
PAINELISTAS: Paulo Henrique Faria (Relator do painel e Sócio da Faria & Silva Administração Judicial); Ricardo Rocha Neto (Moderador do painel e Sócio do Abe Advogados); Louise Emily Bosschart (Debatedora e Sócia da área ambiental do Santos Neto Advogados); Daniela Mota (Debatedora e Head do Departamento de Meio Ambiente e Sustentabilidade na Felsberg Advogados) e Yuri Rugai Marinho (Debatedor e Sócio Diretor na ECCON Soluções Ambientais).
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A trajetória internacional: Da ECO-92 ao Acordo de Paris – 3. O marco regulatório brasileiro: Do PNMA ao SBCE – 4. O olhar jurídico-financeiro – 5. Integridade e governança – 6. O agronegócio como desafio e oportunidade – 7. Convergências, divergências e desafios – 8. Considerações finais
PALAVRAS-CHAVE: Meio ambiente – Mercado de Carbono – Crédito de Carbono – Sistema Brasileiro de Comércio de Gases de Efeito Estufa
- INTRODUÇÃO
A agenda ambiental internacional vive um momento decisivo. Às vésperas da Conferência das Partes número 30 (COP 30), a ser realizada na Amazônia, o Brasil se encontra no centro das atenções por sua posição estratégica como país detentor da maior biodiversidade do planeta, de uma das matrizes energéticas mais limpas e de um agronegócio robusto e ao mesmo tempo controverso. É nesse contexto que se realizou, em 28 de agosto de 2025, o Café Agro – Ambiental e Mercado de Carbono, evento que reuniu juristas, advogados e técnicos ambientais para debater o novo marco regulatório do mercado de carbono brasileiro e as implicações da governança climática internacional.
O encontro foi moderado por Ricardo Pinto da Rocha Neto, sócio da Abe Advogados, e contou com a participação de Louise Emily Bosschart, sócia da área ambiental do Santos Neto Advogados, Daniela Mota, Head do Departamento de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Felsberg Advogados, e Yuri Rugai Marinho, sócio-diretor da ECCON Soluções Ambientais. A mim coube a relatoria, convertendo os debates travados em uma análise descritiva e crítica sobre os rumos do mercado de carbono no Brasil.
- A TRAJETÓRIA INTERNACIONAL: DA ECO-92 AO ACORDO DE PARIS
O moderador, Ricardo Pinto da Rocha Neto, iniciou os trabalhos situando historicamente a evolução do direito climático. Lembrou que, já nos anos 1960 e 1980, havia tentativas de se discutir os impactos das mudanças ambientais em foros multilaterais, mas foi a ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, que de fato se tornou um marco fundacional. Ali se aprovou a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que estabeleceu como objetivo a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera, para evitar impactos catastróficos.
Da ECO-92 emergiram princípios basilares, como o das responsabilidades comuns, porém diferenciadas (CBDR), que reconhece a assimetria entre países desenvolvidos e em desenvolvimento; o princípio da precaução, segundo o qual a ausência de certeza científica não pode ser pretexto para inação; o princípio da informação, garantindo transparência aos dados ambientais; e o princípio do desenvolvimento sustentável, que busca compatibilizar crescimento econômico com proteção ambiental.
Nos anos seguintes, as Conferências das Partes (COPs) consolidaram-se como fóruns de decisão. A COP 3 (1997), em Kyoto, estabeleceu metas concretas de redução de GEE para países desenvolvidos, inaugurando o primeiro grande mercado de carbono internacional, baseado no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e nos CERs (Certified Emission Reductions). Contudo, a eficácia do protocolo foi comprometida pela não ratificação dos Estados Unidos.
Em 2003, a COP 9 incorporou a ideia do “desmatamento evitado”, primeiro passo para o surgimento do REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal Evitados). Já em 2015, a COP 21, em Paris, trouxe novo impulso: envolveu países desenvolvidos e em desenvolvimento sob o modelo das NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), estabelecendo a meta de limitar o aquecimento global a bem menos de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, buscando esforços adicionais para não ultrapassar 1,5°C. O Acordo de Paris também reforçou a necessidade de financiamento para adaptação dos países em desenvolvimento. Ainda assim, a instabilidade política se manifestou: em 2020 os EUA se retiraram do acordo, retornando em 2021 com a administração Biden, apenas para anunciar nova saída em 2025.
Mais recentemente, a COP 29, em 2024, em Baku (Azerbaijão), aprovou princípios fundamentais para o funcionamento do artigo 6.4 do Acordo de Paris, relativo ao mercado internacional de créditos de carbono. Estabeleceu metodologias para atividades de remoção e diretrizes para o uso de créditos, buscando mobilizar mais de um trilhão de dólares em financiamento climático. O Brasil revisou sua NDC, assumindo o compromisso de reduzir de 59% a 67% de suas emissões até 2035, tomando como base o ano de 2005.
