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Quart@ Online: Marco Legal das Garantias (2ª Parte)

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No dia 28 de fevereiro de 2024, a TMA Brasil promoveu mais um evento da série “Quart@ Online” com o tema “Marco Legal das Garantias (2ª Parte)”, realizado de forma online e transmitido via YouTube (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ul-HNPZOAJM). 

O evento contou com a moderação de Juliana Buchamar, Sócia do Buchamar Advogados e com os seguintes debatedores: Lucinéia Possar, Diretora Jurídica do Banco do Brasil, Márcio Calil, Superintendente Executivo do Departamento Jurídico Contencioso de Crédito do Banco Safra e Marcos Assumpção, Sócio do BTG Pactual (Jurídico Crédito Commodities e Energia).

Juliana Buchamar, inicia a introdução do evento ressaltando especialmente a relevância da discussão envolvendo o Marco Legal das Garantias que, inclusive, já contou com uma primeira parte de debates promovida pelo TMA. Destaca que a Lei nº 14.711/2023, que instituiu o Marco Legal das Garantias trouxe novidades a respeito do aprimoramento das regras de garantia, da execução extrajudicial de créditos por hipoteca, da execução extrajudicial de garantia imobiliária em concurso de credores, dentre outros temas.

Lucinéia Possar, inicia os debates com o assunto ‘Mudanças na Alienação Fiduciária de Imóvel’. De plano, destaca que a mudança legislativa promovida pela Lei nº 14.711/2023 (“Marco Legal das Garantias” ou “Lei”), veio para fortalecer o ambiente negocial, considerando o seu objetivo primordial de redução de custos e taxas de juros associadas a determinadas modalidades de operação. 

Para tanto, explora o contexto econômico-financeiro que motivou a propositura do Projeto de Lei nº 4.188/2021, transformado no Marco Legal das Garantias, destacando que, de acordo com o Banco Central do Brasil, quase 1/3 (um terço) do spread bancário, no Brasil, se refere a custos de inadimplência. No mesmo sentido, a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) também reporta que o percentual de recuperação de garantias é muito baixo, o que também impacta direta e significativamente no spread bancário (diferença entre o custo do capital e o valor emprestado ao cliente pela instituição financeira) e, com isso, conclui que, se houver menos inadimplência em razão das novas regras de garantia, o resultado final será de maior concessão mais crédito e, consequentemente mais desenvolvimento econômico ao país.  

A debatedora avança para explicar que a Lei foi inicialmente sancionada pelo Poder Executivo com vetos relativos aos dispositivos que tratam sobre (i) o procedimento de busca e apreensão extrajudicial dos bens móveis em caso de inadimplemento do contrato de alienação fiduciária; (ii) o procedimento de execução extrajudicial de veículos (possibilidade da retomada de veículos sem autorização do Poder Judiciário, mas sim por meio de mandados extrajudiciais, o que seria aplicado nos casos em que o devedor não entregasse o bem em prazo estabelecido sendo que os cartórios ficariam autorizados a lançar a apreensão em uma plataforma eletrônica); (iii) a dispensa de depósito prévio de emolumentos para protesto de títulos envolvendo dívidas vencidas há menos de 120 dias, dentre outros temas. Explica que, especificamente, em relação aos itens “i” e “ii”, o Poder Executivo, ao vetar os dispositivos, alegou que a proposta continha vício de constitucionalidade ao fundamento de que, ao se criar uma modalidade extrajudicial de busca e apreensão de bem móvel alienado fiduciariamente, se estaria permitindo a realização de medidas coercitivas pelos tabelionatos de registros de títulos e documentos sem que houvesse a ordem judicial, o que violaria a cláusula de reserva de jurisdição e poderia criar riscos a direitos e garantias individuais, como os direitos ao devido processo legal e de inviolabilidade a domicílio, previstos no art. 5º da Constitucional Federal. 

