logotipo TMA Brasil
logotipo TMA Brasil
lupa

Breve resumo sobre os créditos trabalhistas na Lei de recuperação e falência (Lei 11.101/2005)

Capa

Introdução

O direito falimentar, até o ano de 2005, no nosso ordenamento pátrio, era regido pelo Decreto-lei 7661 de 21/06/1945, denominado de Lei de Falência. Citada norma, promulgada durante a Era Vargas, não mais se coadunava com os dias atuais, mostrando-se ultrapassada, aplicando um complexo processo como forma de cobrança forçada de empresas que se encontravam em situações financeiras difíceis.

A Lei de Falência era, portanto, direcionada apenas a acastelar os interesses patrimoniais dos credores, originando um quadro de extinção das empresas, com a conseqüente redução das fontes de produção, postos de trabalho e arrecadação de tributos.

Sob os clamores da atividade econômica atual, que almejava por um regramento normativo voltado à proteção das empresas e à manutenção de seus recursos produtivos, foi promulgada a Lei 11.101/2005 (regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária), que veio como instrumento de saneamento e preservação da empresa, como fonte geradora de bens patrimoniais, econômicos e sociais, em conformidade com os artigos 1º, IV, 3º, II e III e 170 da Carta Magna.

Nessa esteira, leciona Celso Marcelo de Oliveira[1] que, “na nova legislação de Recuperação Judicial, a falência e a recuperação extrajudicial do empresário e da sociedade empresária foram concebidas por inspiração da teoria da importância social da empresa, onde tenciona introduzir um instituto inédito no Direito Brasileiro, denominado ‘A Recuperação da Empresa’, utilizado na legislação francesa”.

Observa-se que a Lei 11.101/2005 tem como escopo a preservação da empresa como entidade de importante função social, mantendo os postos de trabalho, conservando a produção e circularização das riquezas. Assim, tendo como baliza a função social da propriedade privada e da responsabilidade social empresarial, foram criadas as figuras da recuperação extrajudicial, da recuperação judicial (que veio substituir a concordata preventiva), alterou-se o procedimento da falência e extingui-se a concordata suspensiva.

Dentro do âmbito do Direito do Trabalho, pode-se citar como alterações trazidas pela Lei 11.101/2005: a ordem de habilitação dos créditos decorrentes da relação de trabalho e acidente de trabalho, a limitação dos créditos trabalhistas na falência e as conseqüências da sucessão de empresas.

As figuras trazidas pela Lei 11.101/2005

A atual lei inova o regramento falimentar nacional ao extinguir a concordata e criar o instituto da recuperação, trazendo também a figura da recuperação extrajudicial, bem como “o pedido de falência perde, em parte, a característica de medida coercitiva utilizável na cobrança da dívida.”[2]

A recuperação extrajudicial, prevista no artigo 161, não se relaciona diretamente nos contratos de trabalho (§1º), haja vista que o seu regulamento aplica-se apenas aos créditos quirografários. O intuito da recuperação extrajudicial é o planejamento do devedor junto com os credores para formação de um plano de pagamento dos débitos. Não há vencimento antecipado de obrigações, resolução de contratos, suspensão de ações e direitos[3].

A recuperação judicial foi criada como meio de manutenção da fonte produtora, dos empregos, promovendo, desse modo, a preservação da empresa. Nos termos do artigo 47 da Lei, a figura da recuperação tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. A empresa que cumprir os requisitos trazidos pelo artigo 48 da LRF poderá requerer a recuperação, sendo certo que atinge todos os créditos existentes na data do requerimento, ainda que não vencidos, inclusive os de natureza trabalhista. Diante da importância da figura da recuperação judicial quanto aos créditos trabalhistas ele será mais bem analisado em tópico especifico.

É de se observar que quanto à recuperação judicial das micro e pequenas empresas, esta não atingirá os créditos de natureza trabalhista, afetando somente os créditos quirografários. Quanto à recuperação dessas empresas, a única influência observada pela lei é a necessidade de autorização judicial, a pedido do Administrador Judicial e do Comitê de Credores, para a contratação de novos empregados.

A falência, em razão de sua natureza mais complexa, foi objeto de maiores alterações pela LRF. De acordo com o artigo 75, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, a falência visa a preservar e aperfeiçoar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa. Assim como a recuperação judicial, as consequências da falência nos créditos trabalhista serão analisadas em tópico específico.

A recuperação Judicial

Conforme exposto linhas acima, a premissa do instituto ora em comento é a reestruturação da empresa que se encontra em situação econômica difícil, que ainda pode ser salva, por meio de um plano de recuperação aprovado por uma assembleia de credores. Com a recuperação, o devedor passa a ter prazos e condições especiais para a quitação de sua dívida, podendo, inclusive, chamar os seus credores para negociar uma forma de pagamento das obrigações vencidas e vincendas.

