No dia 23 de fevereiro de 2022, o TMA Brasil promoveu debate virtual moderado pela Dra. Fabiana Solano, sócia do Felsberg Advogados, sob a relatoria do Dr. Marcelo Santiago, sócio da Jive Investments, com a participação dos debatedores Dr. Gabriel Lunardi, sócio da Quadra Capital e Dr. Marcelo Millet, sócio da Integra Associados e presidente da Renova Energia, para a discussão do tema “DIP Financing”. O debate integrou a série “Aniversário de 01 ano da reforma da Lei de RJ e Falência”.
Feitos os agradecimentos aos patrocinadores institucionais, BTG Pactual e Galdino & Coelho Advogados, a Dra. Fabiana Solano então passou a fazer suas considerações introdutórias, ocasião em que comentou que a reforma da Lei de Recuperação Judicial trouxe uma série de inovações importantes sobre o DIP Financing, que costuma ser uma operação complexa e estruturada. A moderadora já iniciou propondo como foco da discussão adentrar nas complexidades das operações estruturadas que envolvem o DIP Financing.
Antes de passar a palavras aos debatedores, a Dra. Fabiana Solano comentou sobre as inovações trazidas pela reforma da Lei de Recuperação Judicial que trouxeram melhoras no sistema de insolvência e mecanismos eficientes para recuperar uma empresa que está insolvência e retirar as empresas que não tem viabilidade econômica do mercado. Dentre esses mecanismos, destacou o DIP Financing teve alterações bem recebidas pelo mercado. Prova disso, comentou que antes da reforma quase não havia DIP, eram contados em uma mão, principalmente em razão da falta de segurança jurídica, de clareza e a grande litigiosidade quando se tratava de DIP, principalmente em um cenário de falência. Com a reforma, mencionou que já houve uma série de DIPs em diversos casos no país. Apesar desses aspectos negativos antes da reforma, o comentou que o DIP da Renova Energia foi um caso bem sucedido.
Passada a palavra ao debatedor Dr. Marcelo Millet para comentar sobre as razões de sucesso do DIP da Renova, Marcelo destacou, dentre vários aspectos, que a decisão dos sócios da Renova de colocar uma gestão interina independente na companhia possibilitou maior clareza ao investidor e uma demonstração da empresa de que visava um processo de reestruturação. Um outro fator de sucesso foi a existência de um plano de recuperação judicial que desde o início era consistente com as linhas mestras já pensadas se mantiveram nas negociações com os credores, com os devidos ajustes.
Sobre essas linhas mestras, comentou que a Renova tinha um projeto de energia eólica na Bahia que seria o grande gerador de recursos, mas que estava com obras inacabadas e possuía também ativos líquidos de hidrelétricas, dentre elas, a Brasil PCH tinha um historio de boa performance. O debatedor contextualizou que a estratégia era de alienar os ativos líquidos para finalizar a obra de energia eólica na Bahia e que convencer os credores não foi um trabalho fácil. Isso porque, conforme bem destacou o debatedor, alguns credores tentam transformar um processo de recuperação judicial em uma falência branca com a venda de todos os ativos.
Outro ponto bastante destacado pelo Dr. Marcelo Millet foi que os ativos que a Renova visava alienar estavam dados em garantia para alguns credores e que esses credores teriam que abrir de suas garantias para que os ativos líquidos da Renova fossem dados em garantia ao DIP. Pós acerto com os credores, os investidores do DIP teriam então garantias suficientes frente ao investimento.
Finalizando sua primeira participação, o Dr. Marcelo Millet destacou ainda a obrigatoriedade de venda da Brasil PCH e a senioridade de pagamentos aos investidores DIP frente inclusive alguns credores extraconcursais e que todos esses fatores previamente mencionados permitiram o DIP e o rumo da recuperação da empresa.
Antes de passar a palavra para o Dr. Gabriel Lunardi, a moderadora interveio comentando que o importante então é ter um script para permitir segurança jurídica e clareza para todas as partes envolvidas. Provocou o Dr. Gabriel Lunardi questionando sobre a visão do investidor a respeito do DIP da Renova.