A Dra. Lucinéia salienta que, em sua opinião, fundada no ensinamento de muitos juristas, a execução extrajudicial de bens móveis não violaria a cláusula de reserva legal ou representaria ofensa às garantias constitucionais por hipotética ofensa ao devido processo legal. Destaca que esse entendimento é contraditório a decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (“STF”) que declararam a constitucionalidade da execução extrajudicial de propriedade fiduciária de imóvel, sendo que, no mesmo sentido, existem os Temas nºs 249 e 982 fixados pelo STF. É diante desse contexto, acredita a Dra. Lucinéia, que o Congresso Nacional, em sessão realizada em 14/12/2023, entendeu por rejeitar os vetos parciais do Poder Executivo, que foram restituídos ao texto da Lei. 

Acontece que, narra a Dra. Lucinéia, entidades já foram ao STF contra o Marco Legal das Garantias: a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), por meio da ADI nº 7601, e a UniOficiais-BR (União dos Oficiais de Justiça do Brasil), por meio da ADI nº 7600, ambas de relatoria do Ministro Dias Tófoli. Explica que, em linhas gerais, essas entidades contestam os dispositivos legais que tratam da busca e apreensão e transferência de propriedade de bens móveis sem o prévio exame do Poder Judiciário, sendo contestados (i) o art. 6º da Lei, que inseriu quatro artigos no Decreto-Lei 911/1969 e os (ii) arts. 9º e 10º da Lei, que instituem a execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca (possibilidade do credor de tomar o imóvel dado em hipoteca sem intervenção judicial) e a execução extrajudicial da garantia imobiliária em concurso de credores, respectivamente. 

Feita essa contextualização, a Dra. Lucinéia prossegue trazendo dados que demonstram que o Brasil é o país da judicialização, especialmente com base no relatório ‘Justiça em Números’, que atesta que o ano de 2022 foi encerrado com um estoque de 81,4 milhões de processos em tramitação no judiciário brasileiro (maior ponto da série histórica de demandas que chegam ao Poder Judiciário). Salienta que esse contexto de congestionamento do Poder Judiciário demonstra que o Marco Legal das Garantias, além de representar um avanço na economia, representa, também, um avanço no sentido de desafogar o Poder Judiciário de milhares de execuções judiciais e de buscas e apreensão contra devedores inadimplentes que tenham dados móveis, veículos ou imóveis em alienação fiduciária mediante a possibilidade de execução extrajudicial (via mais rápida e eficiente para o credor reaver o bem dado em garantia). Afirma que o tema desjudicialização no Brasil deve ser encarado como uma política pública para garantir a própria efetivação da Justiça. De todo modo, destaca que se faz necessário aguardar a decisão do STF sobre as duas ADIs ora mencionadas, esperando-se que se considere os impactos econômicos da decisão.

Sobre o instituto da alienação fiduciária, a Dra. Lucinéia relembra que foi introduzido pela Lei nº 9.514/1997. Explica que, antes, só era possível a alienação fiduciária de bens móveis, presente no ordenamento jurídico desde a edição da Lei nº 4.628/65 posteriormente regulada pelo Decreto Lei nº 911/1969. Esclarece que após a hipoteca figurar por décadas como a “rainha das garantias” no Sistema Financeiro Nacional, foi perdendo a efetividade em razão da excessiva demora na sua execução, razão pela qual se buscou um novo instituto para substitui-la, sobrevindo a Lei nº 9.514/1997. Referida lei, explica, representou uma importante evolução do mercado de crédito imobiliário, conferindo maior celeridade aos procedimentos adotados pelos credores na recuperação de crédito, principalmente se comparado aos custos de morosidade verificados na execução das garantias predominantemente utilizadas no setor imobiliário (hipoteca, penhor e a anticrese). Conclui que a alienação fiduciária é, portanto, a modalidade de garantia que permite ao devedor transmitir ao credor a propriedade resolúvel de um bem com a possibilidade de excussão extrajudicial em caso de inadimplemento do devedor a ensejar a consolidação da propriedade ao credor fiduciário. 

