2].

O segundo entendimento, rejeitando a compensação, baseia-se no fundamento de que LREF trataria apenas dos pedidos de compensação em casos de falência (artigo 122 da LREF[3]) e que a compensação na recuperação judicial implicaria em violação ao artigo 49 da LREF e ao princípio do par conditio creditorum[4], que preve tratamento igualitário a credores da mesma categoria.

1.1 – Breve síntese dos fundamentos das decisões que entendem pela possibilidade da compensação

As decisões que admitem a compensação fazem, em sua maioria, referência ao artigo 368[5] do Código Civil e ao entendimento de que a compensação opera-se de pleno direito, independentemente de consentimento das partes, ou de sentença judicial, a qual tem apenas o condão de declarar os efeitos da compensação e a extinção do crédito.

Em tais casos, o racional é que, em existindo créditos e débitos recíprocos, vencidos e líquidos antes da apresentação do pedido de recuperação judicial, a compensação opera-se de pleno direito antes da instauração do concurso de credores. Assim, não há que se falar em violação ao princípio do par conditio creditorum, em virtude da impossibilidade de sujeição de um crédito já extinto aos efeitos do processo de recuperação judicial.

Em outras palavras, o entendimento nestes casos é de que a apresentação do pedido de recuperação judicial não poderia ter o efeito de fazer um crédito já extinto (em razão da compensação) voltar a existir.

Verificamos, ainda, decisão fundamentada precipuamente no artigo 122 da LREF e concluindo pela aplicabilidade de tal norma aos processos de recuperação judicial, apesar desta tratar expressamente apenas da compensação em casos de falência[6]. Nesta hipótese, destacou-se, apenas, a necessidade de não estarem presentes as exceções previstas no parágrafo único, incisos I e II, do artigo 122 da LREF[7][8].

Identificamos, ainda, decisão em que a compensação foi aceita sem referência a nenhuma das normas antes mencionadas e apenas com base na alegada incoerência de exigir que a credora faça inserir seu crédito na lista de credores e ao mesmo tempo fique obrigada a pagar valor para a recuperanda[9].

1.1.1 – Casuística - requisitos previstos no artigo 369 do Código Civil

Note-se que na grande maioria das decisões em que se concluiu pela legalidade da compensação envolvendo empresas em recuperação judicial, fez-se referência ao artigo 369 do Código Civil[10] e à necessidade de existirem dívidas líquidas e vencidas antes do pedido de recuperação judicial. 

Quando do julgamento do Agravo de Instrumento nº 0141415-54.2012.8.26.0000[11], o TJ/SP concluiu pela inexistência de liquidez de crédito decorrente de sentença condenatória sobre a qual ainda pende recurso e, assim, pela impossibilidade de compensação de tal crédito.

Por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento nº 2046450-45.2015.8.26.0000[12], o TJ/SP rejeitou a compensação de dívida não materializada em prova documental literal e contestada pelo credor, em razão da inexistência de liquidez e certeza do crédito da recuperanda. Nesta hipótese, a corte estadual destacou a existência de controvérsia a respeito da constituição e limites do crédito a impossibilitar a extinção.

Já no julgamento do Agravo de Instrumento nº 0001420-26.2010.8.26.0152[13], conclui-se pela impossibilidade de compensação com créditos vencidos após ao pedido de recuperação judicial.

No entanto, por ocasião do julgamento dos Embargos de Declaração nº 0187775-47.2012.8.26.0000/50000, o TJ/SP, curiosamente, concluiu que não importaria “óbice para a compensação que, quando da recuperação, o crédito não estava vencido, porque o que interessa é quando da execução dos créditos compensáveis esse modo de extinção foi possível”.

Por fim, merece destacar a decisão proferida por ocasião do julgamento da Apelação nº 0019755-98.2010.8.26.0506[14], na qual a compensação foi rejeitada, em razão da natureza distinta das dívidas recíprocas (trabalhista e quirografária).

