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Financiamento Para Empresas em Crise e o Caso Independência – Dificuldades Para Obtenção de Recursos e Oportunidades de Alto Retorno.

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Dificuldades Para Obtenção de Recursos

Sempre existiu no Brasil dificuldade para empresas em crise financeira, em especial aquelas que se socorrem dos meios de proteção legal previstos pela legislação para reestruturar suas obrigações e operações e evitar a falência (atualmente recuperação judicial e recuperação extrajudicial).

Justamente por não existirem mecanismos de incentivo ao financiamento de empresas nessas condições que mesmo empresários honestos se valiam, na vigência da Lei de Falências revogada, de certos artifícios para fazerem, às vésperas da distribuição de concordata preventiva, reservas de caixa para poderem garantir um capital de giro mínimo que viabilizasse a continuidade dos seus negócios. A utilização desses artifícios, como por exemplo o aumento do volume de compras de estoque, aliada à falta de correção monetária que vigorou por décadas, acabou por criar uma percepção pejorativa acerca do instituto de proteção do devedor e impregnar a sociedade com um justificado preconceito acerca dos empresários que se valiam da concordata preventiva para evitar sua falência.

Essa herança cultural ainda resiste no seio de nossa sociedade. Levará anos até que, espera-se, deixe de existir essa conotação negativa e um pedido de recuperação judicial ou extrajudicial passe a ser aceito, no pior cenário, como parte do ciclo de vida de sociedades empresariais. Idealmente deveria ser estimulada a sua utilização precoce, no início da crise financeira, de forma a facilitar a recuperação da empresa e impor menores sacrifícios aos stakeholders. Isto porque, é certo, quanto mais cedo a crise é enfrentada, utilizando-se os mecanismos adequados, maiores são as possibilidades de sucesso e menores tendem a ser os sacrifícios de todos os envolvidos.

A dificuldade de obtenção de recursos por empresas em crise era um dos aspectos mais críticos do sistema falimentar revogado, conforme identificado pelos diversos grupos de estudo do qual participamos por ocasião dos debates do projeto da lei ora em vigor. Dentre as sugestões de alteração do projeto de lei, destacamos aquelas feitas pelo grupo da Associação Comercial de São Paulo, do qual fez parte do Prof. Francisco Satiro de Souza Júnior. As sugestões foram incorporadas praticamente na sua íntegra na lei hoje em vigor e, a nosso ver, seriam satisfatórias para estimular a concessão de financiamento a empresas em recuperação judicial.

Todavia, do momento em que aquelas sugestões foram feitas até que o projeto de lei fosse aprovado, em especial no Senado Federal, algumas mudanças significativas foram introduzidas na lei em vigor que acabaram, em certa medida e na maioria dos casos, por anular os efeitos dos estímulos criados pela própria Lei de Recuperação de Empresas e Falências: a de conferir um tratamento efetivamente privilegiado, com pagamento prioritário, aos créditos concedidos ao devedor após a distribuição da recuperação judicial, além de uma melhoria na classificação do crédito quirografário do credor sujeito à recuperação que concedesse novos créditos ao devedor.

Assim, além da ausência de normas regulatórias que estimulem, ou ao menos não criem desincentivos, a que instituições financeiras concedam novos financiamentos às empresas em recuperação judicial, a exclusão de créditos com garantia de alienação fiduciária e de ACCs têm se revelado obstáculos comuns para que o devedor obtenha novos recursos. Tudo a conspirar para que o devedor continue a se valer dos mesmos meios que utilizava na antiga concordata para tentar garantir a sobrevivência, em um círculo vicioso que não contribui para uma eficaz utilização dos instrumentos de recuperação de empresas e a superação do preconceito acerca daqueles que pleiteiam a proteção de um pedido de recuperação judicial ou extrajudicial.

Por motivos diversos, a realidade é que ainda existem muito poucos casos em que o devedor conseguiu obter financiamento após a distribuição de sua recuperação judicial. O primeiro caso de que se tem notícia foi o da Selecta. A empresa obteve um "empréstimo ponte" de cerca de US$ 5 milhões para garantir a continuidade de suas atividades, em especial das obras para finalizar a sua planta industrial, até que o plano de recuperação fosse aprovado e novos recursos da ordem de US$ 25 milhões pudessem ser empregados para concluir a planta.

 

Financiamento de US$ 165 milhões captados no exterior – Uma Inovação na realidade brasileira

Na maior recuperação judicial ajuizada desde a crise da economia global, com passivo da ordem de R$ 3,5 bilhões, a Companhia devedora, apesar da complexidade de situação, teve seu plano de recuperação aprovado por seus credores dentro do prazo de 180 dias de suspensão das ações. Mais significativamente, 5 meses após a aprovação do plano, obteve um financiamento extraconcursal da ordem de US$ 165 milhões. Os recursos eram necessários e estão sendo empregados para efetuar o pagamento de parte expressiva de dívidas com criadores de gado e fornecedores, bem como para estabilização das necessidades de capital de giro, viabilizando a retomada do processo de reabertura de suas plantas, conforme previsto no plano de recuperação judicial.