Avançando para as efetivas alterações à alienação fiduciária trazidas pelo Marco Legal das Garantias, a Dra. Lucinéia expõe o que foi efetivamente alterado: a inclusão do §3º ao art. 22 da Lei nº 9.514/1997, criando a alienação fiduciária da propriedade superveniente ou sucessiva. Explica que até então a regra era: se um imóvel fosse vinculado como garantia fiduciária a um financiamento, tal imóvel ficaria totalmente indisponível para novas contratações de empréstimos, ensejando um subaproveitamento da garantia, denominado pela doutrina como “capital morto”. Destaca que com a nova regra, passa a ser permitido que um mesmo imóvel possa ser utilizado como garantia em mais de uma operação de crédito, limitado ao valor do imóvel. Salienta que, com isso, é possível que haja maior efetividade no aproveitamento da garantia e melhor oferta de crédito, tendo como vantagem explícita a possibilidade de imediato registro da garantia, trazendo segurança jurídica, além de estabelecer a ordem de prioridade dos credores no recebimento dos seus respectivos créditos. 

Destaca que o Marco Legal das Garantias criou, ainda, a cláusula já conhecida como cross defaut, que deve constar do instrumento de crédito. Explica que referida cláusula faculta ao credor que declarar vencidas as demais obrigações garantidas pelo mesmo imóvel em caso de inadimplemento de qualquer das obrigações garantidas fiduciariamente pelo mesmo imóvel (art. 22, §8º, da Lei nº 9.514/1997).

Avança expondo que o Marco Legal das Garantias alterou, ainda, a Lei nº 13.475/2017 no que tange à extensão da alienação fiduciária. Explica que, por meio do instituto, é permitido se valer da alienação fiduciária já constituída mediante somente a averbação na matrícula do imóvel para contratação de novas operações de crédito até o limite do valor do bem da garantia, além de outros requisitos legais. Para fins de debate, destaca que, nesse aspecto, o que talvez ainda haja resistência é a determinação legal sobre a limitação de juros nas operações novas, ou seja, da forma como atualmente previsto nos normativos do Conselho Monetário Nacional, essa nova alienação fiduciária estendida deve possuir juros iguais ou inferiores à operação de crédito original. 

Por fim, a Dra. Lucinéia conclui que é necessário ter em mente que o Marco Legal das Garantias foi instituído de maneira a aprimorar e reformar pontos defasados na legislação, com o objetivo de criar um regime mais moderno de execução de garantia e proporcionar um sistema com maior segurança a quem oferece crédito e financiamento no Brasil. Tais mudanças representam um estímulo importante à redução de inadimplência e taxas de crédito e ampliação das alternativas de crédito. 

A Dra. Juliana pontua que concorda com os dois pilares do Marco Legal das Garantias trazidos pela Dra. Lucinéia: (i) o avanço da economia e (ii) a desjudicialização. Destaca que, do ponto de vista do devedor, de fato, o cenário ideal é a redução do spread que, mesmo com muitas modificações legislativas, ainda não é vista na prática.

O Dr. Marcos assume a palavra para tratar sobre os aspectos práticos decorrentes das alterações trazidas ao instituto da alienação fiduciária de imóveis. Inicia destacando que é inegável que o Marco Legal das Garantias trouxe importantes avanços ao mercado, mas destaca que alguns pontos ainda dependerão da interpretação das instituições financeiras, devedores e, principalmente, do Poder Judiciário e dos Registros Gerais de Imóveis.

Salienta que o Marco Legal das Garantias trouxe resposta a dois principais anseios dos credores no que tange a: (i) regulamentação da alienação fiduciária superveniente e (ii) ausência de quitação. Sobre o item “ii”, o Dr. Marcos explica que, pela legislação anterior, a excussão do imóvel quitava a dívida, o que causava inúmeras preocupações às instituições financeiras, especialmente em casos em que o bem dado em garantia possuia valor menor do que o da dívida. 

Explica que o escopo da Lei nº 9.514/1997 era tratar do financiamento envolvendo imóveis no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação/Sistema Financeiro Imobiliário e não de dívidas corporativas. Agora, com as alterações promovidas pelo Marco Legal das Garantias, explica que houve a criação de dois instituto de modo a conferir maior segurança às instituições financeiras: (i) aquele do art. 26-A da Lei nº 9.514/1997, que é o antigo, e expresso no sentido de estar relacionado à construção e aquisição de imóvel residencial do devedor; e (ii) aquele do art. 27 Lei nº 9.514/1997, que é o grande avanço, em que o devedor permanece obrigado pelo saldo remanescente. Destaca que, apesar de a Lei não ser tão clara quanto se gostaria, da sua interpretação é possível extrair esses dois institutos. No entanto, salienta que será necessário aguardar a interpretação do Poder Judiciário e dos RGIs.

