Num cenário de incertezas quanto à sorte da economia de muitos países da Europa, da situação no Japão e da ainda lenta recuperação nos EUA, fundos especializados em investimentos em distressed assets, começam a preparar suas artilharias de olho em ativos depreciados em razão de situações de crises contingentes ou definitivas. Trata-se de fundos às vezes grandes, administrando algo na ordem de bilhões de dólares, dedicados à garimpagem de situações de empresas que entram em crise por má gestão financeira, mas com um bom negócio para ser reestruturado e depois vendido. Esses tipos de investidores não são novidade no mercado.
Sempre, os grandes bancos de investimentos destinaram parte dos recursos proprietários para “distressed investing”. Normalmente, investindo em valores mobiliários (debêntures ou ações) de empresas em crise, no momento de baixa para tentar lucrar retornos relevantes em eventos como fusões e aquisições, reestruturações bem-sucedidas ou revenda desses títulos no curto prazo a outros investidores na onda de altas temporárias determinadas por eventos passageiros de curtíssimo prazo.
Ao longo dos anos, os investidores especializaram-se, viraram investidores que compram títulos ou créditos de bancos, relacionados a empresas em crise com o objetivo de influenciar a reestruturação a favor deles ou converter os títulos/créditos em equity (ações), controlar a empresa e entrar com equipes grandes para conduzir a reestruturação diretamente e depois tentar vender o todo a investidores estratégicos. Os lucros esperados nessa atividade especulativa são enormes. Fundos americanos especializados chegaram a lucrar retornos superiores a 50% em dólares, que é muito, comparados aos investimentos alternativos disponíveis no mercado. O risco é grande também, ao pensar que esses investidores investem em empresas em crise, a maioria das vezes dentro de procedimentos de concursos, por exemplo o Chapter 11 nos EUA (recuperação judicial no Brasil), submetendo-se ao tiroteio de demais credores, do mesmo devedor e do mercado em geral.
O mercado dos EUA e da Europa, proporcionam enormes oportunidades para esses fundos. Especialmente depois da crise de 2008, dados da Debtwire (vide grafico1) mostram que em 2010 quase US$ 2 trilhões de títulos de empresas de alto risco (high yield), em stress ou distress, em Chapter 11 e/ou post restructuring, estavam disponíveis para serem negociados. Na Europa, no mesmo período o valor era de Euro150 bilhões. Tudo isso sem contar os US$ 600 bilhões de ativos da Lehman Brothers, que quebrou em 2008 e que deverão ser negociados/vendidos no mercado, e os trilhões de dólares de ativos podres que bancos americanos e europeus ainda não baixaram dos livros deles e que serão também objeto de cobiça desses fundos especializados. Um verdadeiro maná para os especialistas em “distressed investing”.
Especialistas mostram-nos que o cenário que está por vir, nada confortante, constitui uma outra gulosa oportunidade para esses investidores. Há vários meses fala-se do “wall of debt” (vide gráfico 2), isto é, de vários trilhões de dólares de dívida bancária ou representada por títulos negociados no mercado, que estão para vencer em 2011, 2012 e 2013. O problema, segundo os especialistas, é que os bancos ou financiadores não terão como “rolar” essas dívidas tão facilmente, pois eles mesmos precisam de liquidez, isto é, precisam aliviar os balanços deles e não terão como fazer uma rolagem sem receber mais garantias. Há uma nova onda de defaults aproximando-se? Tudo deixa prever que teremos uma série de problemas corporativos pela frente alimentando os negócios dos investidores em distressed assets.
E no Brasil existem esses fundos? Quem são? Como operam?
Há vários anos existem investidores investindo em carteiras de créditos inadimplidos no Brasil, que é um dos tipos de ativos em que um investidor em distressed assets pode se especializar. Há investidores que investiram volumes de recursos importantes, constituindo estruturas de cobranças próprias para essas carteiras ou investiram em joint ventures com empresas de cobranças locais para o servicing das carteiras. Os negócios têm adquirido corpo ao longo dos anos, passando de “poucos” bilhões de carteiras compradas (em valor de face) em 2005 e 2006, a uma dezena de bilhões negociados por ano entre 2007 e 2010. Isso atraiu plataformas (investidores) nacionais e internacionais que se firmaram e que hoje compram periodicamente carteiras acessando bancos, varejistas e empresas de telefonia para adquirir recebíveis (créditos) vencidos acima de 180 dias ou mais.
Com a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresa (NLFR), que entrou em vigor em meados de 2005, mais oportunidades foram geradas no Brasil para distressed investors.
A NLFR tem como propósito principal preservar o negócio em funcionamento, protegendo assim os postos de trabalho em detrimento dos interesses dos acionistas da empresa em crise, que se subordinam ao objetivo social da Lei. Por esta razão, a NLFR introduziu um dispositivo antes não previsto nos procedimentos concursais no Brasil: a possibilidade de vender ativos ou unidades de negócios independentes sem que o comprador seja responsabilizado pelos passivos fiscais e trabalhistas pregressos.
