A Recuperação Extrajudicial e recentes alterações trazidas pela Lei nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020 as Leis nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, 10.522, de 19 de julho de 2002, e 8.929, de 22 de agosto de 1994, para atualizar a legislação referente à recuperação judicial, à recuperação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária.
Iniciada a Live, se apresentaram os participantes: Juliana Bumachar, sócia da Bumachar Advogados, moderadora, Guilherme Ferreira, sócio da Jive Investimentos, Luiz Fernando V. de Paiva, sócio do Pinheiro Neto Advogados e Ana Cristina Mantoanelli, diretora jurídica na MGC Holding e relatora do evento.
Juliana Buchamar, sócia do Buchamar Advogados abre os debates passando a palavra ao Guilherme Ferreira, sócio da Jive Investimentos, para comentar sobre as dificuldades para que o Instrumento da Recuperação Extrajudicial seja realmente eficaz aos Credores.
Guilherme pondera que a Recuperação Extrajudicial se presta às empresas que de fato apresentem potencial de recuperação. Atualmente que a Recuperação Extrajudicial representa um percentual pequeno em relação aos pedidos de Recuperação Judicial.
Mas o instrumento pode ser bem aplicado e surtir o efeito desejado quando se verifica o necessário potencial de recuperação, fazendo alguns filtros, por exemplo, em relação aos passivos:
- Prazos e condições relativamente compatíveis
- Concentração de passivos com mecanismos parecidos
Explicando melhor, a Recuperação Extrajudicial, diferentemente da Recuperação judicial, exige apenas quórum de maioria financeira e quanto mais pulverizado for o passivo, mais difícil conseguir esse quórum mínimo.
Exemplificando, quando os credores são bancos públicos, o gestor responsável possui menor flexibilidade para negociar descontos, hair cut mais agressivo, seja por limitação de alçada ou falta de incentivo. Nestes casos a negociação pode evoluir melhor com a manutenção do saldo devedor, a serem pagas em maior número de parcelas. Já Bond Holders são mais propensos a aceitar planos com maiores descontos em menor número de parcelas.
A Recuperação extrajudicial, portanto, tem suas vantagens, entre elas:
- A possibilidade de formatar o plano de recuperação de acordo com o perfil dos credores,
- A manutenção de relacionamento construtivo com os credores,
- Melhor ambiente de negociação com os credores, comparando-se com o da assembleia de credores,
- Suspensão das execuções durante o Stay Period,
- Também pode ser feita a venda de ativos na recuperação Extrajudicial,
- É possível, com as alterações trazidas pela nova lei, incluir os credores trabalhistas com os quais o devedor tenha alguma interlocução ou estes podem ser “dragados” para a Recuperação Extrajudicial, confirmando-se o quórum necessário,
- há maior equilíbrio na negociação com os envolvidos, com vistas a incentivar o consenso, em vez do litígio,
- expõe menos a recuperanda, que fica estigmatizada durante o processo de recuperação judicial.
Juliana compara a alternativa consensual da Recuperação Extrajudicial com o “Prepackaged Bankruptcy” previsto no “Chapter 11 of the United States Bankruptcy Code”, a lei americana que disciplina o assunto nos EUA. O “Prepackaged”, plano de reorganização preparado em cooperação com credores, é empacotado antes da apresentação do “Bancruptcy Plan”, o equivalente ao nosso plano de recuperação, mas com a vantagem de estar acompanhado da chamada “First day order”, sugestão de decisão que se espera para a homologação do plano de recuperação.
Em seguida provoca Luiz Fernando V. de Paiva, sócio do Pinheiro Neto Advogados a falar sobre a alteração trazida pela nova lei quanto ao Quórum de aprovação da Recuperação Extrajudicial.
Luiz Paiva enfatiza que a Recuperação Judicial e a Recuperação Extrajudicial são procedimentos diferentes.