Inicialmente, a Companhia tentou obter os recursos por meio de empréstimos junto a bancos credores e bancos com negócios no Brasil. O fato é que, seja pelas normas regulatórias do Banco Central do Brasil (ou pela ausência), seja pelo elevado volume de créditos da Companhia em ACCs, ou mesmo do volume de recursos a serem captados, a empresa não logrou êxito em sua empreitada. Vale mencionar, o que é incomum para empresas em recuperação judicial, que praticamente todos os ativos da Companhia estavam desonerados e poderiam ser oferecidos em garantia. Por outro lado, para a aprovação do plano de recuperação judicial, os credores financeiros, inclusive quirografários, exigiram que os principais ativos da companhia lhes fossem dados em garantia, a qual deveria ser compartilhada com credores de ACCs, credores com garantia real e novos investidores, vale dizer, aqueles que estivessem dispostos a dar novos empréstimos à companhia.

A alternativa que restou, até então inédita no Brasil e pouco comum mesmo no mercado internacional, foi fazer uma emissão de títulos no exterior, em uma colocação privada, maximizando as chances de diversos investidores interessados de subscreverem o papel no limite do seu apetite, minimizando e pulverizando riscos. Ao final, diversos investidores participaram da captação atraídos pelo retorno comparável a um retorno de equity.

O processo de negociação da emissão dos títulos, já complexo por definição, se revelou ainda mais desafiador no caso concreto, pois implicava em cumprir certas condições exigidas pelos novos financiadores para o desembolso dos recursos, tais como adesão ao plano de recuperação de um percentual mínimo de credores de ACCs e a constituição de garantias. Além disso, foi preciso alinhavar um acordo entre credores sujeitos à recuperação judicial e novos investidores acerca das condições comuns dos títulos que seriam emitidos a cada qual. Também se revelou especialmente desafiador encontrar uma redação aceitável para todos os grupos de credores envolvidos quanto aos termos e condições do compartilhamento das garantias que lhes foram outorgadas, o que incluiu regras de prioridade de distribuição de recursos, direitos de ação e governança, dentre outros.

Os trabalhos caminharam em paralelo, seja na identificação de investidores e captação dos recursos, seja na negociação de todos os acordos que precisavam ser celebrados quase que simultaneamente ao fechamento da operação de emissão dos títulos. Concluída parte substancial da negociação, a companhia e seus representantes tiveram cerca de 48 (quarenta e oito) horas para assinar cerca de 10 mil páginas dos instrumentos de garantia e proceder ao respectivo registro dos contratos nos mais diversos lugares do país, em uma extraordinária atividade de logística.

A operação foi concluída no dia 30 de março, a tempo de a Companhia receber os recursos e efetuar o pagamento dos criadores de gado e fornecedores no dia 31 de março, conforme estabelecido no seu plano de recuperação judicial. A negociação de toda essa operação e formalização de todos os documentos, inclusive garantias, levou menos de três meses a abriu para as empresas brasileiras em crise uma nova possibilidade de obtenção de recursos, por meio de acesso ao mercado de capitais em operações de emissão de títulos no exterior.

É certo, contudo, que uma emissão como essa é extremamente custosa, seja em relação aos honorários dos diversos profissionais envolvidos, a sua maioria no exterior, seja em virtude das altas taxas de remuneração cobradas pelos investidores. Além disso, são poucos os casos em que o devedor possui ativos livres que podem ser oferecidos em garantia suficientemente sólida a estimular a concessão de crédito, além de ser uma operação por demais complexa, inacessível à maioria das empresas que se submetem, no Brasil, a uma recuperação judicial.

Revela-se crucial para o efetivo desenvolvimento da atividade de recuperação de empresas no Brasil um aprimoramento das regras do nosso sistema falimentar de forma que as normas endereçadas a estimular a concessão de crédito a empresas em crise sejam, em alguma medida, aprimoradas e não tenham seus efeitos anulados por outros dispositivos que provocam efeito contrário e dificultam a celebração de acordo entre credores e devedor.

 

Oportunidades de Alto Retorno

Se de um lado o caso acima demonstra os altos custos envolvidos e a complexidade que pode ter uma negociação para obtenção de recursos extraconcursais para uma empresa em recuperação judicial, de outro demonstra que há, para investidores, oportunidades de negócio com altas taxas de retorno. A título de exemplo, a taxa de remuneração do capital tomado no caso acima é superior a 15% ao ano (em moeda norte-americana). Assim, uma boa análise da situação do devedor, em um caso que este esteja se conduzindo com transparência, bem como uma negociação ativa com outros credores, mesmo aqueles que possam estar excluídos da recuperação judicial ou que tenham garantias reais, pode revelar boas oportunidades de investimentos para aqueles dispostos a fornecer recursos a empresas em crise.

Autor(a)
Luiz Fernando Valente de Paiva, Giuliano Colombo
Informações do autor
Luiz Fernando Valente de Paiva e Giuliano Colombo são fundadores da TMA Brasil e respectivamente sócio e associado sênior da área de recuperação de empresas do escritório Pinheiro Neto Advogados.
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