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Solução em foco – Mecanismos para implementação de solução estruturante das empresas em recuperação judicial – Capítulo 2.

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No evento realizado pela TMA Brasil em 23 de agosto de 2021, os palestrantes compartilharam suas opiniões sobre algumas das principais novidades introduzidas na Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas – LRE) por meio da reforma implementada pela Lei 14.112/2020, incluindo conversão de dívida em capital e venda integral da devedora como meios de recuperação, além dos planos alternativos propostos por credores e as novas medidas de proteção a acionistas minoritários dissidentes, com ênfase nos conflitos que poderão surgir entre as novas regras e os dispositivos constantes da legislação societária.

O encontro foi uma continuação da Quart@ online promovida pela TMA Brasil em 16 de junho de 2021, que contou com a participação dos mesmos painelistas para discussões sobre os principais mecanismos implementados por empresas em recuperação judicial a fim de viabilizar a readequação de seu passivo e a superação da crise financeira; na ocasião, foram destacadas as diferenças entre os meios de recuperação considerados “paliativos” e as chamadas medidas “estruturantes” (clique aqui para assistir ao vídeo e aqui para ler a resenha sobre o primeiro encontro).

Após apresentar e cumprimentar os demais participantes, o Doutor Giuliano Colombo deu início aos trabalhos convidando-os a debater sobre relevantes novidades introduzidas na LRE, especialmente sobre: (i) a inclusão dos incisos XVII e XVIII no Artigo 50, os quais dispõem, respectivamente, sobre a conversão de dívida em capital e a venda integral da companhia como meios de reestruturação a serem propostos em planos de recuperação judicial; (ii) a introdução do § 3º ao referido artigo, que prevê a ausência de sucessão ou responsabilidade por dívidas de qualquer natureza em decorrência da conversão de dívida em capital.

O moderador também destacou a possibilidade de credores apresentarem planos alternativos de recuperação judicial, nas situações descritas nos Artigos 6º, § 4-A e 56, § 4º, planos estes que podem prever a capitalização de créditos, ainda que tal medida resulte na alteração do controle acionário da sociedade devedora, como preconiza o Artigo 56, § 7º da LRE.

O Professor Eduardo Munhoz elogiou a inclusão da previsão expressa de conversão total ou parcial de dívida em participação acionária como meio de readequação da estrutura de capital de empresas em crise, haja vista tratar-se de uma solução que possibilita ao credor se beneficiar das vantagens decorrentes das reestruturações bem-sucedidas, isto é, capturar parte da riqueza que a empresar voltará a produzir após se recuperar financeiramente.

Todavia, dentre os obstáculos e desafios a serem superados, o Professor destacou o potencial conflito entre a LRE e as normas societárias, haja vista que a conversão de dívidas em capital é matéria de prerrogativa privativa da assembleia de acionistas, no caso das sociedades anônimas, ou da reunião ou assembleia de sócios da sociedade limitada. Assim, ainda que aprovada pelos credores, a implementação da conversão de dívida em capital depende de aprovação dos acionistas ou sócios da empresa.

Em relação à ausência de sucessão, o Professor considerou as normas um pouco confusas quanto às formas jurídicas, já que as dívidas da pessoa jurídica não são exigíveis dos sócios ou acionistas, sejam eles antigos ou novos, como determinam as regas de limitação da responsabilidade que já estavam previstas nas leis societárias antes da reforma da LRE. Nesse sentido, os novos dispositivos estariam apenas reforçando uma proteção legal que já existia. Munhoz também revelou preocupação com os requisitos para que os credores aprovem a capitalização de dívidas, quando tal medida não contar com o apoio dos devedores.

A Professora Sheila Cerezetti destacou que o direito concursal constitui um instrumento de governança corporativa durante a crise, que deve atentar a uma multiplicidade de interesses e posições envolvidos em processos de recuperação. Além dos credores e devedores, há trabalhadores, fornecedores, consumidores e também os acionistas, que constituem um bloco heterogêneo que pode ser formado por controladores, minoritários ou relevantes, conforme as particularidades de cada estrutura societária.

