Moderador: Domingos Refinetti, Sócio Stocche Forbes Advogados
Debatedor: Gabriel Buschinelli, Doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo
Debatedor: Marcelo Sacramone, Juiz 2ª Vara de Recuperação Judicial e Falência de SP
Debatedor: Thomas Felsberg, Sócio Felsberg Advogados
Coordenação: Luiz Gustavo Bacelar, Sócio Bacelar Advogados
Primeiro tópico: Direito de Voto e Impedimentos Legais.
O Dr. Gabriel Buschinelli iniciou sua explanação tratando sobre o direito de voto do cessionário, que adquiri crédito sujeito à Recuperação Judicial de alguém impedido de votar, nos termos do artigo 43 da Lei. Observou que a posição jurisprudencial consolidada é de que o direito de voto é acessório ao direito sobre o crédito, sendo assim aquele não poderia ser exercido se o credor original está impedido de votar. Entretanto, seu posicionamento é contrário à jurisprudência por entender que o direito ao voto não é acessório ao direito de crédito, mas sim um direito processual adquirido no momento em que o cessionário substitui o cedente na posição de credor. A cessão do crédito deveria possibilitar o voto do cessionário, que pessoalmente não está impedido para garantir a maior participação possível de credores na Assembleia Geral de Credores, em outras palavras, promover a democracia assemblear. Sustenta que não se pode presumir que toda cessão de crédito visa fraudar a votação do plano de recuperação judicial.
O Dr. Marcelo Sacramone entende que o direito de voto não é meramente processual, trata-se de direito misto, pois o caráter da Recuperação Judicial é contratual. Porém concorda que a cessão de crédito deve ser preservada com o fim de propiciar a democracia assemblear, embora entenda que tal princípio também possa ser prejudicado a partir do momento em que a cessão possa ser realizada apenas para aquele que votaria no mesmo sentido que o credor original, o que manteria o conflito formal que a Lei tentou afastar. Nesta situação a democracia assemblear poderá estar prejudicada.
O Dr. Domingos Refinetti observou que o artigo 43 da Lei regula o direito de voto daqueles que de alguma forma estão relacionados com o devedor, o que ensejaria a cessão do crédito apenas para aqueles que votariam a favor do plano. Também suscitou a questão de compra de crédito trabalhista. Seria a mantida a natureza do crédito? A mudança de classe poderia influenciar consideravelmente o voto?
O Dr. Thomas Felsberg abordou a Recuperação Judicial da Rede Energia, na qual o INSS como acionista, exerceu a PUT e se tornou um credor essencial para a aprovação do Plano de Recuperação Judicial. Entende que o exercício de direito ao voto deve ser avaliado no momento da votação e que não se deveria considerar como abuso do direito ao voto aquele cujo exercício simplesmente se dá em razão da cessão de crédito. Complementou que se não configurado o abuso, o voto deve ser permitido visando possibilitar a reorganização da empresa, independentemente de ser um poder processual ou oriundo do crédito, com base no quadro acionário e creditício do momento do voto.
O Dr. Domingos Refinetti suscitou a situação de um exercício da PUT por acionista, que se torna credor pelo valor das ações que ele cedeu. Qual seria a intenção dele ao exercer esse direito na Recuperação Judicial do devedor a partir do momento que deixa de ser acionista para se tornar credor.
O Dr. Gabriel Buschinelli ponderou que tanto na PUT como na cessão de crédito poderá haver um direcionamento do voto a ser caracterizado como abuso, mas isso não pode significar que toda PUT ou cessão de crédito deverá ser considera com abusiva ou simplesmente ser considerada como situação de impedimento em razão da relação anterior.
Na sequência, o Dr. Domingos Refinetti questionou o Dr. Marcelo Sacramone se seria possível exigir que se apresentasse em juízo o instrumento de cessão.
O Dr. Marcelo Sacramone respondeu que costuma exigir o instrumento de cessão, mas coloca como questão se o cedente/cessionário poderia se recusar a apresentar o contrato. Na prática, segundo ele, isso nunca ocorreu. Salientou que quem propõe o plano não pode votar. Na situação do acionista que participa da proposição, com maior acionista, por exemplo, do plano e posteriormente exerce a PUT para se tornar credor, aquele estaria impedido de votar por haver um conflito formal. No caso da TPI, o BNDS buscou manter o controle interno e externo da Recuperação Extrajudicial. Não concordou com o Plano e vendeu sua participação para votar, achando que sairia da situação de impedimento para exercer o voto. Questionou se, mesmo se livrando das situações de impedimento, ele poderia votar. Em sua opinião não, pois o conflito formal permanece. Observou também que no caso OI, o entendimento foi de que o sócio precisava ter participação expressiva para ser declarado impedido.