Houve discussões pelo fim da Recuperação Extrajudicial, sugerindo-se, em contrapartida, algo como o “Prepackaged”. Levantou-se a bandeira de que a Recuperação Extrajudicial poderia ser um procedimento mais vulnerável à prática de algum tipo de fraude. Na Câmara prevaleceu como única hipótese de aprovação da Recuperação Extrajudicial, que fosse aprovada por 100% dos credores. Em seguida, com a alteração de quatro artigos no plenário, a Recuperação Extrajudicial foi viabilizada, ainda que de forma tímida.
Atualmente, a Recuperação Extrajudicial deve ser aprovada por mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial, ou seja, a possibilidade de segregar o quórum de aprovação por espécie de créditos aumentou as alternativas de negociação e arranjos com os fins de se obter o referido quórum mínimo.
E para a apresentação do pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial - que obriga os credores por ele abrangidos - o quórum é de pelo menos 1/3 (um terço) dos créditos de cada espécie, com o compromisso de atingir o quórum de mais da metade dos créditos de cada espécie no período – stay period - de 90 (noventa) dias. Antes dessa alteração, com maior incidência, a recusa de credores acabava comprometendo a Recuperação Extrajudicial.
Cita a possibilidade de a “Mediação Antecedente” ser medida preparatória da Recuperação Extrajudicial, e a possibilidade da suspensão de execuções por até 60 (sessenta) dias. Este prazo de 60 (sessenta) dias ainda é pequeno para conclusão das negociações, em especial quando há quantidade de credores com créditos pulverizados, mas a Mediação Antecedente deve facilitar esse processo.
Foram então apontadas as seguintes grandes mudanças:
- a possibilidade de distribuição com quórum de 1/3 mais um, dos créditos, podendo, então, buscar atingir o quórum mínimo de 50% mais um no prazo de 90 dias,
- desnecessidade de distribuir a cautelar de mediação antecedente para obter a suspensão de execuções por 60 (sessenta) dias,
- Com o requerimento da Recuperação Extrajudicial a suspensão das execuções é automática,
- O quórum de homologação foi reduzido para 50% mais um, dos créditos,
- Possibilidade de incluir os credores trabalhistas na Recuperação Extrajudicial.
Luiz Paiva prossegue, trazendo para reflexão a seguinte pergunta: Na prática, temos de fato uma negociação com os credores ou devemos buscar, nos 90 (noventa) dias, a adesão dos credores remanescentes, seja por Termo de Adesão ou Voto Antecipado?
Na Recuperação Extrajudicial não existe a Assembleia de credores, mas é necessário “amarrar” o “si” dos credores às condições propostas e negociadas. É importante, portanto, deixar consignadas as condições “precedentes” que respaldam o “Sim” por escrito, com o que se pretende resguardar esse “sim”, essa adesão. Ora, alterações no plano, costuradas nesse prazo de 90 (noventa) dias, podem ocorrer o credor que havia anuído, pode deixar de anuir.
Nesse período a devedora deve tanto angariar adesões, como ter a ratificação das primeiras adesões, diante das mudanças negociadas no período.
É certo que, em caso de aprovação prévia do plano pelo credor, não pode haver objeção desse credor na Recuperação Extrajudicial e Judicial, exceto quanto aos requisitos legais, quanto ao controle de legalidade, por exemplo: uma ilegalidade que afeta o quórum mínimo.
Não consta na lei, mas deveria estar, a possibilidade do Juiz negar a homologação da Recuperação Extrajudicial, consultando a devedora sobre o interesse na conversão em Recuperação Judicial, com prazo de 5 (cinco) dia para manifestação.
Quando a devedora atinge o quórum de aprovação necessário para a Recuperação Extrajudicial (50% mais um de cada espécie de crédito quanto ao seu valor) e para a Recuperação Judicial (50% mais um, quanto ao valor dos créditos e à quantidade de credores), a conversão para Recuperação Judicial é interessante para devedora e credores, pois garante maior segurança jurídica.
O plano de recuperação extrajudicial da Restoque é um exemplo de sucesso, mas há ainda há poucos como este.
