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Solução em Foco - PLP 33/20

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No último dia 23 de novembro, o TMA Brasil promoveu um encontro virtual para trazer ao debate o Projeto de Lei Complementar n. 33/2020 (“PLP 33/20”), de autoria do Senado Federal, que, em sua última redação, “institui o marco legal do reempreendedorismo, estabelecendo e disciplinando a renegociação especial extrajudicial, a renegociação especial judicial, a liquidação simplificada extrajudicial e a liquidação simplificada judicial do microempreendedor individual, das microempresas e das empresas de pequeno porte e das pessoas naturais e jurídicas que especifica”. 

O distinto painel foi formado pela Profa. Sheila Cerezetti, pelo Dr. Renato Scardoa e pelo Dr. Matheus Ramalho. A moderação foi realizada pela Dra. Maria Fabiana Dominguez Sant’ana. Neste breve relato, destacarei os principais pontos discutidos naquele dia, mas convido todos a assistirem a íntegra do interessantíssimo painel, constante do canal do TMA no youtube. 
Após introdução do tema pela moderadora, Dra. Maria Fabiana, a Profa. Sheila iniciou o diálogo com suas considerações a respeito da importância do PLP 33/21, ressaltando que, no curso do processo legislativo desse PLP, muitas das críticas feitas por juristas e acadêmicos nessas rodas de debate têm se refletido em mudanças às previsões legislativas, fazendo com que o projeto se aprimore a cada dia, em decorrência de iniciativas como essa do TMA.
Passou, então, a discorrer sobre o seguinte questionamento: “o projeto trará de fato um aprimoramento do nosso regime atual para essas micro e pequenas empresas que estão com dificuldades?”

Para endereçar o tema, a Profa. fez remissão ao regramento da Lei 11.101/05, em especial os artigos 70 e 72, que trazem uma seção do plano de recuperação judicial de micro empresas e empresas de pequeno porte, que não foram suficientes para dar uma solução à crise desses agentes econômicos, que respondem por uma boa parcela da atividade econômica brasileira, conforme os dados empíricos do observatório de insolvência do NEP. Segundo a pesquisa realizada pelo observatório, no Estado de SP, 293 micro empresas ou empresas de pequeno porte pediram recuperação judicial em 7 anos (2010 - 2017), correspondendo a 25% do total de pedidos feitos no período, mas só 7 delas optaram pelo regime especial dos arts. 70 a 72. Ademais, apesar de corresponderem a apenas 25% dos pedidos feitos no período, tais agentes econômicos na realidade correspondem a 99% dos agentes no mercado. Os dados deixam claro que, quando enfrentam crises, esses agentes não veem na recuperação judicial uma solução. Justamente por isso, a importância de se preciso estabelecer um regramento que atenda às especificidades desses agentes e viabilize caminhos de reinserção desses agentes econômicos no mercado. O atual regramento dos arts. 70 e 72 da LRJ traz excessiva rigidez, custo elevado e risco exacerbado de quebra, e não está, como se provou na prática, respondendo à crise desses agentes econômicos. 

Após essas considerações, o Dr. Renato Scardoa rememorou as questões que o projeto tentou endereçar, como a ineficiência do processo atual para micro e pequena empresa. Diante da necessidade de se abordar questões das micro e pequenas empresas em lei complementar, além da necessidade de ter um tratamento específico das empresas de menor monta, com outros interesses e especificidades, inclusive quanto à estrutura, complexidade e interesses envolvidos, correu bem o legislador ao trazer a questão em um PLP específico, e não na reforma da Lei n. 11.101/05. 
Na reestruturação de micro e pequenas empresas, normalmente os créditos possuem valores mais baixos, e há também menor envolvimento dos credores, até mesmo em razão da relação entre o custo do acompanhamento e as perspectivas de recuperação do crédito. Usualmente também tais procedimentos lidam com estruturas mais simples das empresas, e consequentemente com menor burocracia. Destacou, ainda, que os agentes econômicos que se estruturam sob essa modalidade em toda a extensão territorial brasileira são absolutamente heterogêneos – indústrias, comércio, prestação de serviços, etc. Essa característica denota que não seria possível estabelecer uma solução única (“one size fits all”). Para tentar atender a diferentes agentes econômicos, o PLP traz uma ideia de “four size fits all”, em uma proposta de “manual”, inclusive para facilitar a sua aplicação em todo o território nacional, considerando uma justiça não especializada. O procedimento proposto busca ter o mínimo de burocracia, solicitando do devedor e dos credores exclusivamente informações úteis ao processo (evitando a demanda por informações desnecessárias, que gera custos e barreiras de entrada); trazendo incentivos a procedimentos e fases extrajudiciais, inclusive quando houver processo judicial (intervenção mínima do Judiciário, contando com a colaboração dos demais agentes envolvidos); e incentivando também a busca por soluções consensuais através da mediação e negociação, de forma mais célere e desburocratizada, o que também não existia no plano especial da LRJ. 

