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Insolvência Transnacional

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 O debate abordou o conceito de Insolvência Transnacional, estrutura da Lei Modelo da UNCITRAL, diversos problemas enfrentados antes da positivação da norma e um panorama geral sobre alguns obstáculos que podem ser enfrentados pelos operadores do direito num cenário global.

 A Insolvência Transnacional cuida de elementos e circunstâncias que não se restringem a apenas um ordenamento jurídico, situação em que os ativos e/ou credores do devedor podem estar localizados em diversos países, ou seja, em jurisdição diversa daquela em que o processo de insolvência é conduzido, o que poderá demandar a necessidade de atuação concorrente de múltiplas jurisdições.

 Com o intuito de estabelecer a cooperação entre as jurisdições, a UNCITRAL - United Nations Commission On International Trade Law (Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional), adotou em 1997, a Lei Modelo sobre Insolvência Transnacional, a qual restou incorporada por 48 países ao longo de mais de 20 anos.

 Apesar de o Brasil já ter ajuizado mais de 30 pedidos de reconhecimento de processo estrangeiro nos Estados Unidos, por intermédio da Chapter 15 do Bankruptcy Code (capítulo que incorpora, nos Estados Unidos, a Lei Modelo sobre Insolvência Transnacional da UNCITRAL), até então, o Brasil não tinha lei específica que regulasse a matéria.

 Com a Reforma da Lei 11.101/2005, através da Lei 14.112/2020, que entrou em vigor em 23 de janeiro de 2020, o ordenamento jurídico brasileiro incorporou a Lei Modelo no capítulo VI-A. Com a positivação da Lei Modelo da UNCITRAL no Brasil, houve um marco legal, pois, até então, o Brasil poderia atuar apenas na condição de demandante, doravante pode também ser demandado em processos de reconhecimento de insolvências que tramitam no exterior.

 O Brasil e todos os demais países que incorporaram a Lei Modelo assumiram um compromisso internacional perante a UNCITRAL, devendo respeitar determinado padrão de cooperação e diálogo entre jurisdições. Essa é uma compreensão chave para quem vai operar a Lei Modelo, pois é necessário preservar a sua finalidade.

 O representante do processo estrangeiro poderá requerer, perante a jurisdição brasileira, a proteção dos ativos do devedor, situados no território nacional, desde que os interesses dos credores domiciliados ou estabelecidos no Brasil estejam devidamente protegidos.

 Portanto, para manejar a UNCITRAL não basta estudar a norma incorporada, é necessário que os operadores do Direito no Brasil atentem-se, também, ao guia explicativo elaborado pela UNCITRAL, um documento de apoio que traz esclarecimentos sobre a incorporação ao direito interno e sobre sua interpretação.

 A referida lei possui origem internacional, porém, com finalidades especificas. A legislação não altera as regras já estabelecidas no ordenamento jurídico brasileiro que tratam dos processos locais de insolvência, não interfere no direito material das partes, e tampouco afeta o direito processual.

 A Lei da UNCITRAL foi composta em 5 capítulos:

(i) Disposições Gerais;
(ii) Acesso Direto;
(iii) Reconhecimento de Processo Estrangeiro e as Medidas que decorrem desse Reconhecimento;
(iv) Cooperação e Coordenação entre Jurisdições e Autoridades envolvidas no Procedimento;
(v) Processos Concorrentes.

 O propósito da Lei Modelo não é unificar legislações falimentares, nem resolver questões de conflito de direito material existente entre os Estados. O grande objetivo dela é a uniformização de uma base instrumental que facilite a cooperação entre outras jurisdições.

 Para tanto, a UNCITRAL estabeleceu um procedimento próprio e único de cooperação internacional, visando a facilitar o processo de reconhecimento por vias diretas, evitando-se as formas tradicionais da civil law, que não são pragmáticas, tais quais a homologação de sentença estrangeira e a emissão de carta rogatória. O protocolo de cooperação visa aproximar as jurisdições e acelerar o reconhecimento de processo estrangeiro.

 A lei também traz a importância de compreender a diferença de processo principal e não principal. O texto literal da UNCITRAL estabelece a necessidade de que haja uma hierarquia entre eles e que as medidas concedidas no processo não principal não afetem o processo principal. Entende-se que o processo principal deverá ser aquele aberto no país onde o devedor tiver o centro de interesses principais. Serão processos não principais aqueles nos quais o devedor tiver estabelecimentos ou bens.

 Há alguns problemas que podem ser enfrentados pelos operadores do direito, diante da incorporação das novas normas, dentre eles a falta cultura e maturidade, visto que se trata de um procedimento novo que não é “familiar” aos brasileiros. A lei entrou em vigor em janeiro de 2021 e, apesar de existir inúmeros processos relevantes tramitando no exterior de empresas com interesses no Brasil, ainda não há nenhum pedido de reconhecimento na jurisdição pátria, o que pode ser fruto da insegurança jurídica em relação a interpretação das novas disposições pelo Poder Judiciário.

 Outro problema que pode ser enfrentado decorre do conceito de centro de interesses principais (COMI – Center of Main Interests) do devedor, e que difere do conceito de estabelecimento principal. No caso da Latam, o processo foi ajuizado nos Estados Unidos, apontado como o centro dos interesses principais do grupo, dado que a companhia tinha muitos credores e relações comerciais nos EUA. Diversos credores não se opuseram ao ajuizamento da demanda naquele país, por entenderem que a legislação americana seria mais adequada à reestruturação de companhias aéreas. Nesse aspecto, o art. 167, J, § 2º, da LFR, estabelece que nessas hipóteses, quando há alteração do centro de interesses do devedor, o processo não será reconhecido como principal na jurisdição brasileira.

 A Lei Modelo da UNCITRAL também não regula a situação de grupos econômicos. A localização do COMI do grupo é tema que tem levado a controvérsias e à preocupação com a sua manipulação como forma de fraudar credores.
 

 No tocante ao reconhecimento, salientou-se a ausência de proteção legal sobre bens situados em países onde não há regramento da matéria e ausência de adesão à Lei Modelo, que pode resultar na constrição de patrimônio da devedora, impactando diretamente na atividade. Uma empresa de navios que circulavam por diversos continentes, em razão da ausência de reconhecimento do processo de reestruturação em diversos países, teve bens arrestados, resultando em um prejuízo de 14 bilhões de dólares, o que foi prejudicial ao soerguimento da sua atividade e aos interesses de seus credores.

 Portanto, o tratamento da UNCITRAL não é aproximar os processos de Insolvência, mas simplesmente trazer alinhamento global de cooperação, stay e freeze (proteção de bens do devedor). A ideia é que cada país continue tendo processos de insolvência próprios, mas, apesar dessas distinções, não haja obstáculos à cooperação internacional, ao reconhecimento de processos estrangeiros e à concessão das medidas assecuratórias essenciais para a preservação dos ativos e das atividades.


* Para fazer parte do projeto Relatoria Acervo TMA Brasil, entre em contato pelos canais oficiais


11/05/2021

Autor(a)
Bruna Maria Trindade diretora de expansão na Biolchi Advogados
Informações do autor
Advogada formada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA;
Pós-graduada em Processo Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar;
Capacitação em Administração Judicial pela Escola da Magistratura do Paraná;
Pós-Graduanda em Direito de Recuperação Judicial e Falências pela PUC-PR.
Diretora de Expansão na Biolchi Empresarial
Advogada de Reestruturação de Empresas, possui mais de 10 anos de experiência em negociações complexas e reestruturação de passivos envolvendo ativos distressed.
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