Juliana, então, pergunta sobre a possibilidade de conversão da Recuperação Extrajudicial em Judicial, considerando o cenário da Recuperação Extrajudicial que não inclui todos os credores.
Luiz Paiva esclarece que sim, é possível, e acrescenta que mesmo quando a Recuperação Extrajudicial é extinta, a devedora pode apresentar, em seguida, pedido de Recuperação Judicial.
A não homologação da Recuperação Extrajudicial não implica na decretação da falência e a mediação preserva as relações entre devedor e credor, potencialmente.
Guilherme pondera que a Recuperação Judicial é o “default”, sendo a Recuperação Extrajudicial mais vantajosa do ponto de vista de relacionamento e custo.
Entende que o ideal que a Recuperação Extrajudicial fosse a opção mais utilizada, geralmente, e não a exceção.
E volta ao exemplo da Recuperação Extrajudicial da Restoque em que forma emitidas debêntures conversíveis, no valor dos créditos, com zero de hair cut. Neste caso, relembra, foram negociados mecanismos criativos como upside sharing.
Luiz Paiva acrescenta que a nova lei traz a proteção do credor que apoia a recuperação e, sobre a regra de sucessão, não deixa dúvidas de que o comprador do ativo vendido não sucederá o devedor em suas obrigações.
Essa proteção não tem previsão expressa para o caso da Recuperação Extrajudicial, mas é necessário interpretar pela extensão da regra, em razão das suas premissas e princípios. São novas discussões a serem enfrentadas mais adiante. Assim sendo é válida, por mais essa razão, a conversão da Recuperação Extrajudicial e Recuperação Judicial.
Quanto ao período de suspensão das ações de 180 dias, previsto no Art. 6º, entende que não se alinha bem com o procedimento da Recuperação Extrajudicial, ao contrário do prazo de 90 dias no qual vê todo sentido. Em vez do prazo de 180 dias poderia estar previsto que a suspensão se daria pelo tempo necessário para a homologação da recuperação Extrajudicial.
Juliana pergunta: e se os credores anuírem com a prorrogação?
Luiz Paiva cita o chamado Standstill - modalidade de acordo que busca unir os credores e adiar cobranças, para garantir pagamento dos valores atrasados, de modo geral. Pode postergar ou antecipar pagamentos, comenta ele.
Quanto às alterações que dizem respeito à Venda de Ativos, por exemplo, a ausência de sucessão e sua abrangência a todas as obrigações, ou a autorização para a venda sem o requisito da evidente da utilidade, Luiz Paiva entende que se aplicam à Recuperação Extrajudicial, mas como essa aplicabilidade não é expressa, a Recuperação Judicial traz maior segurança jurídica em tais situações.
Guilherme opina no sentido que será “leading Case” a Recuperação Extrajudicial em que esses riscos forem assumidos e a aplicabilidade dos dispositivos for judicialmente discutida. Mas segue-se pela Recuperação Judicial em razão do tempo que esse “leading case” levaria.
A alocação dos Ativos na Recuperação Extrajudicial, eliminando a sucessão quanto às obrigações, parece sensata. A garantia do DIP financing, nos casos de ativos não gravados é um risco aceitável para a Jive, do ponto de vista de investimento.
Por fim, Luiz Paiva refere-se à Proteção Revocatória contra a ineficácia de atos, em relação à massa falida, prevista no artigo 129 da Lei no 11.101. Com a nova redação do artigo 131, a proteção revocatória aplica-se aos acordos nos planos de Recuperação Judicial e Extrajudicial, já que antes da alteração da lei o texto só previa a proteção no plano de recuperação judicial.
Diante do horário previsto para encerramento da Live, a moderadora e os debatedores despedem-se e agradecem, assim como eu, Ana Cristina Mantoanelli, responsável pela relatoria, o faço, agradecendo a oportunidade rica de aprendizado, com a expectativa de que nos, operadores do direto, trabalhemos para a solução extrajudicial se torne cada vez mais eficaz, pois menos custosa para a devedora, que não será sua situação tão exposta no mercado e assim terá melhores condições de preservar uma boa relação com seus credores.