A LRF, em seu artigo 50, estipula os meios de recuperação judicial, trazendo à baila as hipóteses de redução salarial, compensação de horários e redução da jornada de trabalho, mediante acordo ou convenção coletiva (artigos 7º da Constituição Federal e 468 da CLT).

Sendo deferido o processamento da recuperação judicial, não se suspendem as ações trabalhistas em curso (art. 52, III), sendo, contudo, suspensa a prescrição por um período máximo de 180 dias (lapso necessário a elaboração do plano – artigo 6º, §4).

Com a aprovação do plano, não poderá ser previsto prazo superior a um ano para pagamento dos créditos trabalhistas ou decorrentes de acidente do trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação. Não poderá, de igual, forma, ser estipulado prazo superior a 30 dias para pagamento, até o limite de 150 salários mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores ao requerimento da recuperação.

O plano de recuperação não afeta os contratos de emprego em curso, haja vista que não há resolução dos mesmos em razão do deferimento do plano, sendo certo que o pagamento de salários deverá obedecer aos prazos fixados em lei (CLT), não se aplicando aos contratos em curso os prazos acima indicados.

Amador Paes de Almeida pondera que a expressão ‘créditos derivados da legislação do trabalho’ não pode ser interpretada de forma ampla, mas apenas quanto aos direitos devidos aos empregados celetistas.

A sucessão trabalhista na nova lei

A promulgação da LRF trouxe grande discussão quanto à questão da sucessão de empresas em recuperação judicial.

Segundo o art. 60 da lei: “Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei. Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141 desta Lei.”

Assim, de acordo com a nova lei, não haverá sucessão nos casos de empresas em recuperação judicial.

Na decisão que julgou improcedente a Adin 3934-2, o Plenário do STF afirmou a constitucionalidade de dispositivos da LRF, dentre eles, o artigo 60, que isenta as empresas compradoras do patrimônio de uma empresa em recuperação ou falência da responsabilidade por dívidas trabalhistas, não havendo, portanto, sucessão.

Segundo o Ministro Relator Ricardo Lewandowski, a LRF foi criada da necessidade de se preservar o setor produtivo e resultou de um amplo debate na sociedade com os setores envolvidos. Segundo o Ministro, o fato de as compradoras não assumirem os débitos por sucessão não significa um prejuízo para os trabalhadores. No voto, o Ministro destacou que “a lei trouxe um aumento da garantia dos trabalhadores. Os valores utilizados na compra de partes das empresas ficam disponíveis ao juízo da recuperação e são utilizados prioritariamente para pagar as dívidas trabalhistas.” A Ministra Ellen Gracie, no mesmo julgamento, enfatizou que a legislação tem o objetivo de preservar a produção e o nível de emprego no país.

Amauri Mascaro Nascimento pondera que “a medida destina-se a um fim econômico: permitir que haja interessados na aquisição do patrimônio do falido e desse modo promover o levantamento de recursos em dinheiro para pagamento dos credores inclusive trabalhista.”

A falência e os créditos trabalhistas

Do exposto na LRF, conclui-se que a falência ocasiona o afastamento do devedor da direção da empresa, com o intuito precípuo de manter a uso dos bens, ativos e recursos produtivos da mesma.

Tem-se que com a falência, inicia-se um procedimento de execução coletiva, em que todos os bens do falido são coletados e apurados, objetivando a liquidação total das dívidas do mesmo.

A premissa acima deduzida leva-nos à conclusão de que o juízo da falência é universal, sendo certo que todas as ações que abordem os bens, interesses e negócios da massa falida serão processados na unidade judiciária perante a qual corre a execução coletiva da falência. Constitui uma das exceções à regra do juízo universal da falência, as ações envolvendo créditos trabalhistas, que deverão ser ajuizadas perante a Justiça do Trabalho, que detém a competência para tanto, conforme dicção do artigo 114 da Constituição Federal. Aqui se observa que a Lei 11.101/2005 repete o quanto estipulado pelo Decreto-lei 7661/1945.

Dessa feita, as reclamações trabalhistas serão enviadas para o juízo da falência somente após a sentença homologatória.

Nas palavras de Fabio Ulhoa Coelho[4] “cabe à Justiça do Trabalho julgar o quantum devido ao empregado. O juízo falimentar pertence à Justiça Estadual e, portanto, incompetente para conhecer e julgar os dissídios relacionados ao vínculo empregatício; cabe-lhe, simplesmente, considerar o valor líquido e definitivo determinado pela Justiça do Trabalho quando do pagamento. Assim, na falência do empregador, o empregado deve mover reclamação perante a Justiça do Trabalho competente e, uma vez definida a existência e extensão de seu crédito, declarar o direito na falência e aguardar o pagamento.”

