A recuperação extrajudicial está objetivamente disciplinada nos artigos 161 a 167 da LFRE-11.101/05. Enquanto conceito geral, trata-se de negócio jurídico consensual entre devedor e uma ou algumas classes de credores, ou seja, trata-se de negócio de cooperação, de repactuação na divisão de riscos.
Verifica-se que é um instituto mais célere e financeiramente mais eficiente, sob o ponto de vista jurídico e econômico, pois todas as negociações entre devedor e credores ocorrem no âmbito privado. Assim, é possível que um empresário que esteja passando por uma crise pontual ou por uma iliquidez momentânea preserve a sua atividade.
Entre os princípios que norteiam a Lei de Falência e Recuperação Judicial destacam-se: a celeridade, a eficiência processual, a participação ativa dos credores, a segurança jurídica e, claro, a preservação viável da empresa, do ponto de vista social e econômico.
Muitas vezes a complexidade, o tempo e o custo de um processo de recuperação judicial não se mostram adequados à simplicidade da crise enfrentada pelo agente econômico. Se a crise é pontual ou seus credores são de algumas classes ou espécies[1], a recuperação extrajudicial mostrar-se-á mais eficiente.
Na recuperação extrajudicial, o devedor em crise econômico-financeira, reúne-se com alguns ou com todos os seus credores e celebra o acordo, extrajudicialmente, que será posteriormente levado à homologação judicial.
Na prática, o credor, com o seu plano de pagamento e reestruturação, apresenta individualmente a cada credor, efetuando a negociação preventiva, colhendo as respectivas assinaturas nos chamados termos de adesão. Na teoria, essa negociação preventiva poderia ser discutida e aprovada em uma única reunião com todos os credores envolvidos. Logo, uma vez alcançado o número de adesões necessárias para a aprovação, tal termo seria submetido à homologação judicial.
Conforme ensina Sacramone[2], há duas modalidades de recuperação extrajudicial: i) a recuperação extrajudicial meramente homologatória ou facultativa (art. 162) e a ii) recuperação extrajudicial impositiva (art. 163).
Na modalidade meramente homologatória ou facultativa, a recuperação extrajudicial caracteriza-se pela aderência de todos os credores que estejam sujeitos ao plano, conforme art. 162. Assim, os credores voluntariamente concordam com as novas condições ou formas de satisfação de seus respectivos créditos.
Já a modalidade de recuperação extrajudicial impositiva, dispõe que nem todos os credores sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial são signatários ou aderentes. Apenas uma parte dos credores concordou com as alterações das condições ou forma de pagamentos de seu crédito.
Assim sendo, se mais de 50% (cinquenta por cento) de todos os créditos de uma determinada classe ou grupo de credores sujeitos ao plano tiverem concordado com os seus termos, a homologação do plano de recuperação extrajudicial vinculará todos os credores dissidentes da referida classe ou grupo (art. 163), mesmo contra a sua vontade.
Anote-se que, passados mais de quinze anos da promulgação da 11.101/05, há poucos casos de pedido de homologação judicial de recuperação extrajudicial. Isso porque até o advento da Lei 14.112/2020 não havia na Lei de Falência e Recuperação Judicial previsão legal para a suspensão das execuções na recuperação extrajudicial, nos termos do artigo 6º da LFRJ.
O empresário que se encontra em grave situação econômica financeira, alvo de diversas execuções judiciais, em regra, tem como, dentre outros, anseio imediato, a suspensão das execuções e o sobrestamento das expropriações de bens da sua unidade produtiva.
Portanto, a suspensão das execuções que trata o artigo 6º. da LFRJ, revela-se como um dos principais motivos pelo qual o agente econômico opta pela recuperação judicial em detrimento da recuperação extrajudicial.
Todavia, com a inclusão do § 8º. no art. 163, redação dada pela Lei 14.112/2020, houve uma significativa inovação à recuperação extrajudicial, já que desde o respectivo pedido é aplicada a suspensão prevista no artigo 6º. da LFRJ. O § 8º. faz ressalva de que a suspensão se destina exclusivamente às espécies de créditos por ele abrangidos, e somente deverá ser ratificada pelo juiz se comprovado o quórum inicial exigido pelo § 7º. do artigo 163.
Pois bem, dentre outras inovações, a Lei 14.112/2020 trouxe nova seção ao capítulo II da Lei 11.101/2005, denominada Seção II-A, Das Conciliações e das Mediações antecedentes ou Incidentes aos Processos de Recuperação Judicial. Positivada no novo CPC, o instituto da Conciliação e da Mediação ganhou também destaque na LFRJ, entre os artigos 20-A e 20-D.