1.2 – Breve síntese dos fundamentos das decisões que entendem pela impossibilidade da compensação

Em resumo, nas decisões em que se concluiu pela impossibilidade de compensação em pedidos de recuperação judicial, destacou-se o fato de que o artigo 122 da LREF só dispõe sobre a compensação em caso de falência e que não existe, no referido diploma legal, norma semelhante ao artigo 164 do Decreto-Lei nº 7.661/45 que previa a compensação de créditos e débitos em concordatas preventivas. O entendimento baseia-se na premissa de que a omissão do legislador não deve ser ignorada e retrataria a verdadeira intenção de não admitir a compensação em caso de recuperação judicial. 

Outro ponto destacado pelos tribunais foi de que a compensação envolvendo procedimento concursal se submeteria à regras especiais, de modo que estariam afastadas as normas que comumente regulam o tema (artigos 368 e 380 do Código Civil)[15].

Localizamos também decisões fazendo referência ao artigo 49 da LREF e à necessária sujeição dos créditos ao pedido de recuperação judicial, sob pena de violação ao princípio da igualdade dos credores, sem nenhuma menção aos artigos atinentes à compensação (e, assim, à extinção operada de pleno direito de dívidas recíprocas)[16].

3 – Compensação envolvendo créditos posteriores ao pedido de recuperação judicial

Pelo o que pudemos verificar, a divergência jurisprudencial envolve, principalmente, a compensação de créditos anteriores à apresentação do pedido do recuperação judicial. 

Tratando, especificamente, pela possibilidade de compensação de créditos posteriores ao pedido de recuperação judicial, vale mencionar o seguinte trecho da decisão proferida no julgamento do Agravo de Instrumento nº 0251043-75.2012.8.26.0000[17]: “Verifico que pequena parte do crédito da ora recorrente tem origem em pagamentos de encargos fiscais e previdenciários de responsabilidade da devedora feitos após o pedido de recuperação judicial. Ainda em relação a tal parcela do crédito, não sujeito aos efeitos da moratória à vista da data de sua formação, a compensação é devida, uma vez que, em tese, seria apto a ensejar execução individual ou mesmo pedido de quebra da recuperanda”.

Por fim, também concluindo pela possibilidade de compensação de créditos constituídos após a apresentação do pedido de recuperação judicial, vale mencionar a decisão proferida quando do julgamento do Agravo de Instrumento nº 1185388-6[18].

4 – Conclusões

Como se vê, a questão da compensação envolvendo empresas em recuperação judicial apresenta variáveis, sendo a mais relevante aquela relativa às normas que seriam aplicáveis a tal hipótese. De um modo geral, entretanto, localizamos um maior número de decisões favoráveis à compensação (ainda que em tese), desde que presentes os requisitos da liquidez e exigibilidade das dívidas recíprocas em momento anterior à propositura da recuperação judicial.

 

[1] Obviamente, a pesquisa para a realização desse trabalho não foi exaustiva e certamente existem decisões que não foram mencionadas nesta oportunidade.

[2] Agravo de Instrumento nº 0251043-75.2012.8.26.0000. Rel. Des. Francisco Loureiro. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP. J. 17 de julho de 2014. Agravo de instrumento nº 0276414-41.2012.8.26.000, Rel. Des. Fortes Barbosa. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP, J. 21 de maio de 2013. Agravo de Instrumento nº 0001420-26.2010.8.26.0152. Rel. Leonel Costa. 37ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP, J. 14 de junho de 2012. Apelação nº 9142102-14.2008.8.26.0000. Rel. Correia Lima. 20ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP. j. 18 de fevereiro de 2013. Apelação nº 0000952-02.2012.8.26.0505. Rel. Pedro Kodama. 37ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP. J. 18 de junho de 2013. Agravo de instrumento nº 0187775-47.2012.8.26.000, Rel. Des. Ênio Zuliani. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP. J. 26 de fevereiro de 2013.