Sobre a alienação fiduciária superveniente (ou de segundo grau), o Dr. Marcos avança destacando que a possibilidade de registro dessa modalidade representa um grande avanço legislativo, mas destaca que, de outro lado, existem alguns temas práticos não abrangidos pelo Marco Legal das Garantias. Destaca alguns desses aspectos com questionamentos práticos que, em sua maioria, dependerão de interpretação judicial: 

(i) o registro da alienação fiduciária superveniente depende da anuência do credor originário? O Dr. Marcos destaca que isso não está disposto nas novas alterações legislativas, de modo que, aparentemente, não, mas salienta ser prudente avaliar o contrato desse credor originário a fim de checar eventual disposição em contrário;
(ii) o registro da alienação fiduciária superveniente é na largada, mas ela só se torna uma alienação fiduciária de primeiro grau depois. Questiona, então, o que aconteceria se surgir uma ação de execução com consequente declaração de indisponibilidade do bem dado em garantia nesse interim. Nessa hipótese, a alienação fiduciária interveniente estaria protegida até que se torne de primeiro grau? O Dr. Marcos ressalta que se espera que sim, mas o Marco Legal das Garantias não é claro;
(iii) em relação à multiplicidade de garantias, pondera o que ocorre especialmente com instituições financeiras que possuem diversas dívidas garantidas por diversos imóveis dados em alienação fiduciária. Questiona se eventual aditamento da dívida, por exemplo, para adição de uma nova dívida no mesmo contrato faria com que se perdesse a senioridade ou não; 
(iv) destaca que o Marco Legal das Garantias, ao permitir que o credor aceite, a seu exclusivo critério, lance que corresponda a, pelo menos, metade do valor de avaliação do bem representou um grande avanço ao criar maior certeza sobre o valor mínimo de adjudicação do bem mas, destaca que existem pontos em aberto, como por exemplo: se houver o lance de 70% do valor de avaliação do bem, o credor será obrigado a aceitar esse lance? Isso, pois, pondera que o credor pode eventualmente preferir ficar com o imóvel mediante a adjudicação por 50% do valor do bem, sendo que a Lei não está clara a esse respeito; 
(v) destaca que a possibilidade de utilizar o capital morto conforme trazido pela legislação é interessante, mas há um ponto relevante que é a determinação legal de que a nova dívida não tenha prazo superior ao prazo da dívida original o que, na prática, entende que limita a utilização do instituto;
(vi) por fim, o Dr. Marcos destaca que apesar de Marco Legal de Garantias prever a não sujeição da alienação fiduciária superveniente à recuperação judicial (art. 22, §10, da Lei nº 9.514/97), podem existir problemas de ordem prática. Aventa a situação de um imóvel que garante várias dívidas a vários credores e que tem valor de avaliação desatualizado. Questiona: qual será o valor do imóvel a ser atribuído para fins de aferição da extraconcursalidade do crédito? Pondera se isso eventualmente pode ser resolvido via incidente específico envolvendo todos os credores garantidos por esse imóvel para discussão de avaliação do imóvel, a despeito de a alienação fiduciária não se submeter à recuperação judicial.

A Dra. Juliana concorda que os aspectos trazidos pelo Dr. Marcos são novos e que ainda não há resposta. Trazendo para a seara da insolvência, destaca que credores com garantia de hipoteca integram classe própria na recuperação judicial até o limite do valor do bem e pondera como isso ficaria em relação à alienação fiduciária, especialmente a superveniente. Questiona se a mesma lógica seria aplicável. Também levanta outra possível polêmica no cenário da insolvência, que diz respeito à essencialidade do bem, em caso de existir várias alienações fiduciárias e questiona se nenhum credor poderá excutir esse bem por conta da eventual declaração de essencialidade. Destaca que os pontos aventados são reflexões que, a princípio, não possuem resposta. Ao fim, confere a palavra ao Dr. Márcio Calil.