A formação e a manifestação da vontade da sociedade empresária, assim como sua vinculação e a tutela de direitos dos acionistas minoritários, devem seguir os critérios estabelecidos nas leis societárias, que não foram revogadas pela reforma da LRE. Da mesma forma, a sociedade empresária também possui uma estrutura de divisão de competências, princípio majoritário, direitos essenciais e toda a lógica do direito societário que não pode ser ignorada. Como exemplo de caso em que problemas dessa natureza ocorreram, a Professora citou a recuperação judicial da Renuka (Ação de Recuperação Judicial n.º 1099671-48.2015.8.26.0100), na qual havia a necessidade de aprovação societária para que determinadas medidas fossem adotadas, e o plano foi aprovado pelos credores e homologado pelo Judiciário a despeito da ausência dessa aprovação.

Para Cerezetti, esses conflitos tendem a continuar ocorrendo, talvez até com maior frequência, como consequência aos incentivos a soluções estruturantes decorrentes da reforma da LRE. Para lidar com essas situações, é necessário buscar a harmonização e compatibilização das normas concursais e societárias, e afastar a ideia de sobreposição absoluta de sistemas, mediante o envolvimento de todas as partes no mesmo procedimento, tal como ocorre em outras jurisdições. Na impossibilidade desse envolvimento, há que se respeitar o teor de cada norma, e a implementação de medidas societárias deve ser precedida das aprovações previstas nas normas societárias, sob pena de afetar o ambiente de negócios e investimento no Brasil.

O Exmo. Doutor Paulo Furtado ressaltou que uma possível maneira de lidar com esse tipo de conflito seria inverter a ordem de aprovações das medidas de recuperação da empresa, ou seja, submeter propostas que envolvam alteração da estrutura societária da companhia à aprovação dos acionistas ou sócios em momento anterior à sua inclusão nos planos de recuperação judicial. Dessa forma, talvez fosse possível implementar tais medidas sem o risco de violação da legislação societária e intermináveis disputas entre acionistas e credores, ou mesmo entre acionistas controladores e minoritários, acerca da legalidade da medida e da determinação dos valores a serem recebidos.

Em seguida, o magistrado comentou sobre potenciais conflitos de competência para o julgamento dessas disputas. Os litígios envolvendo direito societário vêm sendo julgados pelas varas empresariais, que estão formando suas convicções  sobre as diretrizes mais adequadas para a interpretação de dispositivos relativos a assuntos como aumento de capital, diluição injustificada de participação societária e muitos outros; todavia, ao envolver empresas em recuperação judicial, essas questões devem ser apreciadas pelo juiz da vara de falências e recuperações judiciais onde ele tramita, ao realizar o controle de legalidade que antecede a homologação de planos de reorganização aprovados por credores. Nesse cenário, acionistas que não participaram do procedimento de aprovação e homologação do plano poderão se insurgir contra ele com base em previsões de acordos de acionistas ou cláusulas compromissórias, e poderão inclusive fazê-lo perante outros juízes de varas empresariais ou mesmo árbitros, o que geraria insegurança jurídica e impacto negativo para os investimentos realizados no Brasil, como enfatizou a Professora Sheila Cerezetti.

Acerca dos planos alternativos a serem apresentados por credores, Furtado também ressaltou a grande quantidade de requisitos impostos pela reforma da LRE, tanto para a apresentação quanto para a efetiva votação e aprovação desses planos. Especificamente, em relação à observância do inciso VI do Artigo 56, que determina que o plano de credores não poderá impor ao devedor ou aos seus sócios um sacrifício maior do que aquele que decorreria da liquidação na falência, o juiz acredita que poderá ser necessário apresentar um novo laudo, além daqueles previstos no Artigo 53 da LRE, e que o conteúdo desse laudo poderá dar origens a novas disputas envolvendo acionistas e credores.

Na mesma linha, a Professora Sheila Cerezetti acrescentou que o Artigo 56, Inciso VI representa uma proteção aos dissidentes similar à que ocorre no caso da venda integral da devedora, outro novo meio de recuperação judicial inserido na LRE por meio do Artigo 50, Inciso XVIII. Embora essa solução também resulte em diversas disputas nos países em que esse tipo de proteção existe, mormente relativas à definição do valor a que os acionistas fariam jus em um cenário de falência, trata-se de um caminho que pode ser implementado para superar a resistência dos minoritários, e que também deveria ser considerado para dirimir os conflitos decorrentes de planos de devedores, e não apenas de credores, a despeito da falta de previsão legal.

