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É chegada a hora de aperfeiçoar a lei nº 11.101/05

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Encerrada uma disputa presidencial em que o baixo nível dos debates rivalizou com a pouca profundidade das propostas apresentadas pelos candidatos, foi motivo de satisfação encontrar referência expressa à lei de recuperação de empresas no primeiro discurso pronunciado por Dilma Roussef, em 31.10.10, horas depois da divulgação do resultado da eleição. Em seu primeiro pronunciamento à nação, a candidata eleita Presidente afirmou:

"Zelarei pelo aperfeiçoamento de todos os mecanismos que liberem a capacidade empreendedora de nosso empresariado e de nosso povo. Valorizarei o microempreendedor individual, para formalizar milhões de negócios individuais ou familiares, ampliarei os limites do Supersimples e construirei modernos mecanismos de aperfeiçoamento econômico, como fez nosso governo na construção civil, no setor elétrico, na lei de recuperação de empresas, entre outros."

Leis como a de nº 11.101/05 sinalizam um futuro alvissareiro para o País. Inspirada nas melhores práticas internacionais sobre a matéria, mas sem desconsiderar a realidade brasileira, a lei de 2005 decorreu de longo processo legislativo, com a participação dos principais interessados no tema e dos maiores especialistas sobre o assunto. O projeto foi aprovado com o apoio dos partidos de oposição nas duas casas do Congresso Nacional, tendo sido a lei sancionada com pouquíssimos vetos pelo Presidente da República.

O Poder Judiciário foi também fundamental na importantíssima tarefa de fazer a Lei "pegar": o Supremo Tribunal Federal, ao julgar improcedente a ADI no 3.9341 e ao negar provimento ao RE no 583.955-92 ; o Superior Tribunal de Justiça pelo julgamento de inúmeros conflitos de competência que preservaram a competência dos Juízos da Recuperação das constantes usurpações de competência vindas, especialmente, da Justiça do Trabalho e de Execuções Fiscais; e os Judiciários Estaduais, ao, na maioria dos casos, aplicar bem a Lei, com menção honrosa à Justiça Estadual de São Paulo e do Rio de Janeiro, responsáveis pelo maior número e pelas mais importantes e complexas recuperações judiciais e falências do País, conduzidas, nas capitais, por vara especializadas, especialização essa que, em São Paulo, é exclusiva e extensiva à Segunda Instância, por meio da Câmara Reservada à Falência e Recuperação.

Os cinco anos de vigência da Lei nº 11.101/05, completados em junho de 2010, comprovaram as virtudes desse novo diploma legal, apontado quase unanimemente, pelos estudiosos da matéria, como um marco do aperfeiçoamento institucional e econômico do País, que teve importância, inclusive, na atenuação dos efeitos da última crise mundial sobre a economia do Brasil.

A lei de recuperação de empresas, portanto, mereceu ser mencionada no discurso da candidata eleita: foi realmente uma das coisas boas realizadas pelo Governo Lula, que contribuiu decisivamente para que o Projeto de Lei, apresentado em 1993, passasse a tramitar, a partir de 2004, em regime de urgência, merecendo ser mencionadas as importantes contribuições dos Ministérios da Fazenda e da Justiça, bem como do Banco Central do Brasil.

O período de vigência da Lei nº 11.101/05, no entanto, serviu também para que aflorassem diversas vicissitudes do diploma legal, algumas apontadas por estudiosos antes de sua promulgação, e outras, não antevistas por ninguém, reveladas no dia-a-dia de sua aplicação.

Certas falhas mostraram-se efetivamente graves, pois dificultam a consecução dos objetivos primordiais buscados pelo legislador e que foram positivados não só no sempre lembrado artigo 473, mas também no tantas vezes esquecido, e igualmente importante, artigo 754.

É necessário e urgente corrigir esses equívocos.

Isso deve ser feito por meio de alterações legislativas e não por interpretações contra legem do Poder Judiciário, que, na seara falimentar, sempre encontram terreno fértil, bastando lembrar as inúmeras disposições do Decreto-Lei 7.661/45, que, com o passar do tempo, passaram a ser ignoradas e contrariadas pelos Tribunais. Embora a referida jurisprudência tenha sido uma resposta necessária ao anacronismo do diploma legal anterior, o ideal, ninguém haverá de discordar, é que não seja necessário chegar a esse ponto e que os equívocos da lei sejam corrigidos pelo Poder Legislativo, sob pena de grassar a insegurança jurídica, tão perniciosa à economia, ao direito e à própria sociedade.