O Dr. Márcio inicia sua exposição relembrando o contexto econômico-financeiro em que foi inserido o Marco Legal das Garantias, conforme trazido pela Dra. Lucinéia e faz dois esclarecimentos iniciais quanto à alteração legislativa: (i) em relação ao objetivo da Lei de redução das taxas de juros, explica que referida taxa possui vários componentes, dentre os quais está o repagamento do crédito, de modo que apesar da expectativa ser a de redução da taxa de juros, não será uma redução significativa justamente porque a taxa de juros possui vários componentes que não só o repagamento do crédito; (ii) em relação à visão sobre o Marco Legal das Garantias no sentido de se obter uma justiça mais célere e efetiva, corrobora a cultura de desjudicialização trazida pela Dra. Lucinéia, especialmente a partir da ideia de que o controle de legalidade que pode ser feito, mas a posteriori dos atos extrajudiciais. 

Entrando especificamente no tema do contrato de administração fiduciária de garantia, o Dr. Márcio explica, que a fidúcia, originada do direito romano, é dividida em duas formas: (i) fidúcia em garantia e (ii) fidúcia para administração de negócios e de bens, tendo esta última como exemplo classifico o trustee. Destaca que a essência da fidúcia é a atuação em nome próprio em interesse de terceiro diferindo do mandato, em que o mandatário age em interesse do mandante. No caso do agente de garantia, destaca que ele age em nome próprio em interesse de terceiro, sendo, portanto, uma aproximação do direito brasileiro da figura da fidúcia na administração de bens. 

O Dr. Márcio elucida que a novidade do contrato de administração fiduciária de garantia está inserida no Código Civil, por meio do art. 853-A, inserido na Parte Especial do Código Civil, no Livro I, que trata dos direitos das obrigações, no Título VI, que trata das várias espécies de contratos, sendo que, nesse Título, foi incluído o Capítulo XXI que, por sua vez, trata do contrato de administração fiduciária de garantias. Ressalta que o agente de garantia é muito comum no mercado de crédito, especialmente em operações sindicalizadas, em atuação dos FIDCs, nas securitizações e nas operações de mercado de capitais, como a emissão de debentures e, agora, no direito da insolvência. Destaca que, em certa medida, dentro do regime contratual, o direito brasileiro já tem a figura do agente de garantia, mas não da forma como agora trazido pelo art. 853-A do Código Civil, o que confere mais segurança jurídica. 

O Dr. Márcio explica que a novidade principal relacionada ao contrato de administração fiduciária é a figura do agente de garantia e, para tratar do tema, inicia uma interpretação do art. 853-A e seus parágrafos. De plano, salienta que o agente de garantia será designado pelos credores, de modo que, para fins de efeito constitutivo, o registro deverá ser no mesmo local onde se registra a garantia, devendo o instrumento em que se constitui a garantia, já constar a nomeação do agente de garantia. 

Elucida que por força do caput do art. 853-A, o agente de garantia “atuará em nome próprio e em benefício dos credores”, de modo que há semelhança com o antigo contrato de comissão mercantil previsto no Código Comercial revogado, no qual o comissário atuava em nome próprio, mas nos interesses do comitente que, por sua vez, não aparecia. Destaca que também há certa semelhança com a sociedade em conta de participação, na qual há um sócio ostensivo e um sócio oculto. No caso do agente de garantia, explica que os credores não aparecem, mas apenas o agente de garantia.

Avança salientando que além da carga de direito material e toda a regulamentação sobre o contrato, o caput do art. 853-A traz também a legitimidade processual do agente de garantia ao dispor que somente ele figurará como parte nos processos. Destaca que isso gerará, em alguma medida, uma discussão sobre as compensações e exemplifica com um questionamento: como um devedor fará uma compensação contra o crédito que ele tem contra um dos credores daquela garantia que não o agente, já que a legitimidade processual é deste?