Na visão do Dr. Gabriel Lunardi, o importante para ser um investidor DIP é enxergar uma disposição da companhia, mas principalmente do management/controlador em querer resolver e mostrar a companhia viável. Então para qualquer financiamento DIP, o ideal é enxergar essa vontade de solução e essa solução desse ser desenhada com todos os stakeholders para ser uma solução construída e não imposta. Comentou que no caso da Renova havia essa intenção de solucionar a empresa.
Especificamente sobre o caso da Renova, comentou que a empresa tinha excelentes ativos, os não operacionais (parque eólico) e os operacionais como Brasil PCH, que rodava e tinha previsibilidade de receita e assim permitiu a garantia do DIP com esses ativos. Além disso, destacou convergência dos credores e a visibilidade que o dinheiro novo era para destravar valor e permitir o soerguimento da empresa.
A Dra. Fabiana Solano, em seguida, colocou o foco do debate no papel dos credores. A respeito disso, destacou que falar em liberação de garantias é sempre um receio do credor, em razão da insegurança jurídica. De toda forma, comentou que o caso da Renova houve um final feliz, com ajuda do juiz do caso e do Administrador Judicial que entenderam a operação. Provou o Dr. Marcelo Millet sobre algumas particularidades desse acerto de garantias para que ocorresse o DIP uma vez que um dos credores era o banco público BNDES.
O Dr. Marcelo Millet contextualizou essa questão destacando que uma das garantias, os dividendos da Brasil PCH, eram divididos 1/3 para BNDES, Citibank e CEMIG. Pontuou então que estavam lidando com um banco estatal com suas complexidades, uma empresa estatal que também tem complexidades para a liberação de garantias e um banco privado. Mencionou o desafio de explicar e convencer esses credores, principalmente os estatais, de que era necessário terminar o parque eólico e que a liberação da garantia da Brasil PCH era para viabilizar a troca de uma garantia por outra de muito maior valor, o parque eólico, que contaria com a contratação de um watchdog de engenharia para monitorar a obra, dando assim o conforto que os credores necessitavam.
Além disso, reforçou a previsibilidade de o DIP seria utilizado para terminar o projeto do parque eólico, para destravar valor e destacou que esse é ponto de sucesso de um DIP: o objetivo tem que ser de gerar valor, e não de apenas cobrir um buraco, apenas pagar dívida.
Mencionou antes de encerrar a palavra que houve sorte, uma vez que BNDES estava entrando em um novo momento nas Recuperações Judicias que estava envolvido, contribuindo com a recuperação das empresas, tanto que houve flexibilização de garantias no caso da Renova em dois momentos, no DIP e no aditivo ao plano recuperação e que todos sabem que é complexo para o BNDES tomar essas decisões.
O Dr. Gabriel Lunardi complementou que a solução de um DIP é uma construção de meses. Desde assinatura de MoU até o efetivo desembolso foram cerca de 10 meses no caso da Renova. Destacou que esse processo, tanto a companhia quanto os assessores e financiadores, foram felizes em mostrar que a transação construída era viável para a empresa, uma vez que o DIP seria uma forma de destravar valor, o que possibilitou a aprovação dos credores para a operação do DIP e permitir a companhia se reestruturar.
A palavra voltou à moderadora que propôs comparações entre o DIP da Renova e do da Moreno. A moderadora comentou que em Renova foi um DIP idealizado com a lei antes da reforma e Moreno já com a lei reformada e que em ambos os casos tiveram planos altamente negociados. Ressaltou que no caso da Renova, o desembolso do DIP dependia da não existência de recurso contra a decisão que possibilitou o DIP. Mas houve a concessão de efeito suspensivo em um recurso contra a homologação do PRJ. Contudo, o Tribunal foi sensível, revertendo o efeito suspensivo e possibilitou o DIP.
