
O presente artigo tem por objetivo registrar e sistematizar os principais pontos discutidos no painel “Financiamento no Agro e Mercado de Capitais”, promovido pela TMA Brasil. O encontro reuniu especialistas do setor jurídico e financeiro para discutir os desafios e as transformações recentes nos instrumentos de financiamento agrícola, a crescente presença do mercado de capitais no agro e a forma como esse mercado vem lidando com o aumento da inadimplência, eventos climáticos extremos e o crescimento dos pedidos de recuperação judicial no setor.
Os debatedores analisaram o papel dos CRAs, FIDCs e FIAGROs como mecanismos modernos de captação, a importância da governança e da transparência para atrair investidores e o uso estratégico desses instrumentos em reestruturações financeiras. A reflexão final destaca a necessidade de aproximação entre investidores e produtores, reforçando a urgência de um ecossistema mais educado, transparente e juridicamente previsível para garantir o desenvolvimento sustentável do agronegócio no Brasil.
- Introdução
O agronegócio é há décadas um dos pilares da economia brasileira. Com a modernização das cadeias produtivas e a sofisticação da estrutura de capital do setor, o financiamento agroindustrial deixou de depender exclusivamente do crédito rural tradicional e passou a incorporar mecanismos mais complexos, em especial os vinculados ao mercado de capitais.
No evento realizado pela TMA Brasil, discutiu-se como o mercado tem absorvido essa mudança e quais são os riscos, entraves e oportunidades que surgem a partir dela. O painel contou com a moderação de Camila Crespi e as exposições de Renato Buranello, David Telio e Henrique Takeda, que trouxeram abordagens complementares sobre o tema.
- Exposições e Debates
2.1. O avanço do mercado de capitais no agro
Renato Buranello iniciou destacando a evolução normativa do financiamento agrícola, tendo como marco inicial a criação da CPR em 1994. A CPR foi responsável por abrir o agro ao crédito privado e ao mercado de capitais, com um histórico de instrumentos que incluem CRAs, FIDCs, FIAGROs e a LCA.
Para ele, a trajetória normativa brasileira demonstrou uma intencionalidade clara de substituir gradativamente o crédito subsidiado por modelos de financiamento mais descentralizados, ligados à poupança privada e à lógica de mercado. A maturidade do setor, no entanto, exige equilíbrio entre inovação financeira, regulação eficiente e instrumentos adequados de mitigação de risco.
2.2 Governança como pilar da confiança
David Telio apresentou uma visão prática sobre as dificuldades enfrentadas pelos agentes do agro no acesso ao mercado de capitais. Segundo ele, o elo mais frágil da cadeia agroindustrial ainda é o distribuidor de insumos, historicamente desorganizado e carente de governança. Essa fragilidade compromete a capacidade do setor de demonstrar segurança para os investidores.
A tecnologia, segundo David, tem sido fundamental para a virada de chave. Através da digitalização, rastreabilidade e adoção de práticas de crédito estruturado, o agro vem conquistando um espaço relevante nas operações de mercado, embora ainda haja muito a amadurecer. Destacou também que a falta de aplicação prática de políticas de governança — que muitas vezes ficam apenas no papel — é um dos principais fatores que ainda limitam o crescimento do agro no mercado de capitais.
2.3 Regulação e segurança jurídica
Henrique Takeda abordou as nuances regulatórias recentes que afetam diretamente a estruturação de operações com lastro no agronegócio. Ressaltou que, embora tenham sido criados instrumentos mais eficientes — como a nova regulamentação do FIAGRO e a ampliação das possibilidades da CPR —, também surgiram normas restritivas que criaram insegurança jurídica.
Destacou como exemplo a resolução do Conselho Monetário Nacional que limita a emissão de CRAs a empresas com no mínimo dois terços da receita vinculada ao agro. Além disso, a exigência de comprovação de destinação dos recursos afeta a agilidade operacional das ofertas. Para Henrique, o desafio central é estruturar operações juridicamente seguras, economicamente viáveis e aderentes à realidade do setor, que é bastante singular e dinâmico.
2.4. Liquidez, risco e “freio de arrumação”
Camila e David também discutiram os efeitos da retração do crédito nos últimos dois anos. Após um ciclo de forte expansão até 2022, os anos de 2023 e 2024 serviram como “freio de arrumação” para os players do mercado. A inadimplência crescente, os efeitos das mudanças climáticas e a queda do preço das commodities exigiram uma reavaliação da forma como se estrutura risco nas operações de financiamento do agro.
O consenso entre os debatedores foi que esse momento de ajuste tem forçado tanto investidores quanto agentes do agro a se profissionalizarem. Do lado das empresas, isso envolve melhoria de governança, mais disciplina contratual e adoção de práticas de compliance. Do lado dos investidores, tem exigido maior sofisticação na análise setorial, integração com a realidade do campo e uso de ferramentas específicas para mensurar risco.
2.5. O mercado de capitais como ferramenta de reestruturação
Henrique abordou o uso crescente de instrumentos como CRAs subordinados, FIDCs e debêntures em planos de recuperação judicial ou reestruturações extrajudiciais. A utilização desses mecanismos permite a troca de dívida bancária por dívida estruturada em condições mais adequadas ao fluxo de caixa das companhias.
Ressaltou que, embora essas estruturas tragam vantagens — como a entrada de investidores com maior apetite a risco e o aprimoramento da governança —, também requerem cuidado. O uso indiscriminado de instrumentos do mercado de capitais pode gerar desequilíbrios entre credores e desvirtuar os princípios da RJ se não houver alinhamento entre as partes.
2.6. O olhar do investidor: riscos, ciclos e oportunidades
Renato Buranello voltou a destacar que o investidor está mais cauteloso. Com base em sua experiência, argumentou que os ciclos de otimismo geraram ondas de entrada no setor, mas nem sempre com preparo adequado. A governança mais exigente e a maior atenção à regulação devem ser vistos como evolução natural de um mercado que amadurece.
Também destacou a ausência de um seguro rural eficiente como uma das lacunas estruturais mais graves do agro brasileiro. Diferente de outros países, como EUA ou Espanha, o Brasil ainda subsidia crédito e não risco. Um sistema de seguro mais sólido poderia liberar recursos do mercado privado com mais fluidez, reduzindo a dependência de mecanismos extremos como a RJ.
3. Considerações Finais
Como relator do painel, destaco três pontos centrais para a construção de um mercado de capitais mais eficiente e seguro para o agronegócio:
Aproximação entre stakeholders – Investidores precisam entender a realidade do campo, os riscos operacionais e as especificidades da produção agroindustrial. Por outro lado, produtores devem compreender melhor os mecanismos financeiros disponíveis e os compromissos que esses instrumentos exigem.
Uso estratégico das ferramentas jurídicas – Em situações de estresse financeiro, o mercado dispõe de instrumentos como o DIP e a subordinação em CRAs que podem auxiliar na retomada da liquidez e da sustentabilidade operacional, sem necessariamente recorrer à RJ como primeira opção.
Previsibilidade regulatória e fortalecimento institucional – O avanço do FIAGRO e dos demais títulos do agro só será sustentável com estabilidade normativa, segurança jurídica e interlocução constante entre reguladores, investidores e produtores.
O mercado de capitais deixou de ser uma promessa e já é um dos motores do desenvolvimento do agronegócio brasileiro. Para que essa integração se consolide, será preciso seguir avançando em maturidade, educação, transparência e diálogo — entre quem produz, quem investe e quem estrutura.