Prosseguindo na análise do dispositivo legal, destaca que o §1º do art. 853-A diz respeito à alienação fiduciária móvel e hipoteca que passaram, com o Marco Legal das Garantias, a ter a possibilidade de serem excutidas de forma extrajudicial ao lado da alienação fiduciária de imóveis que já contava com tal possibilidade. Nesse ponto, abre parênteses para destacar que a alienação fiduciária de imóveis, apesar de ter sido instituída em 1.997, foi objeto de ADIN, de modo que o mercado passou a utilizá-la apenas quando o STF se manifestou sobre a constitucionalidade do procedimento, em meados de 2.006, de modo que esse movimento deve se repetir em relação à alienação fiduciária de bens móveis, conforme contexto mencionado pela Dra. Lucinéia. 

Fechado os parênteses, o Dr. Márcio avança para a análise do disposto no §2º do art. 853-A e destaca que o agente de garantia responderá por ação ou omissão se causar prejuízo aos credores e se não for diligente. Salienta que isso nos remete a uma questão contratual que provavelmente será instituída: a remuneração do agente de garantia já que, se ele vai ter responsabilidade civil, deve ter o direito de ser remunerado.

Avançando, o Dr. Márcio trata dos §§3º e 4º do art. 853-A e destaca que as previsões remetem às operações sindicalizadas que, por questão contratual, precisa regulamentar quem será o agente, como será nomeado, como é substituído, quóruns de deliberação para solucionar controvérsias etc. Nesse sentido, destaca que, por força de disposição legal, não bastará apenas nomear o agente de garantia, mas será necessário que os credores regulem como ele atuará e como os credores atuarão em caso de dissenso.  

Em relação ao §5º do art. 853-A, o Dr. Márcio destaca que há uma afetação patrimonial do produto da garantia em relação às obrigações do agente de garantia, trazendo uma segurança a essa modalidade de contrato. 

Finaliza pontuando os aspectos importantes sobre a figura do agente de garantia para reflexão: (i) o registro do contrato de administração fiduciária da garantia deve ocorrer no mesmo local onde registra a garantia; (ii) a legitimidade processual é sempre do agente de garantia; (iii) o agente atua em nome próprio, o que traz um risco de responsabilização a legitimar que os credores convencionem remuneração, (iv) as disposições contratuais sobre como será a excussão da garantia, o trabalho do agente e a fiscalização dos seus atos é uma questão contratual e deve estar expressa no próprio instrumento que nomeia o agente; (v) existe certa semelhança desse agente de garantia com o antigo contrato de comissão mercantil previsto no código comercial revogado e, ainda, pontos de semelhança com contrato de comissão do atualmente previsto no art. 696 do Código Civil, já que na essência o agente de garantia atua em nome próprio no interesse dos demais credores. Salienta que essas referências ao contrato de comissão podem ser uteis em circunstâncias em que não há disposição legal expressa em relação ao agente de garantia, o que permitirá trabalhar com analogia para tentar regular eventuais litígios. 

Conclui destacando que trata-se de um tema de direito contratual que tangencia o direito real e que, nas situações de insolvência terá o agente de garantia atuando por si, de modo que ele fará a verificação do crédito, apresentará as impugnações judiciais, votará em assembleia geral de credores, atuando de forma semelhante a um agente fiduciário de debenturistas e a um trustee de bondholders. Destaca, no entanto, que para isso haverá necessidade de disposição contratual para que o agente tenha segurança para atuar em nome dos credores evitando divergências.

Finalizadas as exposições dos debatedores, a Dra. Juliana, pondera, dentro do cenário de insolvência, como fica a remuneração do agente de garantia e questiona o papel do devedor em relação a essa nomeação, especialmente se poderá aventar alguma insurgência, fazendo um paralelo com o Comitê de Credores que, hoje, não funciona em razão da existência de responsabilidade e ausência de remuneração. 

O Dr. Márcio destaca que o agente é designado pelos credores, de modo que o devedor não parece ter gestão sobre isso, de modo que a responsabilização desse agente por eventual atuação em descompasso, parece ser algo a ser resolvido entre o agente e os credores que o nomearam, sendo que, perante terceiros, o ato que o agente praticou deve ter validade. 