Em reforço aos limites da atuação do Judiciário, convém mencionar a liminar deferida na semana passada pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Min. Ari Pargendler, que, ao cassar uma decisão que lhe pareceu ilegal, proferida num processo de recuperação judicial, afirmou: “constitui um truísmo que o juiz só pode deixar de aplicar a lei se declará-la inconstitucional - e a interpretação da lei tem um limite: onde a norma legal diz sim, o juiz está inibido de dizer não (…) e vice-versa.” (SSL no 1301/SP, Publ. DJE 28.10.10).

Aos que sustentam que a lei é muito recente para ser mudada, pediria que apresentassem um único exemplo de defeito legal que se auto-corrigiu com o passar do tempo. É evidente que o envelhecimento não ameniza os defeitos de uma lei, podendo agravá-los. Absolutamente normais e corriqueiros os aperfeiçoamentos legislativos realizados poucos anos depois da entrada em vigor de excelentes diplomas legais, podendo ser citados como exemplos o Decreto Legislativo no 3.725, de 1919, que alterou dezenas de artigos do Código Civil de 1916, a Lei no 5.925, de outubro de 1973, que mudou vários artigos do Código de Processo Civil, antes mesmo dele entrar em vigor e a própria revisão constitucional de 1993, que emendou a Constituição de 1988 em diversos pontos.

Não deve haver período de carência para aperfeiçoamentos legislativos. De todo modo, queira-se ou não, já existem inúmeros projetos de alteração da Lei no 11.101/05 em tramitação no Congresso, que deverá realizar uma audiência pública sobre tema antes do final deste ano de 2010.

Nos institutos e associações que se dedicam ao estudo da recuperação judicial e da falência, há um consenso sobre a necessidade de aperfeiçoamentos na lei, já tendo sido organizados grupos de estudos para elaboração de propostas.

Na vanguarda deste processo, atuando de maneira próxima e complementar, estão o TMA Brasil e o Instituto Brasileiro de Recuperação Judicial (IBR). A notória especialização, independência e heterogeneidade dos membros e associados dessas duas entidades - entre os quais estão os mais conceituados doutrinadores sobre a matéria, os mais experientes, atuantes e respeitados advogados, administradores judiciais, gestores e consultores em turnaround, além de destacados Juízes, Desembargadores e membros do Ministério Público, vários dos quais atuantes nas varas e Câmaras Especializadas existentes em São Paulo e no Rio de Janeiro -, permitirá que sejam consideradas as propostas que apresentarem e as criticas que fizerem às várias não tão boas propostas já existentes.

O mal maior a ser evitado é a contaminação das discussões por interesses particulares de grupos ou indivíduos, públicos ou privados. Trata-se de questão altamente técnica e que deve ser tecnicamente tratada, sob pena de a emenda sair pior do que o soneto.

Entre os vários pontos que merecem ser reformados, aquele que parece ser o mais fundamental é o da necessária submissão de todos os credores aos efeitos da recuperação judicial - inclusive Tributários e os previstos nos parágrafos 3o5 e 4o6 do art. 49 - , com regras para que os hoje excluídos recebam prioritariamente os seus créditos, direito de voto em classes especialmente reservadas para eles e regras de transição que garantam a segurança jurídica dos créditos concedidos sob a perspectiva de que estariam excluídos dos efeitos da recuperação.

Uma das maiores críticas à concordata do Decreto-Lei 7.661/45 era a exclusão de diversos créditos dos seus efeitos. A Lei atual ampliou o universo dos credores submetidos, porém, não foi capaz de alcançar a necessária universalização. Como vários credores estão percebendo, estar excluído dos efeitos da recuperação não significa, necessariamente, a garantia de recebimento do crédito. E o contrário também é verdadeiro, como comprova a experiência dos credores trabalhistas, que, embora sujeitos à recuperação, tem normalmente conseguido receber, graças à previsão legal de um prazo máximo para pagamento.