- O MARCO REGULATÓRIO BRASILEIRO: DO PNMA AO SBCE
No cenário interno, a trajetória normativa do Brasil demonstra um percurso gradual, mas consistente. A Lei nº 6.938/1981 (PNMA) criou instrumentos de comando e controle, como padrões de qualidade ambiental, zoneamento, avaliação de impactos e licenciamento. Com a Lei nº 11.286/2006, a PNMA passou a admitir instrumentos econômicos, como servidão ambiental, concessão florestal e seguro ambiental.
A Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº 12.187/2009) estabeleceu diretrizes de mitigação e adaptação, embora sua aplicação ainda enfrente problemas de fiscalização nos diversos biomas. O Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) reforçou a possibilidade de uso de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs) como instrumentos de mercado, inclusive para créditos de carbono. A Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (Lei nº 14.119/2021) trouxe novos mecanismos de incentivo econômico, incluindo títulos verdes (green bonds).
O passo mais significativo, contudo, veio com a Lei nº 15.042/2024, que instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). A lei estabelece tetos de emissões de GEE para setores específicos, prevendo implantação gradual ao longo de seis anos. Define ainda os ativos negociáveis: Cotas Brasileiras de Emissão (CBE) e Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE). Inova ao atribuir à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a competência para regular a negociação desses ativos, conferindo-lhes natureza de valores mobiliários, aptos a serem transacionados em mercados como a B3.
Um ponto controverso é a exclusão inicial do setor agropecuário da obrigação de redução de emissões do gases de efeito estufa (GEE), sob a justificativa de ausência de metodologia confiável de mensuração.
- O OLHAR JURÍDICO-FINANCEIRO
A primeira debatedora, Louise Emily Bosschart, abordou o novo marco legal de carbono no Brasil. Narrou que por meio da promulgação da Lei nº 15.042/2024, o Brasil se junta a outros 75 países que já têm mercado de carbono regulado.
Explicou que o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) adota o sistema Cap and Trade, semelhante ao modelo europeu, no qual as empresas recebem cotas de emissão e precisam negociar créditos caso ultrapassem seus limites. Diferentemente do imposto sobre emissões de carbono (Carbon Tax), esse modelo cria um mercado de títulos e incentiva a eficiência econômica.
Louise destacou que a agricultura primária e toda a infraestrutura inerente não se submeterá ao novo sistema, mas que a exclusão do agronegócio pode gerar um paradoxo: o maior emissor do país permanece fora do regime obrigatório, embora possa participar do mercado voluntário. Para ela, a interoperabilidade entre o mercado regulado e o voluntário será essencial para assegurar escala e credibilidade.
Sustentou que há consenso que a metodologia de mensuração das emissões ainda não é tão eficiente. Destacou que o sistema apresenta uma gradação por toneladas para imposição de obrigações aos operadores. A debatedora ainda trouxe comentários acerca da estrutura do SBCE, que será composto pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), por seu órgão gestor e pelo Comitê Técnico Consultivo Permanente.
Narrou que o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa será responsável por instituir e negociar Cotas Brasileiras de Emissões (CBE’s) e Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE’s). Para os fins da legislação, crédito de carbono será ativo transacionável, autônomo, com natureza jurídica de fruto civil no caso de créditos de carbono florestais de preservação ou de reflorestamento.
Revigorou, também, que tanto o crédito de carbono, tanto o CRVE, poderão ser comercializados no mercado financeiro quanto no mercado de capitais. Acerca da titularidade, mencionou que poderão ser titulares originários dos créditos de carbono a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, comunidades indígenas, dentre outros.
Um ponto de ênfase foi a inserção dos créditos de carbono no mercado de capitais. Segundo Louise, a regulação pela CVM traz não apenas segurança jurídica, mas também credibilidade internacional, atraindo investidores. A negociação desses ativos na B3 pode representar um marco de integração entre sustentabilidade e finanças, semelhante ao que já ocorre com Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA).
- INTEGRIDADE E GOVERNANÇA
Na sequência, Daniela Mota concentrou-se na integridade do sistema e nos riscos associados ao mercado de carbono. Ressaltou que, embora a aprovação da Lei 15.042/2024 represente avanço, persistem riscos de ordem jurídica, técnica, regulatória e reputacional.
Casos recentes de fraudes em certificadoras internacionais evidenciam a fragilidade de alguns modelos de créditos de carbono. O fenômeno do greenwashing (uso de alegações ambientais falsas ou exageradas) e do carbonwashing (especificamente voltado ao carbono) ameaça a credibilidade do mercado.
Daniela enfatizou a necessidade de metodologias robustas de mensuração, relato e verificação (MRV), com constante revisão e adaptação. Defendeu a importância de uma due diligence prévia que envolva não apenas a regularidade fundiária, mas também o respeito a povos indígenas e comunidades tradicionais.