 

[3] Dispõe o artigo 122 da LREF: “Compensam-se, com preferência sobre todos os demais credores, as dívidas do devedor vencidas até o dia da decretação da falência, provenha o vencimento da sentença de falência ou não, obedecidos os requisitos da legislação civil”.

[4] Agravo de instrumento nº 2007325-07.2014.8.26.0000. Rel. Des. Fortes Barbosa. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP, j. 3 de fevereiro de 2015. Agravo de instrumento nº 2078293-62.2014.8.26.0000, Rel. Des. Tasso Duarte de Melo. 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP. j. 18/12/14. Agravo de Instrumento nº 1185388-6. 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Rel. Des. Fernando Paulino da Silva Wolff Filho. J. 25 de março de 2015. Agravo de Instrumento nº 70040898488. 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Rel. Des. Jorge Luiz Lopes do Canto. J. 25 de maio de 2011.

[5] Art. 368. “Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”.

[6] Agravo de Instrumento nº 0251043-75.2012.8.26.0000. Rel. Des. Francisco Loureiro. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP. J. 17 de julho de 2014.

[7] Art. 122. “(...) Parágrafo único. Não se compensam:

I- os créditos transferidos após a decretação da falência, salvo em caso de sucessão por fusão, incorporação, cisão ou morte; ou

II – os créditos, ainda que vencidos anteriormente, transferidos quando já conhecido o estado de crise econômico-financeira do devedor ou cuja transferência se operou com fraude ou dolo.”

[8] Trecho do acórdão: “Note-se que as exceções que impedem a compensação (incisos I e II do art. 122 da LFR) não se encontram presentes no caso concreto. Não há pagamento por terceiro interessado e nem sub-rogação até a decretação da quebra, e muito menos se cogita de má-fé do credor recorrente”.

[9] Agravo de instrumento nº 0187775-47.2012.8.26.000, Rel. Des. Ênio Zuliani. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP, J. 26 de fevereiro de 2013. Note-se que, neste caso, a decisão não é clara sobre a data de constituição do crédito em favor do credor, o que se verifica dos seguintes trechos: “Ocorre que o débito da Eletrolux, segundo exporto pela recuperanda (fls. 107) decorre de negócios contraídos ou assumidos durante a recuperação e não há certeza da data efetiva da constituição, tanto que o Administrador demonstrou  que parte das entregas (notas ficais) ocorreu depois da recuperação (fls. 144)”.

[10] Art. 369. “A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis”.

[11] Agravo de Instrumento nº 0141415-54-2012.8.26.0000. Rel. Castro Figliolia. 12ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP, j. 29 de agosto de 2012.

[12] Agravo de Instrumento nº 2046450-45.2015.8.26.0000. Rel. Fábio Tabosa. 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP, j. 15 de junho de 2015.

[13] Agravo de Instrumento nº 0001420-26.2010.8.26.0152. Rel. Leonel Costa. 37ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP, j. 14 de junho de 2012.

[14] Apelação nº 0019755-98.2010.8.26.0506. Rel. Claudia Sarmento Monteleone. 17ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP. j. 6 de julho de 2015.

[15] Agravo de instrumento nº 2007325-07.2014.8.26.0000. Rel. Des. Fortes Barbosa. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP, j. 3 de fevereiro de 2015.

[16] Agravo de Instrumento nº 70040898488. 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Rel. Des. Jorge Luiz Lopes do Canto. J. 25 de maio de 2011.

[17] Agravo de Instrumento nº 0251043-75.2012.8.26.0000. Rel. Des. Francisco Loureiro. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP. j. 17 de julho de 2014.

[18] Agravo de Instrumento nº 1185388-6. 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Rel. Des. Fernando Paulino da Silva Wolff Filho. J. 25 de março de 2015.

Autor(a)
Luciana Celidonio
Informações do autor
Luciana Celidonio é sócia Tauil & Chequer Advogados Associado a Mayer Brown LLP.

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