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Prisão em segunda instância e tributos

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O Supremo Tribunal Federal (STF) analisou a questão da prisão em segunda instância (ADCs 43, 44 e 54) e, por maioria, declarou ser constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, segundo o qual a prisão apenas pode ocorrer após o trânsito em julgado da condenação (com exceção do flagrante delito). 
Em reação a esta decisão surgiram algumas propostas legislativas visando alterar tanto a Constituição quanto a legislação ordinária, dentre as quais a PEC 199/2019, que pretende alterar os artigos 102 e 105 da Constituição, “transformando os recursos extraordinário e especial em ações revisionais de competência originária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça”. 
A PEC em questão, apesar de nascer em um contexto penal, acabará produzindo muitos outros efeitos, que merecem consideração na discussão legislativa
Ela tem sua originalidade ao não buscar alterar o artigo 5º da Constituição Federal, que representa cláusula pétrea e é imutável mesmo por proposta de emenda, mas altera o momento em que ocorre o trânsito em julgado. Ela não modifica a condição para a prisão, mas sim o momento processual em que essa condição se implementa. 
E o que a PEC tem a ver com tributos? 
A discussão sobre a prisão em segunda instância parece distante do Direito Tributário realmente, mas a PEC 199 pode produzir efeitos para todas as esferas do Direito. 
A própria justificação da proposta deixa claro que a alteração tem como objetivo um efeito reformador tanto na esfera cível, quanto criminal, visando reduzir a carga de trabalho no STF e no STJ e possibilitar a execução definitiva das decisões após a segunda instância. 
Atualmente, o STJ possui competência para julgar temas relativos à legislação federal infraconstitucional (tais como o Código de Processo Penal, o Código Tributário Nacional e as leis complementares que regulam o ICMS e o ISS), enquanto o STF analisa questões constitucionais. 
Em um processo comum, após a análise por um juiz de primeiro grau, as partes podem apresentar recurso aos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais para que eles julguem o caso em segunda instância. 
Depois desta etapa e atendidas certas condições, é possível apresentar recurso especial ou extraordinário (ou ambos), requerendo uma nova análise pelo STJ e/ou STF, os quais, porém, não analisam questões de prova ou questões de fato, mas apenas questões de direito. 
Ainda não é possível saber quais seriam os requisitos da tal ação revisional, mas nos parece que seu cabimento sofreria mais restrições, seja porque ela visará a desconstituição de um trânsito em julgado (que hoje só ocorre em hipóteses muito específicas), seja porque, se não houver uma restrição maior, a justificativa de se retirar carga de trabalho dos tribunais superiores não seria verdadeira na prática. 
Acontece que muitos temas tributários recebem um entendimento desfavorável aos contribuintes nos tribunais locais e, posteriormente, são reformados pelo STJ ou STF. 
Temas bilionários como a exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins e o do conceito de insumo para fins de creditamento de PIS e Cofins eram majoritariamente desfavoráveis aos contribuintes, até que o STF e o STJ, respectivamente, analisaram os temas de forma vinculativa, alterando o entendimento antes adotado pelos tribunais de segundo grau (no RE 574.706 e no RESP 1.221.170). 
O STF e STJ sempre tiveram um relevante papel nas discussões tributárias, muitas vezes alterando e pacificando entendimentos conflitantes. A questão é saber se na nova ação revisional, os contribuintes terão a mesma oportunidade de levar tais discussões a eles, para que elas sejam analisadas de maneira uniforme, trazendo segurança jurídica aos contribuintes. 
Também é preciso considerar os efeitos práticos que podem decorrer da PEC, já que muitos processos tributários acabariam em menos tempo, em favor ou contra os contribuintes. 
Em discussões para recuperação de tributos federais, por exemplo, o uso de créditos tributários seria antecipado, pois após o trânsito em julgado, seria possível utilizá-los em compensações. No entanto, o reconhecimento do crédito também traria consigo a tributação sobre ele. 
Em caso de uma ação revisional proposta pelo Fisco que seja provida, será preciso lidar com a tributação que já terá sido recolhida sobre o crédito e o fato de que todas as compensações que tiverem sido feitas com tal crédito poderão ser revertidas, fazendo surgir uma contingência decorrente dos tributos compensados, com acréscimos de juros Selic e multas de até 70%. 
Em situações em que há depósito judicial para garantia de débitos, com a decisão desfavorável em segunda instância, tais valores seriam convertidos em renda do Ente Tributante, somente seriam recuperados (por meio de demorados precatórios) no caso de uma revisional ser provida. 
Eventuais provisões para débitos tributários também poderão ser realizadas com o trânsito em julgado “antecipado”, já impactando o resultado das empresas, mesmo que a ação revisional seja proposta. 
A PEC em questão, como visto, apesar de nascer em um contexto penal, acabará produzindo muitos outros efeitos, que merecem consideração na discussão legislativa. 
Espera-se que haja um amplo debate para se considerar todos os efeitos positivos e negativos desta proposta, inclusive considerando uma análise acerca da estrutura atual do Judiciário e os efeitos que podem decorrer de uma limitação de uma discussão mais aprofundada sobre temas tributários que hoje muitas vezes se dá nos tribunais superiores. 
Felipe Jim Omori é advogado, especialista e mestre em Direito Tributário do KLA Advogados. 
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

17/02/2020 
 

Autor(a)
Por Felipe Jim Omori

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