Conforme exposto pelo Dr. Renato, o PLP se divide em 4 “soluções”, separando entre os agentes viáveis, isto é, que são capazes de se reestruturar, e aqueles que não possuem viabilidade nenhuma.
Para o caso dos agentes econômicos viáveis, o PLP traz uma solução totalmente extrajudicial, através da renegociação extrajudicial, a ser conduzida provavelmente nos centros de negociação, e que tem como produto um plano negociado que será registrado nos órgãos (junta comercial) e passará a surtir efeitos, sem qualquer participação do Judiciário. Há também a possibilidade de um procedimento judicial, igualmente bastante simples, com participação do Judiciário em momentos muito específicos e contando com a colaboração dos demais agentes para que credores e devedor alcancem um consenso. 

Para as insolventes, há duas formas de liquidação. Uma liquidação extrajudicial mais simples, para evitar o comum encerramento irregular das atividades desses agentes econômicos; e uma modalidade de liquidação judicial, para evitar que ficássemos apenas na solução da falência para os casos que não levassem à liquidação extrajudicial. 

Sobre esse último ponto, o Dr. Matheus Ramalho contribuiu com suas considerações a respeito da necessidade de desenvolvimento da modalidade de liquidação judicial no PLP 33/21, tendo em vista que a primeira redação do projeto não continha essa modalidade. Destacou a inexistência de uma liberação (similar à discharge) do devedor na legislação brasileira quando a falência é deficitária, o que leva os empresários a fugir da falência, com receio dos créditos que ficariam sem satisfação se voltassem ao seu patrimônio particular, além do estigma social, e acabam por buscar meios irregulares de encerramento da atividade empresarial. 
As duas alternativas postas pela lei atual, antes da proposição do PLP 33, eram a liquidação extrajudicial ou a autofalência. A grande preocupação desses procedimentos é que, não raras vezes, a liquidação extrajudicial não necessariamente funcionava como um marco temporal do encerramento das atividades. Não raro, algum crédito era apurado posteriormente, ou alegava-se que determinada contingência fora deixada de fora do relatório de liquidação, o que levava à responsabilidade dos sócios e administradores ou do próprio liquidante. 
Já nos casos de autofalência, embora a propositura do pedido devesse inibir pedidos de redirecionamento de execuções fiscais contra o patrimônio dos sócios ou administradores (ou o seu deferimento), na prática não foi isso o que se verificou. Além disso, como o procedimento é excessivamente burocrático e lento, o empresário nunca se via “livre” do pedido de falência, já que o processo se prolongava perpetuamente. 
Em ambos os casos, vê-se que o procedimento não servia para encerrar a questão, isto é, efetivamente liquidar, de forma ordenada, aquele devedor. Por isso, no PLP 33, nos dois institutos – liquidação extrajudicial ou judicial, busca-se alcançar esse fresh start do direito americano, ou seja, um marco final de liberação do devedor. 
A preocupação por trás da criação de uma alternativa judicial foi atender à cultura brasileira, de excessiva judicialização e oficialidade dos atos judiciais (busca pela coisa julgada). A ideia, portanto, é facultar ao empresário a busca pelo judiciário, através de um procedimento voluntário, diante do reconhecimento de que está diante de uma situação de inviabilidade econômica daquela atividade e entrega dos bens para arrecadação, em busca de um reinício. Mesmo na via judicial, a alternativa do PLP traz um procedimento simplificado, com menos marcos de publicação de edital, a simplificação da verificação dos créditos e de arrecadação de bens. Além disso, e mais importante, o procedimento do PLP se encerra muito mais cedo para o devedor, garantindo o seu “fresh start”, e prossegue apenas com o liquidante. 