Ressalte-se que, assim como o crédito trabalhista, a indenização acidentária só será inscrita no quadro geral de credores após a sua liquidação, ou no juízo comum (quando promovida ação em face do INSS) ou no trabalhista (quando promovida reclamação contra o empregador).

O artigo 6º da LRF trouxe a possibilidade de se pleitear, junto ao juízo universal, ainda que na fase de conhecimento, a reserva de crédito. Assim, o juiz do trabalho ou o próprio credor poderá solicitar ao juízo da falência que reserve um montante para satisfação do crédito trabalhista.

O pedido de reserva de crédito garante ao credor trabalhista a prioridade dentro da sua classe. Assim, aquele que requereu fosse separado montante para a satisfação do seu direito terá precedência sobre os outros créditos de mesma classe que o seu.

A teor do disposto no artigo 83 da Lei. 11.101/2005, apesar de ser mantido o privilegio dos créditos trabalhistas, estes foram limitados a 150 salários mínimos por credor. Ou seja, com a LRF, nem todos os créditos trabalhistas gozam do grau máximo de preferência no concurso falimentar. O empregado com crédito igual ou inferior a 150 salários mínimos concorrerá, na classe preferencial, com a integralidade de seus direitos; enquanto o obreiro que possuir crédito superior ao mencionado teto concorrerá na classe preferencial até o limite e entre e na classe dos credores quirografários no valor que exceder os 150 salários mínimos.

De acordo com Fábio Ulhoa Coelho[5], essa limitação visa “impedir que se consumam os recursos da massa com o atendimento a altos salários dos administradores da sociedade falida. A preferência da classe dos empregados e equiparados é estabelecida com vistas a atender os mais necessitados, e os credores por elevados salários não se consideram nesta situação”.

Registra-se que a limitação prevista na LRF está de acordo com a Convenção nº 95 da OIT, que em seu artigo 11, I dispõe que “Em caso de falência ou de liquidação judicial de uma empresa, os trabalhadores nela empregados terão categoria de credores privilegiados, quer para os salários que lhes são devidos a título de serviços fornecidos durante um período anterior à falência ou à liquidação e que será prescrito pela legislação nacional, quer para os salários que não ultrapassem um montante prescrito pela legislação nacional.”

Todavia, a limitação de 150 salários mínimos conflita com o artigo 449, §1º, da CLT, que dispõe que na falência, constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações que tiver direito.

No confronto das duas normas, a regra falimentar, em razão de ser posterior e especial, revoga a regra trazida pela CLT.

A LRF estipula que em conjunto com a decretação de falência pode ocorrer a desconsideração da pessoa jurídica em relação aos sócios, sendo que em relação àqueles com responsabilidade limitada pode ser determinada a indisponibilidade dos seus bens pessoais. Quanto aos ex-sócios, as disposições do Decreto-lei foram mantidas, respondendo eles pelos dois anos anteriores à decretação da falência.

Por fim, outro ponto de destaque da LRF é o estabelecimento de que os créditos trabalhistas cedidos não gozam de privilégios (artigo 83, §4º), sendo considerados quirografários.

Conclusão

A Lei nº. 11.101/05 - Lei de Falências e Recuperação de Empresa, alterou consideravelmente a legislação falimentar brasileira, introduzindo modificações no Direito Empresarial, e conseqüentemente, no Direito do Trabalho. A nova lei beneficia as empresas com melhores oportunidades para prosseguir suas atividades econômicas sem as implicações da falência, na medida em que pode até mesmo continuar o negócio através da aprovação dos credores e do juiz quanto ao plano de recuperação, preservando-se, desse modo, suas atividades

 

[1] OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Comentários à Nova Lei de Falências. São Paulo:Thompson –IOB, 2005, p. 23

[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências. São Paulo:Saraiva, 2005, p. 14

[3] CAMARA, Eduardo. Alterações e reflexos trabalhistas da lei de recuperação e falência. Editora LTr, 2006, p.13.

[4] Ob. Cit, p. 25.

[5] COELHO, op. cit., p. 217.

 

Autor(a)
Priscila Soeiro Moreira
Informações do autor
Priscila Soeiro Moreira é mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo e advogada trabalhista no escritório Abe, Costa, Guimarães e Rocha Neto Advogados.

Newsletter

Tags

# (1)
#CPR (1)
Agro (2)
Case (2)
Coesa (1)
crise (2)
CVC (1)
EUA (1)
Fiagro (1)
Light (7)
MEI (1)
OAS (1)
Outros (27)
Paper (2)
STJ (2)
TJ-SP (1)
TMA (1)
Varejo (2)
Chat on WhatsApp