Dando prosseguimento aos trabalhos, o Doutor Giuliano Colombo indagou a opinião dos debatedores sobre a possibilidade de utilização da figura do “abuso de direito”, a ser aplicado para impedir condutas abusivas tanto por credores quanto por acionistas, para lidar com controvérsias dessa natureza. Considerando que, em regra, a expectativa de recebimento na falência é zero, ou algo bem próximo de zero, especialmente para o acionista que se encontra no fim da fila de prioridades prevista nos Artigos 83 e 84 da LRE, Colombo alertou para o risco de que o parâmetro estabelecido nos Artigos 56, Inciso VI e 50, Inciso XVIII não seja suficiente para resolver a questão, pois qualquer valor superior a zero já seria melhor do que o sacrifício decorrente da falência.

o Professor Eduardo Munhoz ressaltou a importância de diferenciar as sociedades empresárias que possuem um controlador daquelas que não o possuem. O controlador costuma estar mais disposto a soluções equilibradas e negociadas, em razão do maior risco de se submeter às consequências de uma declaração de falência. Por outro lado, essa figura não existe em sociedades empresárias abertas com maior dispersão acionária, como por exemplo no caso da Oi SA (Ação de Recuperação judicial n.º 0203711-65.2016.8.19.0001). Nesse cenário, e o minoritário pode agir como um “free rider” que, ante a falta de perspectiva de recuperação dos investimentos que fez e o menor risco de responsabilização pessoal em caso de falência, pode usar seu poder para dificultar a aprovação e implementação de planos que envolvam aumento de capital e diminuição da sua participação acionária na empresa, com vistas a tentar extrair algum valor mediante postura combativa e não colaborativa.

O Professor destacou que no sistema norte-americano os sócios participam do processo de reorganização, constituindo uma classe específica de credores. Por outro lado, isso não ocorre no Brasil, em cujo sistema de insolvência a companhia é representada por seus administradores e prevalece a dicotomia entre assembleia de credores, de um lado, e assembleia de acionistas, de outro, o que pode gerar desequilíbrio e até mesmo conflitos de competência, como mencionou o Exmo. Doutor Paulo Furtado. Novamente fazendo referência ao caso da Oi SA, o professor relembrou o conflito entre a Câmara de Arbitragem escolhida pelos sócios para dirimir conflitos societários e o juízo da recuperação judicial, o qual prevaleceu quando o assunto foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Para Munhoz, as regras societárias e assembleias de sócios e acionistas devem ser afastadas sempre que a lei autorizar o afastamento da vontade do próprio devedor; caso contrário, qualquer medida de recuperação prevista no plano que impacte na estrutura societária da empresa deve se submeter às aprovações respectivas.

Sobre o abuso de direito, o Professor Munhoz considera que pode ser um caminho para as situações em que houver um hold out totalmente especulativo; mas essa é uma situação mais difícil de ser provada, e também mais demorada, o que pode gerar incerteza e insegurança jurídica; dessa forma, Munhoz acredita que a teoria do abuso de direito possa ser aplicada não como primeira opção, mas apenas quando as soluções organizativas indicadas acima não forem suficientes. O especialista ressaltou ainda que a implementação de medidas societárias aprovadas em planos de recuperação judicial é menos problemática nos casos em que existe um acionista controlador, em razão da facilidade de obtenção das aprovações societárias necessárias. Os problemas surgem quando não existe a figura do sócio controlador, ou quando há um minoritário com poder de veto sobre as aprovações societárias, que pode estar desalinhado e se aproveitar da circunstância para agir como “free rider”, o que exigirá uma solução pelo caminho do abuso de direito ou pela supressão da vontade do devedor, quando assim autorizada pela LRE para os planos alternativos de credores.

A Professora Sheila Cerezetti comentou que o critério estabelecido no Artigo 56, Inciso VI pode ser utilizado até mesmo para a caracterização do abuso de direito, ou seja, considerar abusiva, por parte do acionista, a defesa de uma posição que o submeta a uma situação pior do que a que ele estaria em caso de falência, mesmo no caso de planos propostos por devedores. Ademais, citando o Artigo 171, § 2º da Lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações – LSA), a professora relembrou o direito de preferência, em casos de aumento de capital mediante capitalização de créditos, como um dos direitos societários a serem respeitados no caso de planos alternativos de credores, assim como o direito de retirada previsto no Artigo 56, § 7º da LRE, como exemplos de normas societárias que devem ser respeitadas na implementação de planos de recuperação que resultem em alterações na estrutura societária das empresas em crise, tal qual determina o caput do Artigo 50 da LRE.

