No dia 9 de fevereiro de 2022, o TMA Brasil promoveu debate virtual moderado por Luiz Gustavo Bacelar, sócia de Luiz Gustavo Bacelar Advogados, sob a relatoria de Natalia Yazbek, líder da área de Reestruturação e Insolvência do BMA Advogados, com a participação dos debatedores Marcelo Sacramone, sócio do escritório Sacramone & Orleans e Bragança Advogados, e da Dra. Renata Motta Maciel, juíza de Direito da 2ª Vara Empresarial e de Conflitos de Arbitragem da Capital/SP, para discussão do tema “Aspectos Legais e Práticos da Tutela Cautelar Antecedente”. O debate inaugurou a série “Aniversário de 1 ano da reforma da Lei de RJ e Falência
Introduzindo o painel, Luiz Gustavo Bacelar comentou a importância da alteração legislativa promovida pela Lei nº 14.112/2020, que trouxe como uma de suas novidades, a introdução de dispositivos à Lei 11.101/05 (“LRF”), que tratam da tutela de urgência cautelar antecedente ao processo recuperacional.
Passada a palavra para Marcelo Sacramone, o debatedor contextualizou que a redação do art. 20-B, LRF partiu da premissa que, com a pandemia do COVID-19, o país seria assolado por novos pedidos de recuperação judicial, o que demandava a criação de uma solução extrajudicial para evitar o ajuizamento de inúmeros processos de recuperação judicial. O debatedor destacou, contudo, que embora imbuído de tal finalidade, o art. 20-B não cumpre tal objetivo já que as medidas cautelares nele previstas tramitam, necessariamente, perante o Poder Judiciário.
O primeiro ponto de debate levantado pelo moderador abrangeu os documentos que deveriam acompanhar a inicial da tutela cautelar antecedente (se todos os elencados no art. 51, LRF ou somente os do art. 48, LRF).
No entendimento de Marcelo Sacramone, deveria ser exigido do devedor todos os documentos elencados no art. 51, LRF, especialmente em razão das consequências decorrentes do deferimento da tutela de urgência, consistente na suspensão de ações contra o devedor.
A Dra. Renata, em complemento à exposição de Marcelo Sacramone, ressaltou que se deve adotar extrema cautela no deferimento da tutela de urgência prevista no art. 20-B, LRF, em razão da suspensão das execuções imposta aos credores do devedor. Segundo a debatedora, não bastaria para o deferimento da medida a mera alegação de que a devedora necessita da suspensão das execuções.
O segundo ponto de debate versou sobre a extensão da suspensão das ações mencionadas no §1º do art. 20-B, LRF. Questionou-se, em especial, se todas as ações ajuizadas contra o devedor deveriam ser suspensas ou se somente aquelas ajuizadas por credores que sejam partes em processos de mediação em curso.
Nesse aspecto, a Dra. Renata destacou que sendo a mediação um processo negocial, o próprio prazo de suspensão previsto no art. 20-B, §1º deveria ser negociado entre credores e devedor, respeitado o limite de 60 dias. Ponderou, ainda, que a redação do art. 20-B, §1º dá margem ao judiciário para deferir a suspensão de todas as execuções ajuizadas contra a devedora, mas que isso não significa que tal medida deva ser deferida irrestritamente.
Sobre o mesmo ponto, Marcelo Sacramone destacou que a suspensão das execuções não poderia, como regra, atingir todos os credores já que os efeitos da medida cautelar não poderiam extrapolar aqueles que seriam obtidos com o processo principal.
Como o art. 20-B, §3º, LRF expressamente autoriza a utilização da medida cautelar como preparatória de pedidos de recuperação extrajudicial, autorizar a suspensão de todas as execuções poderia extrapolar os efeitos do pedido principal, caso este venha a ser uma recuperação extrajudicial. Assim, concluiu o debatedor que somente as execuções movidas por credores que participam da mediação devem estar abrangidas pela proteção do art. 20-B, §3º, LRF.
Tratando da possibilidade de prorrogação do prazo de 60 dias previsto no art. 20-B, §1º, LRF, Marcelo Sacramone destacou que, em alguns casos, o prazo pode ser excessivamente exíguo. Ponderou que a LRF confere prazos maiores para negociação em outros casos (180 dias, prorrogáveis pelo mesmo período, para negociação de planos de recuperação judicial e 90 dias para obtenção do quórum necessário à homologação de plano de recuperação extrajudicial, por exemplo).
Contudo, mesmo reconhecendo que o prazo de 60 dias pode ser excessivamente curto, o debatedor esclareceu que não entende ser possível sua prorrogação, em razão da ausência de contrapartidas aos credores atingidos pela suspensão. No seu entendimento, autorizar a prorrogação de tal prazo, poderia levar à utilização do instituto por devedores com o mero objetivo de blindar o seu patrimônio.
À luz das ponderações feitas por Marcelo Sacramone, a relatora Natalia Yazbek provocou os debatedores a respeito do cumprimento da finalidade da norma, isto é, em que medida a tutela cautelar antecedente realmente serviria para evitar o ajuizamento de novos pedidos de recuperação judicial.
Marcelo Sacramone destacou que a expectativa de que a pandemia do COVID-19 assolaria o país com novos pedidos de recuperação judicial não se materializou, especialmente em razão (i) dos elevados custos do processo, muitas vezes proibitivos ao pequeno empresário e (ii) do custo reputacional imputado ao devedor que se socorre do procedimento.
Quanto à sujeição dos créditos aos efeitos da recuperação judicial, os debatedores destacaram que o ajuizamento de cautelar antecedente não altera o marco temporal do art. 49, caput¸ LRF. Isto é, a relação de credores do art. 51, já apresentada no ajuizamento da cautelar deverá ser atualizada quando do ajuizamento do processo principal, marco temporal que definirá quais créditos são sujeitos ao procedimento
Encerrando o painel, assinalaram os debatedores que deve o debate sobre a matéria deve ser incentivado, a fim de aprimorar o instituto da recuperação judicial, já que sem a negociação (seja ela antes ou durante a recuperação judicial), uma verdadeira solução para a crise do devedor é inalcançável.