O Dr. Marcos coloca a reflexão sobre a onda de individualizações de voto em recuperação judicial como acontece com debenturistas e bondholders e questiona se eventualmente o agente de garantia pode cair no mesmo cenário.

O Dr. Márcio, salienta que na figura do agente de garantia, em tese, o devedor não terá gestão, de modo que os planos de recuperação judicial não poderão intervir nessa administração interna da gestão da garantia mediante a previsão de possibilidade de votos individualizados, por exemplo. Destaca que sendo a legislação clara ao dispor que o agente de garantia atua em nome dos credores, eventual exceção à regra dependerá de ordem judicial. Ressalta que, em se tratando de novidade, necessário observar como o Judiciário interpretará a questão. 

A Dra. Juliana avança para outra questão envolvendo a busca e apreensão extrajudicial. Questiona quais seriam os mecanismos prévios a serem adotados para que a excussão da garantia seja eficaz quando o bem a ser excutido é essencial à manutenção da atividade empresarial do devedor. 

A Dra. Lucinéia destaca que a excussão extrajudicial, por ser autorizada por lei, tem presunção de legalidade e constitucionalidade, mas há grandes discussões, de modo que credor deverá avaliar a retomada do bem vis a vis a celebração de um acordo com o devedor para viabilizar que ele continue funcionando e, com isso, possa pagar a dívida, sendo necessário aguardar o comportamento dos agentes e do Poder Judiciário. 

O Dr. Márcio destaca que a discussão da essencialidade deve começar pela constatação da boa-fé objetiva (declaração de essencialidade ou não do bem quando da celebração do contrato), passar pela constatação da essencialidade ao tempo da recuperação judicial e se concentrar na posse, sendo certo que em algum momento, o Poder Judiciário deverá interferir para resolver a questão da posse da garantia fiduciária, considerando que a propriedade já foi transferida com a constituição da alienação fiduciária. Destaca que em caso de manutenção da posse em decorrente de essencialidade, existe a figura da taxa da ocupação, que incide depois de resolvida a questão da excussão da garantia. Tal taxa seria um crédito extraconcursal e eventualmente pode atuar como estímulo para a empresa se movimentar a fim de viabilizar a retomada da posse pelo credor. 

Para encerrar o debate, a Dra. Juliana trouxe a questão da natureza dos créditos garantidos por alienação fiduciária superveniente. Questiona se também seria um crédito extraconcursal nos termos do art. 49, §3º, da Lei nº 11.101/05 e como os debatedores veem essa listagem na lista de credores.

O Dr. Marcos entende que na recuperação judicial o tema tende a trazer discussões e que, inicialmente a listagem dependerá uma atuação do devedor e do administrador judicial, que elaborarão as listas de credores. Destaca que existe a questão envolvendo o valor de avaliação do imóvel, que pode gerar esse contencioso para fins de se entender o que seria crédito extraconcursal e o que seria quirografário (remanescente não abrangido pelo valor do bem). 

O Dr. Márcio entende que sendo um credor de alienação fiduciária superveniente, a garantia está constituída, mas o crédito fica condicionado à alienação de primeiro grau, de modo que uma leitura como advogado seria habilitar o crédito para registrar como um crédito condicional (condicionado à liquidação do anterior) e extraconcursal nos termos do art. 49, §3º, da Lei nº 11.101/05.

A Dra. Lucinéia destaca que o art. 22, §10, da Lei nº 9.514/1997 resguarda a extraconcursalidade nos termos do art. 49, §º3º, da Lei nº 11.101/05 inclusive para a alienação fiduciária superveniente, o que deve ser adotado até o limite do bem dado em alienação fiduciária.

A Dra. Juliana conclui que, de fato, existirão várias discussões ainda sem respostas, o que nos leva a acompanhar o movimento jurisprudencial sobre os temas ora tratados e encerra o evento com os agradecimentos, em conjunto com os demais debatedores.

Autor(a)
Nathalia Damacena Nunes
Informações do autor
Advogada, Felsberg Advogados
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