Permita-se comparar a situação dos credores excluídos dos efeitos da recuperação com a de titulares de ingressos VIP para um show.

Estar na área VIP é bom quando são poucos os legitimados a nela entrar. No entanto, na situação atual, há casos em que o número de VIPs ultrapassa o de não VIPs. O mínimo que se espera de um ingresso VIP é a existência de uma entrada fácil e a garantia de um lugar. Na situação atual, na entrada dos VIPs não só não há fila - prevalece a lei do mais forte e do mais rápido - como inexiste garantia de lugar. O mínimo que um convidado VIP espera é conseguir assistir ao show até o final, porém, atualmente, é muito comum que a confusão causada pelos VIPs, querendo entrar desordenadamente, obrigue a banda a encerrar a apresentação antes da hora. Para piorar a situação dos VIPs, está se consolidando o entendimento de que quem decide disputas sobre lugares disponíveis é um juiz que, normalmente, não gosta muito dos VIPs e, dificilmente, tomará decisões que tenham como conseqüência a interrupção do show, ou que prejudiquem muito os não VIPs.

Por tudo isso, muita gente inteligente está começando a perceber que estar excluído dos efeitos da recuperação judicial com esse tipo de ingresso VIP não é tão bom. Que talvez seja melhor estar incluído, com um ingresso não tão VIP, mas de categoria superior, pois assim aumentam as chances de se assistir o show até o final. Até porque quem é VIP no show de hoje pode não ser VIP no show de amanhã e, quando se é assíduo freqüentador desse tipo de show, seu interesse é que a maior parte deles chegue ao final, seja você VIP ou não. Enfim, que é uma incongruência do sistema permitir que possam ser usados os mecanismos da “execução contra devedor solvente” em relação a uma empresa que, ao pedir recuperação judicial, já se confessou insolvente.

Se a Presidente eleita quiser mesmo zelar “pelo aperfeiçoamento de todos os mecanismos que liberem a capacidade empreendedora de nosso empresariado e de nosso povo”, como disse em seu discurso, uma ótima forma será usar o seu capital político de início de mandato e a maioria situacionista nas duas casas do Congresso para apoiar as indispensáveis reformas legislativas de melhoria da Lei nº 11.101/05 e também a lei complementar que precisará ser aprovada para que os créditos tributários submetam aos efeitos da recuperação judicial.

Durante a campanha presidencial, foi divulgado que uma loja da candidata Dilma Roussef, localizada em Porto Alegre, e que vendia produtos populares, teria ido à falência nos anos 90. A notícia era falsa - depois se esclareceu que a loja fechou e não faliu - mas não seria ruim se fosse verdadeira. Alguém que tivesse sentido na própria pele as dificuldades enfrentadas por um empreendedor neste País e que, depois de sofrer as agruras de um negócio mal sucedido e de enfrentar as misérias de um processo falimentar, tivesse conseguido se eleger Presidente da República, certamente daria a devida atenção às reformas da Lei nº 11.101/05.

 

Eduardo Pecoraro, sócio de Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide Advogados.

1 Na referida ADI, ajuizada pelo PDT, discutiu-se a constitucionalidade da limitação do privilégio do crédito trabalhista a 150 salários mínimos (art. 83, I e VI, c) e a não sucessão do arrematante nas dívidas trabalhistas do devedor (art. 141, II), tendo o STF, por maioria, julgado improcedente a ação. O relator foi o Min. Ricardo Lewandowski.

2 Nesse recurso extraordinário, cuja repercussão geral foi reconhecida, o STF entendeu que não violou a competência da Justiça do Trabalho acórdão do STJ que, ao julgar um conflito de competência entre Juízo da Recuperação e Juízo Trabalhista, entendeu que este último não poderia executar as suas decisões, sendo privativa a competência do Juízo da Recuperação para dispor sobre os bens da empresa em recuperação judicial.

3 Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

4 Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.

5 Art. 49 (…) § 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

6 Art. 49 (…) § 4o Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei. O art, 86, II, por sua vez,tem a seguinte redação: II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3o e 4o, da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente.

Autor(a)
Eduardo Pecoraro
Informações do autor
Eduardo Pecoraro, sócio de Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide Advogados.
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