Mencionou a recomendação do Ministério Público do Amazonas para suspensão de projetos REDD+ até comprovação de que não violam direitos indígenas, como exemplo de como a litigância climática pode impactar projetos e investidores.
Por fim, destacou o regime sancionatório do SBCE: multas para pessoas jurídicas de até 3% do faturamento bruto (podendo chegar a 4% em caso de reincidência), multas para pessoas físicas de R$ 50 mil a R$ 20 milhões, além de sanções administrativas como suspensão de registros, perda de benefícios fiscais e impedimento de contratar com o poder público. Também é possível suspensão total ou parcial de atividade, suspensão de licença ou autorização para venda de créditos de carbono, perdas de linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito, dentre outras.
- O AGRONEGÓCIO COMO DESAFIO E OPORTUNIDADE
Encerrando os debates, Yuri Rugai Marinho apresentou uma visão prática sobre o papel do agronegócio. Segundo dados do Observatório do Clima, em 2022 o setor foi responsável por 617,2 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, ou 27% das emissões nacionais. Embora tais dados sejam substanciais, o agro brasileiro possui índices de produtividade e sustentabilidade superiores à média global, em razão da abundância de florestas, água e tecnologias desenvolvidas pela Embrapa.
Yuri defendeu as soluções baseadas na natureza como o caminho mais eficiente e de menor custo para reduzir emissões. A restauração florestal, segundo ele, é a forma mais rápida e impactante de remoção de carbono da atmosfera. Narrou que o investimento em tecnologia de descarbonização é muito mais favorável, visto que o custo é bem menor.
Apresentou exemplos de projetos em andamento, como o REDD Carbonflor e Pantanal, que atuam na proteção de biomas sob pressão de desmatamento (proteção da floresta e a biodiversidade sobre pressão de desmatamento e degradação no Cerrado e na Amazônia), e o Agro Perene (Citrosuco/Reservas Votorantim), que valoriza os serviços ambientais prestados pela vegetação nativa contida nas fazendas de culturas perenes e boas práticas de manejo em culturas perenes que contribuem para a mitigação das mudanças climáticas.
Yuri destacou ainda a possibilidade de integração de pequenos e médios produtores em projetos coletivos, para diluição de custos de certificação e auditoria. Defendeu que o Brasil, ao sediar a COP 30 na Amazônia, terá oportunidade única de consolidar seu protagonismo, colocando a floresta e o agro sustentável no centro da agenda climática.
- CONVERGÊNCIAS, DIVERGÊNCIAS E DESAFIOS
O evento revelou amplos consensos: a necessidade de regulação clara e confiável, a importância de integrar o direito com a técnica e a economia, e o potencial do Brasil como líder global em créditos de carbono.
O ritmo da regulamentação e a necessidade de inclusão do agronegócio no Sistema estiveram em pauta. Alguns defendem a aceleração das regras para captar investimentos, enquanto outros alertam que a pressa pode comprometer a qualidade regulatória e gerar descrédito internacional.
Entre os desafios apontados estão: garantir metodologias robustas de mensuração, relato e verificação de emissões; evitar dupla contagem de créditos; estruturar governança sólida para o SBCE; assegurar inclusão social e respeito a direitos indígenas; e transformar a exclusão inicial do agro em oportunidade de engajamento futuro.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Café Agro – Ambiental e Mercado de Carbono demonstrou que o Brasil está diante de um momento histórico. A aprovação da Lei 15.042/2024 insere o país no grupo de 75 nações que possuem mercados regulados de carbono. Mas o desafio vai além de editar normas: é preciso garantir integridade, governança e credibilidade.
Com a realização da COP 30 na Amazônia, o Brasil tem oportunidade ímpar de reafirmar seu protagonismo. O Brasil, enquanto governo e entidades privadas, é uma sempre uma das delegações mais importantes nas COP’s. Dos tratados ambientais mais importantes, dois dos principais foram realizadas no Brasil. O simbolismo de sediar a conferência em meio à floresta poderá consolidar a imagem de potência climática, desde que acompanhada de ações concretas e metodologias confiáveis. Necessária, também, a avaliação no que tange à possibilidade de inclusão de setores estratégicos como o agro.
A adoção de mecanismos robustos e permanentes no contexto de Sistema Brasileiro de Comércio de Gases de Efeito Estufa, é fundamental a fim de evitar a litigância climática.
Esse contexto é importante para consolidar o mercado de carbono brasileiro, que não é apenas um mecanismo ambiental, mas um vetor de desenvolvimento econômico, reposicionamento geopolítico e inovação jurídica. Cabe ao Brasil transformar esse potencial em realidade, por meio de cooperação entre governo, empresas, sociedade civil e comunidades tradicionais, alicerçada em integridade e transparência.