O Dr. Thomas Felsberg ainda sobre o caso da OI, relatou que os acionistas minoritários queriam oferecer para os credores 30% da companhia por meio da conversão de bonds e os credores com bonds queriam 95%. No final, os credores ficaram com 76%. Vários Hedge Funds americanos, no caso, decidiram por comprar ações e manter os bonds. O TJ/RJ entendeu que não havia conflito, pois não havia participação relevante deles no capital social da OI. Segundo o Dr. Tomas Felsberg essa situação também não configuraria um conflito material.
Na sequência o Dr. Marcelo Sacramone manifestou sua concordância com argumento de que o conflito só de configuraria se o sócio tivesse participação significativa. No caso da TPI, entretanto, o BNDS possuía 5%, porém esse percentual garantia a ele o direito de ter uma cadeira no conselho de administração e, consequentemente, influenciar nas decisões a serem tomadas pela Recuperanda. Neste casso, segundo ele, haveria conflito formal. Ainda no mesmo caso, o BNDS tinha 10% de um Fundo, que tinha participação na TPI. Questionou se em razão dessa participação no Fundo, ficaria o BNDS impedido. Ato contínuo, ressaltou que o artigo 43 trata somente de sociedade e fundo não é sociedade. Sua natureza, segundo ele, é de condomínio. Questionou também qual seria o momento da aferição do impedimento. Seria o momento da AGC, da votação ou formação do crédito? Complementou que atualmente o posicionamento jurisprudencial que predomina é de que o momento de aferição seria o do pedido da Recuperação Judicial, isto é, se a cessão do crédito ocorreu um dia antes do pedido, o cessionário estaria apto a votar, o que para o expositor seria um contrassenso, pois por um lado não se considera o voto um direito processual, mas por outro lado só se consideraria o impedimento em razão da Recuperação Judicial.
O Dr. Domingos Refinetti levantou a questão da influência que um credor, enquanto acionista da sociedade devedora ou sócio de outra sociedade que possui participação na sociedade devedora, no exercício de seus direitos políticos, pode ser determinante na tomada das decisões pertinentes à Recuperação Judicial. Para ele é importante saber como ele se comportou principalmente nos assuntos relacionados à Recuperação Judicial e a influência desse comportamento, agora, na sua posição de credor.
O Dr. Gabriel Buschinelli ressaltou a situação de alguém estar concomitantemente na posição de acionista e na posição de credor ou em qualquer outra situação de impedimento em razão da amplitude da Lei, o que não ocorre, por exemplo, em outras legislações, nas quais as situações de impedimento são tratadas como exceções. Observou que a Lei não possibilita alternativa para o acionista que quer exercer a PUT e ser somente credor ou para aquele que quer apenas permanecer acionista ao ceder seu crédito, pois em ambas as situações o entendimento que tem prevalecido é que se mantém o impedimento. Para o Dr. Gabriel Buschinelli essa situação deve estar alinhada com o momento da aferição do impedimento. Na Recuperação Extrajudicial, por exemplo, no protocolo do pedido de homologação do plano ou na assinatura do Plano. Na recuperação judicial no momento da AGC. Em outras palavras, a interpretação do artigo 43 precisa ser restritiva para não comprometer a democracia asssemblear. Observou, ainda, que há uma série de dúvidas sobre a interpretação mais correta em outras situações previstas por ele e que na visão do expositor não possuem resposta. Na sequência posicionou-se contra a necessidade de se verificar se houve influencia significativa, pois seu entendimento é que a análise do impedimento, embora o artigo 43 seja bastante amplo, deve ser formal e no momento oportuno.
Na sequência o Dr. Domingos Refinetti perguntou ao Dr. Marcelo Sacramone qual o limite de interferência do Juiz na definição de quem pode votar ou não.
O Dr. Marcelo Sacramone respondeu que o juiz deveria se abster desses conflitos, mas como a lei é lacunosa no artigo 43, o juiz terá que tomar decisões, pois é ele que vai pautar o quórum de votação. Entende que considerar apenas a situação de sócio para configurar o conflito é exagerado. Deu como exemplo a situação do sócio, com mais de 10% de participação na Recuperanda, que compra ações na bolsa de um credor notoriamente contra o Plano de Recuperação Judicial, para impedi-lo de votar. Tal situação gera oportunismo, segundo ele. Por isso o juiz terá que intervir na formatação do quórum. Citou o caso da TPI. Esclareceu que o Fundo não tem natureza de sociedade e sim de condomínio, sendo assim não se enquadraria no impedimento no artigo 43. No caso em comento o administrador do fundo não era independente por esse motivo haveria conflito.