De todo modo, a Dra. Fabiana Solano diferenciou o caso de Renova e Moreno, sendo setores diferentes (energia capital aberto x agro capital fechado) e que em Moreno já havia um plano de recuperação pronto. Ou seja, o DIP foi feito com base no plano de recuperação e não junto com o plano. Comentou que Moreno foi o primeiro caso de exiting financing realizado no Brasil com utilização de inovações trazidas pela reforma da lei, vide as garantias subordinadas que formaram uma operação estruturada que deu garantia tanto para os credores quanto para os financiadores, o que possibilitou que o desembolso do DIP foi somente com decisão de primeira instância e no recesso forense. Provou o Dr. Gabriel Lunardi para comentar sobre a facilidade do DIP na nova lei e as comparações entre os dois casos.
O Dr. Gabriel Lunardi comentou que a estratégia de desembolso em moreno com base somente em decisão da primeira instância, sem esperar decorrer prazo para recurso está ligado com a segurança do investidor baseado na doutrina e jurisprudência da irreversibilidade do DIP consolidada na nova lei e isso é um fato relevante para permitir o financiamento de empresas em crise. Comentando as semelhanças entre os dois casos, destacou que a direção de ambas as empresas queria essa solução, com a construção de um plano viável de forma transparente com os credores. Apesar de algumas dúvidas sobre como o Poder Judiciário iria discutir o tema, a transparência com os credores encorajou o desembolso do DIP somente com decisão de primeira instância.
Finalizou a análise do caso de Moreno destacando que o DIP permitiu uma relação win-win, onde os credores receberiam exatamente o que estava acordado no plano e a empresa não precisaria se desfazer de seus ativos, permitindo que a empresa continuasse operando. Em termos de garantias, diferenciou que em Renova a construção da liberação das garantias foi feita no plano de recuperação e em Moreno a questão das garantias subordinadas, que foi uma flexibilidade da trazida pela reforma lei.
Provocado pela moderadora a comentar, o Relator Dr. Marcelo Santiago fez breves comentários no sentido de que tanto em Renova quanto em Moreno o importante é a gestão e que nem toda a companhia está preparada para um DIP. Destacou que tanto Renova quanto Moreno fizeram um trabalho incrível para possibilitar o DIP. Finalizou comentando que não só a lei, mas o setor de financiamento à empresas em reestruturação evoluiu muito, com adoção de boas práticas permitindo que isso DIPs sejam mais frequentes.
A Dra. Fabiana Solano passou a palavra uma última vez para o Dr. Marcelo Millet questionando se o DIP está aberto para todos e o que marca o sucesso de um DIP, provocando sobre onde o DIP não daria certo. Destacou que as particularidades do DIP, que é um dinheiro caro, com muita negociação e que muitas vezes pode ser uma forma de enxugar gelo, aumentando o endividamento da empresa e os ativos para pagamento dos credores fica mais curto e o financiador DIP fica privilegiado face aos credores, ressalvando a diferença de travas de garantias entre a lei brasileira e a lei americana.
Dr. Marcelo Millet deu ênfase que o DIP para capital de giro em empresas que estão deficitárias é de extremo o risco e que, como dito anteriormente, o DIP deve destravar valor. Destacou que o DIP na Renova tinha o consentimento do credor que entendeu que era para gerar valor e não para o dia a dia da empresa. Finalizou dizendo que o financiamento para outras finalidades deve ser feito por outros instrumentos e não via DIP.
A moderadora então interveio comentando sobre a controvérsia na nova lei sobre o DIP previsto no artigo 69, que é uma operação estruturada e o DIP do artigo 67, que seria uma espécie de mútuo, um financiamento pós-concursal e destacou que não seriam a mesma figura pois existe uma ordem de pagamento da falência e assim seria menos privilegiado do que o financiador do artigo 69.
Encerrando o painel, o Dr. Gabriel Lunardi destacou que o DIP dar certo não é só a operação ser liquidada, mas sim a disposição do acionista e da gestão de conduzir de forma transparente. Sobre Renova e Moreno, destacou management das companhias de propor uma solução viável não para uma recuperação judicial que não tem fim é uma falência disfarçada. Pontou mais uma vez a importância do DIP ser um dinheiro transformacional de gerar novo valor ou evitar destruição de valor da companhia e a construção de um plano viável.
Autor(a)
Marcelo Santiago, Sócio Jive Investments
Informações do autor
https://www.jiveinvestments.com/
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