O artigo em destaque no presente estudo é o artigo 20-B, IV, § 1º da LFRJ[3]. Muito embora o legislador tenha previsto no caput do artigo 20-B, que as conciliações e mediações antecedentes, nas hipóteses de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, serão válidas a partir do ajuizamento de pedido de recuperação judicial, deixando de fora do texto, a recuperação extrajudicial.
Contudo, em atenta análise, não parece ter sido essa a vontade do legislador, pois na redação do § 3º. do artigo 20-B e parágrafo único do art.20-C, há previsões acerca da recuperação extrajudicial. Dessa forma, em leitura integrativa aos citados artigos[4], conclui-se que é possível a conciliação e a mediação, em caráter antecedente, nas recuperações extrajudiciais.
Como mencionado, o acordo na recuperação extrajudicial, é inicialmente extrajudicial. O devedor em situação de crise convoca seus credores para lhes oferecer uma proposta de composição para pagamento dos valores devidos, que será submetida a uma posterior homologação judicial.
O Judiciário, até a homologação do acordo, não tem qualquer participação no trâmite das negociações. Muitos críticos duvidam da viabilidade de tais acordos, dadas as forças do mercado, isso por entenderem que credores com maior poder de influência, ditarão as regras do acordo.
Outro ponto de crítica consiste no fato de que para iniciar ou até mesmo prosseguir com a recuperação extrajudicial, há uma grande dificuldade na realização de reuniões para tratativas da proposta do acordo, em razão da não participação do Judiciário nas tratativas preliminares, somada à imaturidade dos credores e ao desconhecimento do importante papel do processo de soerguimento do agente econômico para a sociedade. Tudo isso faz com que muitos credores sintam-se desobrigados a participar das negociações prévias, o que resulta na propositura do pedido de recuperação judicial do devedor.
A sociedade contemporânea, apega-se, ainda, à imperativa necessidade da atuação do Estado-Juiz, seu implemento da direção do processo e na identidade física do juiz e da concentração dos atos processuais.
Como um substituto ou mesmo como auxiliar ao processo judicial, a mediação surgiu como um instituto definido como forma de resolução de conflitos, de pacificação pessoal e social, cujo objetivo é o diálogo entre as partes envolvidas nas diversas lides existentes.
A importância do Judiciário na mediação para o desfecho da recuperação extrajudicial resultará em um preliminar procedimento colaborativo e integrativo, capaz de propiciar um cenário seguro sob o ponto de vista dos credores, facilitando a comunicação entre as partes para viabilizar um resultado positivo.
Dessa forma, o instituto da mediação, agora positivado na LFRJ, poderá servir de ferramenta eficaz para conduzir ao encorajamento dos credores na participação das tratativas para realização do acordo, criando assim um ambiente mais seguro aos credores, agora com a possibilidade de efetiva participação do Judiciário, conforme prevê o § 1º. do inciso IV do artigo 20-B.
O §1º. do inciso IV do artigo 20-B da LFRJ, determina que o procedimento de mediação ou de conciliação seja instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CJUSC) do tribunal competente ou câmara especializada, observados, no que couber os artigos 16 e 17 da lei de mediação[5].
Assim, as inovações trazidas pela Lei 14.112/2020 possibilitam a mediação em caráter antecedente aos pedidos de recuperação extrajudicial, resultando na efetiva participação do Judiciário no procedimento, e, como consequência, criando um ambiente mais confiável aos olhares dos credores, e com a possibilidade das suspenção das execuções, já em sede de negociação preliminar, através de tutela de urgência, ou mesmo após o pedido da recuperação extrajudicial, (§ 1, IV do artigo 20-B e § 8ª no art. 163), revelam-se medidas eficientes para alcançar um equilibrado plano de pagamento e de restruturação, bem como possibilita a viabilidade da recuperação extrajudicial como ferramenta célere para superar o período de crise imposto ao devedor.
[1] § 1º Estão sujeitos à recuperação extrajudicial todos os créditos existentes na data do pedido, exceto os créditos de natureza tributária e aqueles previstos no § 3º do art. 49 e no inciso II do caput do art. 86 desta Lei, e a sujeição dos créditos de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho exige negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional. (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
[2] SACRAMONE, Marcelo B. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, 2. ed. 2021, São Paulo: Saraiva, p. 606.
[3] Art. 20-B. Serão admitidas conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial, notadamente:
[...]
IV - na hipótese de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, em caráter antecedente ao ajuizamento de pedido de recuperação judicial. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
§ 1º Na hipótese prevista no inciso IV do caput deste artigo, será facultado às empresas em dificuldade que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial obter tutela de urgência cautelar, nos termos do art. 305 e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com seus credores, em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do tribunal competente ou da câmara especializada, observados, no que couber, os arts. 16 e 17 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020).
[4] Art. 20-B, IV, § 1º, § 3º do artigo 20-B e parágrafo único do art.20-C, todos da LFRJ.
[5] Lei 13.140/2015