A Dra. Maria Fabiana retomou a palavra, destacando a importância dos procedimentos de liquidação, especialmente pela prática de encerramentos irregulares e a reticência do Judiciário com a autofalência. Questionou aos palestrantes qual seria a resposta do PLP 33/21 no que diz respeito aos sujeitos que podem se valer dos institutos postos no projeto. 

Dr. Renato destacou que o projeto atende a um clamor do mercado quanto a quem pode se valer dos procedimentos de insolvência no Brasil, trazendo o conceito mais contemporâneo de “agente econômico”, independentemente de estar contemplado pelo conceito de empresa do art. 966 do Código Civil. 
No conceito de micro e pequena empresa, o legislador já havia identificado a necessidade de ser um pouco mais abrangente, contemplando não só o empresário individual ou a sociedade empresária, mas também a sociedade simples. 
O primeiro caminho que se tentou construir para o PLP foi criar um conceito de agente econômico, o que seria adequado se considerássemos a apreciação dos casos por uma justiça especializada. No entanto, como estamos, na maioria dos casos, tratando de uma justiça não especializada, já com um conceito que também contempla a sociedade simples, buscou-se no PLP um “sujeito” abrangente, mas que não gerasse questionamentos, ou deixasse grandes margens para interpretações e debates. 
Por isso, como “sujeito” que podem se valer dos institutos postos no PLP 33/21, estão contempladas quase todas as pessoas de direito privado: pessoas jurídicas de direito privado e pessoas naturais, desde que exerçam a atividade de maneira profissional. Acrescenta-se a esse requisito o cumprimento dos limites de faturamento já aplicáveis a micro e pequenas empresas. 

Sobre o ponto, a Prof. Sheila destacou que o desenho do PLP 33 trata efetivamente da realidade brasileira, e que a maior abrangência do projeto, para contemplar o conceito de agente econômico, foi uma importante mudança, um erro que não se conseguiu contornar na reforma da Lei 11.101/05 e que causa questionamentos diuturnos no Judiciário sobre a abrangência da lei para outros agentes econômicos que não apenas os empresários. 
Esse questionamento reiterado daquilo que está posto claramente na lei é ruim para o regime concursal como um todo, pois mostra as suas falhas; mas, por outro lado, ignorar a realidade brasileira e a necessidade de disponibilizar o acesso aos mecanismos da LRF - e outras que venham a reger a crise do agente econômico, sua reestruturação ou liquidação – a outros agentes do mercado que também precisam deles é igualmente ruim. 
Por isso, o PLP 33 foi muito feliz em olhar a figura do sujeito a partir da função da norma, que é permitir o reempreendedorismo, um objetivo que não diz respeito apenas ao empresário. Foi importante deixar de fora da abrangência do projeto os consumidores, que têm outro tipo de preocupação e comportamento no mercado e devem estar cobertos pela lei do super-endividamento. Trata-se de função, de tutela da pessoa física e da justiça social, e não de empreender. É preciso enxergar a função de cada norma, e endereçar os interesses de cada um desses agentes. 
O PLP, conclui a Profa. Sheila, veio para corrigir essa falha grave do sistema concursal geral e quem sabe contribuir para a correção paulatina desse problema em termos sistêmicos. Destaca, por fim, que também foi importante adotar o que já está no sistema sob o ponto de vista de faturamento, pois não se busca, no PLP, alterar ou reconstruir o conceito de micro e pequena empresa e sim reger a sua crise. 

A Dra. Maria Fabiana então questionou ao Dr. Matheus sobre como está previsto o fresh start no PLP e as expectativas sobre a sua efetividade na prática. 

O Dr. Matheus ponderou que a reforma da Lei 11.101/05 não contemplou adequadamente, na sua visão, o conceito de fresh start. Destacou que, no PLP, se pretende angariar uma documentação menos rigorosa do que se exige para requerer a autofalência ou a autoliquidação, judicial ou extrajudicial, resguardada a necessária transparência à situação patrimonial do devedor, para fins de arrecadação do patrimônio passível de penhora. Com a confirmação, pelo liquidante, da regularidade dos documentos apresentados pelo devedor, o devedor é liberado da liquidação, que segue com a arrecadação e distribuição dos bens. 
Também no procedimento judicial, o liquidante fará um parecer prévio da regularidade da documentação apresentada pelo devedor e, com base nesse parecer, o juiz concederá a liberação do devedor (fresh start). Será lavrada uma certidão, logo após proferida a decisão de liberação, para ser utilizada como meio de prova da liberação do devedor, e que será encaminhada ao órgão de registro competente. A liberação no PLP não tem como requisito o prévio pagamento dos créditos e não ocorrerá ao final do processo, mas sim logo no início. 