O Dr. Thomas Felsberg, ainda sobre o caso da TPI, observou que em sua opinião o BNDS estava realmente impedido e por esse motivo o respectivo crédito não entrou no cálculo dos 60%. Afirmou que nessa situação, há um grupo não expressivo definindo um crédito expressivo.
Sobre esse ponto, o Dr. Marcelo Sacramone citou o artigo 163 da Lei que trata sobre o quórum de aprovação na Recuperação Extrajudicial. Na situação de impedimento, seu entendimento é de que esse credor não é computado no quórum de aprovação de forma análoga à situação da Recuperação Judicial, quando do estabelecimento do quórum de instalação.
2º tópico: Abuso de poder de voto
Para o Dr. Gabriel Buschinelli o abuso de poder de voto poder ser visto sob duas perspectivas: O abuso positivo, quando o credor vota, por exemplo, com o intuito de prejudicar o devedor para tirá-lo da concorrência ou porque tem uma garantia prestada pelo acionista. Já o abuso negativo, por outro lado, ocorre quando se adota uma postura irracional, por exemplo, na situação de um único credor com garantia real que vota contra o plano. Comentou que há uma linha de decisões no sentido de que o direito de voto não pode se contrapor à função social e à preservação da empresa. Essa posição segundo o Dr. Bruno se mostra equivocada. Seria plausível considerar como abusivo, de uma forma bastante excepcional, aquele voto irracional, em termos econômicos, que resultará em uma situação pior para os credores do que se tivesse votado favoravelmente ao plano. Mencionou o caso Schahin, no qual o voto do Sindicato dos Bancos foi considerado irracional, porque permitia a rescisão do único contrato em vigência e por consequência a falência, colocando todos em uma situação pior, inclusive o próprio votante, do que se tivesse votado favoravelmente à Recuperação Judicial. Levantou uma terceira posição, relacionada ao voto do Desembargador Caio Mendes de Oliveira, que versa sobre uma análise mais segmentada no que diz respeito à alegação de irracionalidade. Ainda sobre o caso Schahin, colocou uma segunda questão: se o credor teria a obrigação de negociar ou justificar o voto contrário. O entendimento no caso foi a configuração do abuso. O expositor discorda sobre esse posicionamento, reiterando que o credor tem o direito de votar, enquanto credor na Recuperação Judicial, da forma que entender melhor e o ônus da prova de um eventual abuso seria do devedor.
Na opinião do Dr. Domingos Refinetti ao se considerar os critérios de racionalidade e de irracionalidade o credor automaticamente é obrigado a justificar o seu voto, caso esse voto seja contrário ao Plano de Recuperação Judicial simplesmente por não querer salvar a empresa, deixando de votar enquanto credor. Ademais, com se sabe, há classes de credores ou credores mais qualificados que conhecem melhor a situação da empresa devedora e se o plano é exequível ou não e, por consequência disso se posicionam em um grau de superioridade em relação aos demais credores e por tais motivos são colocados em uma situação bastante difícil ao se verem obrigados a justificar o seu voto ou a negociarem em situações em que não se vislumbra recuperação, o que gera constrangimento ou até mesmo censura do voto contrário, seja na própria AGC ou pelo Juízo. No caso Schahin já se sabia que o contrato da Petrobrás não seria renovado, entretanto se decidiu dar uma chance a empresa.
O Dr. Marcelo Sacramone retomou a palavra afirmando que nunca mais ocorrerá um caso como o da Schahin, pois este caso foi extremamente peculiar em vários sentidos. Relembrou que a fundamentação de sua decisão que considerou o voto do Sindicato dos Bancos abusivo foi sua irracionalidade e a ausência de negociação, embora entenda que tenha havido negociação e racionalidade do voto, porém não foram demonstrados no processo. Relatou que constou na Ata que o Sindicato dos Bancos votou contra porque não concordou com a proposta e porque a Schahin estava envolvida em casos de corrupção. Não constou nenhuma negociação. Além disso, o voto contrário era irracional, pois a manutenção da RJ seria mais favorável ao Sindicato dos Bancos, o que não significa que o voto contrário tenha sido economicamente equivocado. A questão foi que o voto não foi justificado corretamente. Observou ainda que o caso Schahin começou a ser usado para desconsiderar qualquer voto contrario, criando um custo adicional de transação e insegurança jurídica. Mencionou o posicionamento do professor Satiro, que sustenta que há abuso quando o credor não está de boa-fé, exatamente a situação que o direito americano prevê, possibilitando que o tribunal pode desconsiderar o voto se aquele que o tenha proferido, não o fez enquanto credor. Em um primeiro momento se exigia uma posição de credor enquanto credor de uma classe. Em um segundo momento apenas a posição de credor enquanto credor. O expositor também citou precedente do TJ/SP de relatoria do Des. Ricardo Negrão, no qual foi considerado o abuso de poder de voto por que o credor não votou como credor de uma determinada classe, mas sim em razão de um interesse maior relacionado a um crédito extraconcursal. No entendimento do Dr. Marcelo Sacramone o credor deve tutelar seus próprios interesses e a interferência do judiciário deve ser excepcional na avaliação da existência de abuso ou não.