O Professor Eduardo Munhoz relembrou que o aumento de capital nas sociedades limitadas requer a aprovação de 2/3 do capital votante, o que significa que um minoritário não precisa ter participação muito relevante para conseguir o poder de vetar a operação. Munhoz afirmou ainda considerar totalmente inadequado, em termos práticos, o exercício do direito de retirada incluído na LRE, pois em um cenário em que a companhia está quebrada e precisa converter dívida em capital por não ter como pagar a dívida, não é possível vislumbrar a possibilidade de que o sócio tenha direito a receber algum valor a ser pago pelo credor, tampouco definir como calcular esse valor.

O Exmo. Doutor Paulo Furtado concordou com a sugestão dos demais especialistas sobre a aplicação do Artigo 56, Inciso VI para a solução de conflitos societários quando houver um acionista minoritário dissidente, e também quanto às dificuldades práticas de implementação do direito de retirada previsto no Artigo 56, § 7º da LRE, que dizem respeito não apenas ao cálculo do valor a receber, mas também quanto à ordem de prioridade de recebimento em comparação com os demais credores da empresa. O magistrado citou os casos Viver (Ação de Recuperação Judicial n.º 1103236-83.2016.8.26.0100) e Eternit (Ação de Recuperação Judicial n.º 1030930-48.2018.8.26.0100) como exemplos de companhias abertas com capital societário disperso, nas quais os acionistas minoritários não conseguiram participar ativamente do processo de reestruturação da empresa, por falta de proteção legal.

Encerrando os trabalhos, os debatedores criticaram a redação do Artigo 50, Inciso XVIII da LRE que prevê a venda integral da “devedora” como meio de recuperação judicial, a ser tratada e organizada como se fosse a venda de uma Unidade Produtiva Isolada (UPI). O Doutor Giuliano Colombo questionou se o referido comando normativo estaria propondo, em termos práticos, a venda da empresa fechada, incluindo seu CNPJ, ou da venda integral dos ativos organizados da empresa em forma de UPI, haja vista tratar-se de situações diferentes, que se implementam de formas distintas, e que tem implicações jurídicas potencialmente diversas.

De acordo com o Professor Eduardo Munhoz, a redação mais apropriada para o que o legislador aparentemente buscou prever seria a venda das ações ou quotas da sociedade empresária, ou dos bens e direitos que integram o seu patrimônio. Todavia, no caso da venda das ações ou quotas, estar-se-ia falando da venda de um patrimônio que não pertence à empresa, mas sim aos seus acionistas ou sócios, que não se encontram em recuperação judicial e que, portanto, não poderiam ter seu patrimônio expropriado, dado que o plano de recuperação judicial vincula a devedora, e não os seus sócios.

Assim, restaria a opção de venda da totalidade dos bens e direitos que integram o patrimônio da empresa; todavia, nesse caso, a Professora Sheila Cerezetti observou que estaríamos caminhando para um cenário bem próximo da liquidação, e que poderíamos nos deparar com o problema do esvaziamento patrimonial que resulta na liquidação substancial da empresa, hipótese de decretação de falência prevista no Artigo 73, Inciso VI da LRE, caso não haja previsão de pagamento dos credores não-sujeitos com os recursos decorrentes da venda integral dos ativos da empresa.

Para o Dr. Paulo Furtado, as novas regras criaram um regime torto, que buscou resolver um problema criado pela jurisprudência ao impedir o credor não-sujeito à recuperação judicial, como o fisco e os credores fiduciários, de recuperar o seu crédito por meio da execução individual e expropriação de bens pertencentes à empresa. Na visão do magistrado, caso seja adotada a solução da venda integral da devedora prevista no Artigo 50, Inciso XVIII da LRE, caberá ao juiz da recuperação judicial avaliar se há ou não liquidação substancial e esvaziamento patrimonial em prejuízo dos credores não-sujeitos, o que poderia inclusive ensejar a decretação da falência da sociedade empresária, conforme destacado anteriormente pela Professora Sheila.

Autor(a)
Arthur Almeida, Senior Legal Analyst na Debtwire
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