O Dr. Renato corroborou as críticas à previsão da reforma da lei 11.101/05 no que diz respeito ao fresh start, pois a alteração do art. 159 fala do “falido”, que na realidade é o empresário ou a sociedade empresária. A disposição, portanto, continua sem endereçar o risco, muito comum, de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária para afetar o patrimônio dos sócios ou administradores, pois a estes não é estendido o fresh start da lei. 

No público-alvo do projeto, há uma relação umbilical entre o empreendedor e a pessoa jurídica através da qual a atividade é exercida, sendo rara a existência de operações de crédito sem a garantia pessoal do empreendedor. Por essa razão, é preciso ter a premissa de que o fresh start só ocorrerá efetivamente quando houver a liberação não apenas da pessoa jurídica, mas também da pessoa natural por trás. Portanto, uma previsão similar à constante da Lei 11.101/05 não endereçaria o grande problema desse público-alvo. O PLP traz três importantes previsões, nesse ponto, a saber:
1 - Nas dívidas em que o empreendedor for coobrigado, ele pode participar do procedimento e entregar também seus bens passíveis de penhora para a liquidação, beneficiando-se, consequentemente, da liberação obtida em sua decorrência; 
2 – Justamente por não ser, via de regra, um empresário “profissional”, a obrigação do empresário finaliza com a entrega de tudo o que for necessário à liquidação para o liquidante. Aquele é o momento de liberação, seja da pessoa jurídica ou de ambas;
3 – No caso de reestruturação – e não liquidação – na renegociação da dívida da empresa fica mantida a garantia pessoal, porém com os mesmos contornos da obrigação renegociada, inclusive para credores que eventualmente não participem do processo ou votem contrariamente à aprovação do plano. 

A Profa. Sheila, em conclusão à discussão ponto, destaca a importância do fresh start para que se supere o estigma da falência. E para resolver esse problema, a insegurança dos empresários e a desconfiança no sistema falimentar, foi muito importante envolver o Judiciário, ainda que pontualmente, na confirmação da liberação do devedor. Esse instrumento, na sua visão, vai ajudar na criação de uma nova cultura que supere o estigma criado para o procedimento falimentar na cultura brasileira. 
Também foi importante, na sua visão, reger a situação dos garantidores, pois não há como pensar em empreendedorismo sem pensar na pessoa natural, garantidora, que é quem efetivamente vai empreender. 
Por fim, a Profa. destaca um ponto de preocupação no PLP que é a situação do liquidante. Especificamente, a necessidade de se criar proteções ao liquidante, que ao mesmo tempo não deixem grande margem de discricionariedade no seu trabalho e, por outro lado, não deixem tais profissionais sob o constante risco de responsabilização. Se não houver proteção ao liquidante, ele será reticente na sua atuação, o que pode causar prejuízos ao empreendedor e ao sistema como um todo. 

Esses pontos, dentre outros, mostram que o PLP 33/21 é um importantíssimo marco para o reempreendedorismo no Brasil, e que os esforços de vários juristas, dentre os que compuseram o painel desse encontro, vão render muitos frutos a todos aqueles que, como nós, atuam nessa área. 
 

Autor(a)
Thaís Vasconcellos de Sá, Sócia Sergio Bermudes Advogados
Informações do autor
Formação Acadêmica:
– Mestranda em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP)

– Pós-graduação (LL.M.) em Direito Empresarial, com concentração em Direito Societário e Mercado de Capitais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ)

– Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

Outras Atividades:
– Associada ao Turnaround Management Association – TMA Brasil

– Membro do Comitê de Reforma Legislativa do TMA Brasil

– Membro do Comitê de Mediação do TMA Brasil

Publicações:
– Artigo A aplicação do Deepening Insolvency no curso da recuperação judicial: uma possibilidade no direito brasileiro: Revista Semestral do Direito Empresarial (RSDE), nº15, jul/dez. 2014.

– Artigo “Os (Des)incentivos do Dip Financing no Sistema Brasileiro”. Direito Empresarial – Estudos Jurídicos em Homenagem à Maria Salgado. Org. TMA Brasil – Turnaround Management Association do Brasil. LumenJuris, Rio de Janeiro, 2019.
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