O Dr. Thomas Felsberg. apontou as situações previstas no livro do Dr. Gabriel que poderiam resultar em abuso de direto ao voto, observando que a maioria delas poderia ser enquadrada como trativas normais no âmbito da Recuperação Judicial.
O Dr. Gabriel Buschinelli concordou com a observação do Dr. Thomas Felsberg e ressaltou que a mera ocorrência de algumas das situações mencionadas não configuraria automaticamente o abuso. Para isso, far-se-ia necessário o estabelecimento de parâmetros, que na opinião dele está relacionado com a previsão do artigo 187 do Código Civil, que prevê que também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Sendo assim, se não verificado um excesso por parte do credor que comprometa um interesse maior não se deve considerar a existência de abuso. Sobre os contratos preliminares realizados entre devedor e alguns credores, também não vê qualquer problema, desde que aqueles não resultem em vantagens indevidas a esses credores.
O Dr. Marcelo Sacramone ilustrou a discussão trazendo uma situação em que o devedor capta procurações de credores, aceitando as condições exigidas por este ultimo. Neste caso, poderia o credor passar procuração para o devedor votar em seu nome? Haveria abuso ou conflito?
Segundo o Dr. Domingos Refinetti qualquer plano estruturado com contribuição dos credores só é possível por meio de um contrato preliminar. Disse que se houvesse mais lealdade entre os envolvidos, a negociação poderia ser feita no âmbito da Recuperação Judicial. Observou também que o voto do credor enquanto credor deve ser considerado um voto egoísta em seu próprio interesse. Ressaltou que se houvesse uma cooperação maior dos devedores e de seus assessores o ambiente poderia ser menos egoísta e mais colaborativo. Complementou dizendo que na maioria dos casos o nível de conhecimento de credores sobre a possibilidade de recuperação é maior do que dos próprios assessores da Recuperanda e que as recuperações, em sua maioria, iniciam-se de forma desnivelada.
O Dr. Gabriel Buschinelli concordou com a manifestação do Dr. Domingos Refinetti ao afirmar que não faz sentido censurar um voto em razão de uma postura egoísta. Ademais, entende que o voto, em seu caráter processual, poderia ser exercido antes da AGC, não obstante um possível impedimento formal.
O Dr. Marcelo Sacramone entende que, embora o código civil impeça a constituição de mandado em causa própria, o credor poderia outorgar uma procuração ao devedor desde que no referido instrumento esteja expresso os poderes específicos para votar em determinado sentido e desde que seja formalizada por instrumento público. Complementou que se não houver compra de voto, não haveria óbice e nem abuso.
Finda a exposição foi dada a palavras aos presentes para expores suas eventuais dívidas, entretanto não foram realizadas perguntas, encerrando-se desta forma o debate.
Relatoria: Guilherme Roberto Cortez Lopes, advogado especialista em direito empresarial, com atuação de mais de nove anos em recuperações Judiciais e falências nas posições de administrador judicial e advogado. Na função de administrador judicial, coordenou mais de 40 processos de diferentes graus de complexidade, envolvendo empresas de diferentes portes e setores da economia, entre os quais, indústria de metalurgia e siderurgia, química, automobilística, alimentícia, têxtil, além de construção civil, infraestrutura, transporte, logística, distribuição e comércio atacadista e varejista de diversos segmentos.
Advogada de contencioso e consultivo cível e comercial, com experiência em em litígios de alta complexidade, envolvendo direito contratual, direito do consumidor, comercial e recuperação judicial, falência e insolvência. Também desenvolve em sua prática consultoria em pré-contencioso de modo a prevenir e evitar litígios, auxilia na análise e aquisitição de ativos em processos de insolvência, incluindo questões relacionadas à ativos depreciados ("distressed assets"), e em consultas relacionadas à medidas a serem adotadas em processos de insolvência