A Lei de Falências (Lei 11.101/2005), que inseriu o instituto da recuperação judicial no Brasil, completou 10 anos no dia 9 de junho. De acordo com estudo do Instituto Nacional da Recuperação Empresarial (Inre), foram 6.938 pedidos de recuperação judicial e 3.859 pedidos de falência desde 2005. A conta inclui empresas de todo o país, e foi feita considerando dados das Juntas Comerciais de todos os estados.
A pesquisa aponta que, dos grandes setores da economia, apenas o comércio teve mais pedidos de falências do que de recuperação até agora. O Sudeste foi a região que proporcionalmente mais preferiu a recuperação à falência. No lado oposto, o Centro-Oeste o instituto não é tão popular, e tem quase o mesmo número de falências.
De acordo com o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e presidente do Inre, Carlos Henrique Abrão, aponta que a quantidade de empresas que efetivamente saíram da recuperação e voltaram a operar normalmente chega a 5%. No entanto, o período de duração de um plano de recuperação varia, em média, entre 6 e 10 anos, com deságios entre 50% e 60% dos valores cobrados, a depender do plano de recuperação aprovado pela assembleia de credores. Só depois de uma década é que o juiz pode decretar a falência automática por descumprimento do prazo.
“Como a Lei de Falências completa 10 anos somente em junho deste ano, é cedo para sabermos quantas recuperações deram certo. A grande maioria das 6.938 ainda está tramitando na Justiça. E o processo só termina quando o juiz dá um despacho encerrando o caso com um ‘levantamento’ ou ‘extinção’ da recuperação”, destaca Abrão.
Nos Estados Unidos, o cenário é diferente. A Harvard Business Reviewpublicou recentemente dados sobre a recuperação judicial de empresas americanas. Foram analisados 350 casos de recuperação judicial, de 2002 a 2011. Os dados apontam que 89% das empresas continuaram em operação depois da fase de procedimentos legais previstos no capítulo 11.
O advogado Rodrigo Quadrante, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, foi responsável por duas bem sucedidas recuperações judiciais nos últimos anos: da Eucatex e do Frigorífico Quatro Marcos. Para ele, o grande problema é a espera para se entrar com o pedido de recuperação. “O empresário demora a admitir a crise em sua empresa e que ela necessita de ajuda”, diz. Quadrante destaca que se o pedido for feito antes de a empresa entrar em colapso, a chance de sair saudável e com sucesso da recuperação é muito maior.
Eduardo Vital Chaves, sócio do contencioso cível do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados, e Ligia Azevedo Ribeiro, advogada da mesma área dessa firma, destacam que para que uma recuperação judicial dê certo, a empresa precisa entrar com o pedido judicial antes que seu passivo seja consideravelmente maior que o seu patrimônio. Caso contrário, o processo se torna fictício e serve apenas para punir os credores. Eles ressaltam ainda que as poucas recuperações judiciais que tem o seu encerramento sentenciado acabam apenas formalmente, pois é comum que isso ocorra sem o pagamento de todas as parcelas devidas aos credores.
“O resultado é que as empresas deixam para pedir recuperação quando já estão praticamente em estado falimentar”, explica Chaves. Com isso, não restam alternativas aos credores a não ser aceitar deságios em percentuais surreais, muitas vezes superiores a 60%, e/ou com pagamentos parcelados em até 20 anos, em alguns casos. “Isso encarece o crédito, além de prejudicar os bancos”, criticam os advogados do Rayes & Fagundes.
Na opinião de Antonio Carlos de Oliveira Freitas, sócio do escritório Luchesi Advogados, a Lei de Falências tem diversas brechas que permitem os “calotes”. Segundo ele, a ideia da norma foi boa, mas devido ao seu mal uso, ela se transformou num “desserviço ao Brasil, um foco de impunidade”.
O escritório defende o interesse de credores principalmente no agronegócio. Desde janeiro do ano passado, a banca registrou aumento de 26,5% no número de casos de recuperação em todo o país.
Na avaliação de Freitas, o fato de o princípio que norteia a lei ser o da preservação das empresas em dificuldades não significa que as outras devam ser prejudicadas. “Permitir carências de 3 ou 4 anos, deságios de 70% a 80% da dívida e parcelamento do saldo, por vezes, em 10, 20 ou 30 anos é institucionalizar o calote e incentivar o desregramento empresarial, a má gestão, a incompetência e o desvio de dinheiro”, critica.
O foco do problema está no plano de recuperação, diz o especialista. É esse acerto que prevê as condições para que a empresa saia do buraco. Mas segundo Freitas, considerar soberana a decisão de uma assembleia de credores que chancela planos que prejudicam desproporcionalmente a quem cobra “é absurdo”.
Já o advogado Ronaldo Vasconcelos, sócio do Lucon Advogados e administrador judicial em diversos processos de falência e recuperação, acredita que há muito o que comemorar nesse ano de 2015, especialmente no direito falimentar e recuperacional, pois o Brasil detém hoje uma das mais avançadas e adequadas legislação em matéria de crise da empresa.
“Obviamente, algumas alterações pontuais impõem-se, especialmente em virtude da experiência alcançada nas soluções para o atingimento da comunhão de interesses entre os credores. Entre elas destacamos o fomento e a regulamentação da mediação na recuperação judicial, bem como a utilização e normatização de princípios utilizados com sucesso no direito norte-americano e que permitem a ampliação das classes votantes nos planos de recuperação, flexibilizando a forma de apuração da comunhão de interesses”, analisa.
De acordo com o advogado Renato Arruda, do escritório Rocha Marinho e Sales Advogados, a classe empresária tem se beneficiado por meio da Lei de Falências, porque “ela possibilita, em caráter negocial, a aplicação de deságio ao crédito, prazo de carência para o início do pagamento, parcelamento da dívida, condicionamento do adimplemento ao fluxo de caixa positivo da devedora, dentre outras medidas”.
Na mesma proporção, mas em sentido diametralmente oposto, “evidentes também os são os prejuízos experimentados pelos credores no procedimento recuperacional, em face da absoluta flexibilização dos termos e condições originalmente pactuados nos diversos negócios jurídicos firmados com a empresa em Recuperação Judicial, os quais são superados (novação da dívida) pelas novas condições dispostas no Plano de Recuperação Judicial apresentado pela devedora”, recorda Arruda.