O cenário da insolvência no Brasil vem em constante modificação, e assim não poderia ser diferente considerando que o direito, no âmbito específico empresarial, roga por uma mudança e adequação constante do judiciário às demandas socioeconômicas.
Deve-se observar, portanto, que a legislação em termos de direito empresarial e, especificamente de insolvência, se amolda, em certa medida, à sociedade, à situação história que contextualiza sua vigência, e ainda ao mercado, de modo que a introdução da Lei 11.101/05 (LRF), em substituição ao Decreto-Lei 7.661/45, representou uma mudança drástica em termos principiológicos, se adequando à contemporaneidade [1].
Inobstante, o legislador observou que as mudanças realizadas com o advento da LRF, nos idos de 2005, não mais se mostravam plenamente eficazes à necessidade da sociedade contemporânea, daí a Lei 14.112/20 fora introduzida em nosso arcabouço jurídico.
Indubitavelmente com o intuito de trazer à seara dos microssistemas instituídos pela LRF, quais sejam, a Recuperação Judicial, a Extrajudicial e a Falência, uma nova roupagem, adequada, eficaz e útil aos interesses da coletividade.
No que tange ao cerne do presente esboço, que são as cautelares e a mediação antecedente aos processos de Recuperação Judicial e Extrajudicial, inegável que são mecanismos criados mediante Lei 14.112/20, posto que inseridos por esta Lei para sanar uma “omissão” da legislação anterior, que jamais tratou especificamente das mediações, inclusive consoante Lei 13.140/15 (Lei de mediação) [2].
Neste sentido, a LRF inseriu uma seção específica para o tema, qual seja a Seção II-A, intitulada “Das Conciliações e das Mediações Antecedentes ou Incidentais aos Processos de Recuperação Judicial” que incluiu os artigos 20-A até o artigo 20-D.
Para além disso, a reforma na legislação também inseriu no art. 6º o parágrafo 12º, que dispõe sobre a possibilidade de que o Magistrado antecipe, total ou parcialmente, os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial.
É dizer que, no cenário do §12 do art. 6º a legislação cuidou de providenciar um modelo de antecipação dos efeitos do stay period, que por exemplo é notadamente oriundo dos processos de Recuperação Judicial.
No cenário atual, portanto, o devedor pode se valer de duas modalidades, por carência de melhor termo para se mencionar, para requerer a antecipação dos efeitos da Recuperação Judicial ou Extrajudicial, analisando o que melhor convém à sua situação de crise econômico financeira concreta.
No caso da cautelar antecedente, o objetivo desta, uma vez concedida é justamente permitir que se negociem créditos em um procedimento desvinculado aos institutos clássicos da LRF, nos termos dos artigos 20-B e seguintes.
O art. 20-B, §1º, da LRF previu a possibilidade de concessão de tutela cautelar: “a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com seus credores, em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc)”, desvinculada de qualquer pedido de Recuperação Judicial [3].
O pedido cautelar nestes termos possui o intuito de que a devedora negocie, mediante sessões de mediação com seus credores, com critério de paridade; este é, afinal, o objetivo da legislação atual e deve ser preservado. Tanto é verdade que novos credores poderiam ingressar em eventual procedimento, posterior, mesmo que não listados num primeiro momento.
O aspecto de ambiente negociável favorável à negociação é de suma importância, haja vista que o devedor, a priori, sempre sentará na mesa de negociação em desvantagem frente ao credor, que possui o título, a força executória deste, e por vezes bens em garantia.
Assim, se observa basilar entender, o que são as tutelas cautelares no âmbito do processo civil e, após, buscar a compreensão de como estas virão a ser realizadas na seara empresarial, especialmente mediante cautelares antecedentes à pedidos de recuperação judicial.
A medida, em sede de Recuperação Judicial ou Extrajudicial nada mais é do que um meio de se antecipar efeitos que, caso contrário, somente se produziriam com a dedução do processo principal, in casu, diante distribuição de Recuperação Judicial ou Extrajudicial.
Processualmente, no caso da cautelar a que se refere o §1º do art. 20-B da Lei 11.101/05, impende entendê-la como medida satisfativa, ou seja, o regime pode em verdade possuir condão autônomo, caso a mediação ocorra de forma a instrumentalizar acordo entre as partes envolvidas, o que, nos termos da Lei, não ensejara pedido de Recuperação Judicial ou Extrajudicial, e à vista disso, não pode ser considerada uma medida conservativa.
Isso porque se atingido o desiderato da mediação, qual seja o acordo entre devedor e credores, não há necessidade de distribuição do pedido principal, neste caso, a Recuperação Judicial ou Extrajudicial, pelo que podemos considerar o instituto como autônomo. A tutela cautelar antecedente à Recuperação Judicial é, portanto, um mecanismo utilizado propriamente como artifício à criação de um ambiente de negociação paritário entre os credores arrolados pelo devedor a participar da mediação.
Vale ressaltar que a mediação quando concedida pelo Juiz nos termos da LRF pode, ainda, e mesmo que não contenha o intuito de dirimir um futuro pedido, tão somente e de fato, mediar com os credores, buscando soluções que satisfaçam ambas as partes.
Esse procedimento, se utilizado na forma da Lei, e corretamente com as devidas mediações e expertise necessárias, pode funcionar como meio de se atingir, por exemplo, o quórum necessário para homologação de um plano de Recuperação Extrajudicial.
Recentemente temos um case de sucesso que envolve uma grande operadora de saúde no Rio de Janeiro, que intentou e teve seu pedido cautelar deferido pelo Juízo competente (processo nº 0825437-65.2024.8.19.0001) [4].
O que proporcionou centenas de horas de mediação, também com considerável sucesso, que por seu turno levaram ao pedido de Recuperação Extrajudicial já com o quórum necessário para homologação do plano de Recuperação Extrajudicial, ou seja, com negociações de sucesso com todos os credores signatários, que mediaram previamente com a devedora.
Dito isso, e, para não adentrar em maiores digressões desnecessárias, chegamos à conclusão do artigo, entendendo que aos procedimentos falimentares e de recuperação judicial estão cada vez mais em voga no âmbito do direito empresarial, bem como frente às mudanças socioeconômicas e mercadológicas que a sociedade contemporânea [5].
Diante do cenário que se descortina, cumpre reconhecer que a tutela cautelar antecedente à recuperação judicial representa verdadeira tentativa do legislador na criação de novos meios de resolução de conflitos, considerando a dicotomia credor – devedor.
Por consectário lógico, a concessão das benesses vinculadas à antecipação da tutela antecedente à recuperação judicial implica ao devedor o enquadramento em situação específica, ao passo que o instituto não pode ser utilizado como mera forma de se estancar as dívidas mediante a suspensão das execuções individuais, devendo este demonstrar ao judiciário fazer jus à medida.
Desta feita, é fácil concluir que medidas que propiciem negociações antecipadas à própria Recuperação Judicial ou Extrajudicial tendem a andar em compasso com os dados que já conhecemos de sucesso dos procedimentos, uma vez, é claro, por meio da boa utilização da norma jurídica e dos mecanismos que esta oferece ao devedor em crise.
1. SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luís Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. História do direito falimentar: da execução pessoal à preservação da empresa. São Paulo: Almedina, 2018.
2. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015/2018/2015/lei/l13140.htm… Acesso em 20/06/2024.
3. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004/2006/2005/lei/l11101.html. Acesso em: 20/06/2024.
4. Tutela Cautelar Antecedente nº 0825437-65.2024.8.19.0001. 1ª Vara Empresarial da Comarca da Capital/RJ, 06/03/2024.
5. BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo. 16 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.