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TJ-SP analisa compensação de créditos na recuperação judicial

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Nancy Franco: prática de compensações era comum e a situação só mudou às vésperas de a Goiás Verde entrar em recuperação

Desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) analisam se o credor de uma empresa em recuperação judicial, em vez de receber a quantia a qual tem direito, pode compensá-la com valores devidos a uma outra companhia do mesmo grupo econômico. A discussão, considerada polêmica por especialistas, começou a ser julgada pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial.

Na prática, com a compensação, o credor se livraria das condições impostas pelo plano da recuperação - comum a todos os credores e que geralmente inclui descontos, prazo de carência e pagamento parcelado. Ou seja, na troca dos créditos pelas dívidas, ele ficaria de fora do processo e conseguiria manter os valores originais.

Advogados que atuam em recuperações judiciais afirmam que não se tem notícias, até agora, de casos em que a compensação tenha sido permitida. E, entre os profissionais que trabalham para empresas devedoras, essa possibilidade não é bem vista. Abriria um precedente que, acreditam, desconfiguraria o instituto da recuperação judicial.

"Se as compensações forem permitidas, a empresa em recuperação pode não ter fluxo de caixa suficiente para gerir a companhia até o final", diz Juliana Bumachar, sócia do escritório Bumachar Advogados Associados.

O caso em análise no tribunal paulista envolve três empresas do agronegócio. A autora da ação, Louis Dreyfus Commodities, tenta provar que existe confusão patrimonial entre as duas companhias com quem negociava compra e venda se soja. Uma delas é a Goiás Verde Alimentos, em recuperação judicial, e a outra a Agro Industrial São Luiz.

A Louis Dreyfus afirma, no processo, que os sócios das empresas são os mesmos e que ambas localizam-se em um endereço único. Argumenta ainda que as duas sempre negociaram juntas e que a prática das compensações - de descontar crédito de uma com débito de outra - era comum e ocorreria com frequência.

"Essa situação só mudou às vésperas de a Goiás Verde entrar em recuperação judicial", aponta a representante da autora da ação no caso, a advogada Nancy Franco, do escritório Muriel Médici Franco Advogados.

Os valores envolvidos na disputa, entre dívidas e recebíveis - que têm valores equivalentes - somam aproximadamente R$ 3 milhões. Submetida ao processo de recuperação da Goiás Verde, a Louis Dreyfus estaria sujeita ao plano e provavelmente receberia menos do que o valor original. Em contrapartida, teria de pagar a dívida completa à Agro Industrial São Luiz.

Três desembargadores votaram a matéria até agora. O relator, Hamid Bdine, e o desembargador Francisco Loureiro entenderam que não poderia ser feita a compensação dos valores porque, mesmo tratando-se de grupo econômico, não haveria elementos suficientes para provar a confusão patrimonial entre as empresas Goiás Verde Alimentos e Agro Industrial São Luiz.

"Elas mantém autonomia e independência, sem que haja responsabilidade automática de uma para a outra", afirmou Loureiro em seu voto.

Já o revisor da matéria, desembargador Enio Zuliani, abriu divergência e votou pela compensação dos valores. "Porque o histórico das prestações relacionadas à produção de safra agrícola mostra que as duas empresas sempre atuaram juntas na obtenção dos contratos com a autora. Ora uma cedendo créditos e assumindo obrigações, ora uma outra servindo de garantidor", disse.

Zuliani reconheceu má-fé na atuação das duas empresas. O desembargador propôs desconsiderar a personalidade jurídica, agrupar o patrimônio e estabelecer a compensação dos valores.

Após os votos, o julgamento foi adiado porque, como houve divergência, mais dois desembargadores terão de se manifestar. Isso se deve a uma regra do novo Código de Processo Civil (CPC). O artigo 942 estabelece que o julgamento tem de ser ampliado - não bastando, assim, o voto de três desembargadores - quando o resultado da apelação não for unânime.

Tanto a Goiás Verde como a Agro Industrial São Luiz negam, no processo, que sejam parte de um mesmo grupo econômico. Afirmam que os sócios não são os mesmos, haveria somente vínculo familiar entre eles, e que tampouco as empresas se localizam em uma sede única.

Argumentam ainda que não há confusão patrimonial. "Tanto que a São Luiz está arrolada como credora na recuperação judicial da Goiás Verde", segundo consta na defesa. Alegam também que o artigo 346 do Código Civil autoriza pagamento como sub-rogação (quando há transferência dos direitos do credor para aquele que saldar a obrigação ou emprestar o necessário para solvê-la) e que isso não significa confusão patrimonial.

Representante da empresa em recuperação judicial, o advogado Fernando de Luizi, do escritório que leva o seu nome, entende que as compensações não seriam possíveis mesmo se as empresas fizessem parte de um mesmo grupo econômico. "Na recuperação judicial há um rito próprio a se cumprir", diz.

Para o advogado, quando uma empresa entra em recuperação, a relação com credores e devedores vira parte de um colegiado. Por isso, afirma, uma negociação particular, aceitando a compensação, sem passar pelo crivo da assembleia de credores ou do juiz da recuperação infringe a lei.

Especialista na área, Fábio Coutinho Kurtz, do escritório Siqueira Castro, também entende que fazer parte de um mesmo grupo econômico, por si só, não seria suficiente para que a compensação de valores fosse possível. Ele cita o artigo 368 do Código Civil, que só permite a compensação no caso de duas pessoas ao mesmo tempo credora e devedora uma da outra. Nada consta, no dispositivo, relações com um terceiro.

Por outro lado, acredita, se ficar provado que há confusão patrimonial entre as empresas, poderia haver a compensação dos valores. "Uma decisão judicial nesse sentido poderia ser utilizada no processo de recuperação", diz. Ele chama a atenção, no entanto, que, de maneira geral, é muito difícil de a parte conseguir provar que tal situação, de fato, ocorre.

 

Autor(a)
Joice Bacelo

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