Conforme Lei anterior, exceto para a venda de ativos efetuada dentro do contexto da falência, o comprador desses ativos estava sujeito à responsabilidade sucessória de todos os passivos tributários e trabalhistas, tanto conhecidos como ocultos no momento da compra ocorrer. Considerando que normalmente uma empresa em crise atrasa impostos e acumula dívida trabalhista como forma de “gestão” do status de iliquidez, era impensável obter uma avaliação atrativa ou até manifestação de interesse por parte de investidores, especialmente quando este montante de tributos e obrigações trabalhistas devidos e atrasados excedessem o valor intrínseco dos negócios/ativos, inviabilizando, assim, suas transferência.
Permitindo que a venda possa envolver ativos ou unidades isoladas sem riscos de sucessão tributária e trabalhista, a NLFR, praticamente elimina a necessidade de prolongados processos de due diligence para a estimativa de passivos, criando oportunidades de geração de valor quando as empresas em crises, com passivos fiscais e trabalhistas, necessitam trilhar uma solução de reestruturação através da venda rápida de ativos ou unidades isoladas, que só pode ser viabilizada utilizando-se desse novo dispositivo da NLFR.
A venda de ativos ou unidades isoladas pode ser previsto dentro dos planos de recuperação apresentados no contexto da recuperação judicial e deve ser aprovada pelos credores. Quando essa venda envolver ativos ou unidades dadas em garantia a específicos credores, estes últimos deverão expressamente manifestar-se favoravelmente permitindo que a operação possa ser realizada, liberando as garantias. A venda de filiais, ativos ou unidades produtivas isoladas está prevista no artigo 60 da NLFR, que assim reza:
“Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.
Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141 desta Lei”.
O artigo 141 reafirma o conceito de não sucessão:
“Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo.
“II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho”
A venda deverá ocorrer quando possível ao disposto do artigo 142, o qual define as três modalidades, incluindo leilão por lances orais, propostas fechadas e pregão. A Lei também é flexível, pois o artigo 144 prevê que “Havendo motivos justificados, o juiz poderá autorizar, mediante requerimento fundamentado do administrador judicial ou do Comitê, modalidades de alienação judicial diversas das previstas” e mencionadas anteriormente.
De fato, a NLFR gerou um escudo contra possíveis passivos trabalhistas e/ou fiscais, criando incentivos tanto para empresas em recuperação judicial venderem seus ativos para implementar seus planos de reestruturação quanto para potenciais investidores.
É importante notar que esse “escudo” não existe quando o comprador é um indivíduo (ou indivíduos) próximo ao devedor, de acordo com os três itens do parágrafo 1 do artigo 141:
“I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; II – parente, em linha reta ou colateral até o 4º (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão.
Em relação aos funcionários, a NLFR deixa claro que eles devem ser admitidos pelo novo proprietário da parte eliminada com novos contratos de trabalho, e o comprador não deve ser responsável pelo passivo vinculado aos antigos contratos.
A jurisprudência tem se mantido favorável a não sucessão de passivos trabalhistas, firmando o espírito da NLFR de manter os investidores em um processo de recuperação judicial livres de qualquer passivo.
Em resumo, a NLFR introduz um instrumento valioso para investidores dispostos a fazer sua lição de casa e a explorar as possibilidades oferecidas pela NLFR, sendo por meio de participação ativa em processos de recuperação judicial já em curso, ou através de um pacote predefinido de recuperação, no qual os termos são negociados entre o devedor, o investidor e os principais credores, mesmo antes que a empresa faça o requerimento por uma recuperação judicial.
Outra importante inovação para investidores em ativos em distress, introduzida pela NLFR, é o conceito de DIP, ou Debtor-In-Possession, Financing.
Empresas que fazem o requerimento por uma recuperação judicial frequentemente estão atravessando uma severa crise de liquidez. A atenção pública resultante desse processo geralmente cria uma resistência adicional por parte dos credores e fornecedores, agravando essa crise ainda mais.
Nesse tipo de cenário, a NLFR reconhece que é crucial que a empresa tenha acesso a capital e insumos, garantindo que ela possa implementar seu plano de recuperação e pagar suas dívidas.
A NLFR inclui, essencialmente, dois novos dispositivos para a proteção de credores e fornecedores que oferecem financiamento após a petição:
- Créditos pós-petição são considerados direitos super prioritários caso a recuperação judicial seja convertida em uma liquidação.
- Créditos pré-petição e quirografários passam a ser prioritários quando o credor continua a fornecer bens e serviços ou a financiar a empresa, mas somente se a recuperação for convertida em liquidação.
Dados esse dois dispositivos introduzidos pela NLFR, muitos planos de recuperações judiciais incluem explicações detalhadas sobre como cada categoria de crédito está sujeita a aprimoramentos caso o credor continue a fornecer bens, serviços ou financiamento à empresa. Esses dispositivos se aplicam tanto a novos quanto a antigos credores.
Investidores interessados em utilizar instrumentos de dívida utilizam o fato de que o plano de recuperação judicial está abertamente discutido e aprovado pelos credores, bem como sancionado pelo juiz, criando uma rede de segurança adicional para o DIP investor.
Infelizmente, não há jurisprudência em casos envolvendo a discussão sobre a prioridade de recebimento de credores que financiaram a empresa durante uma recuperação judicial. Portanto, apesar da Lei proporcionar este dispositivo a incerteza existente tem afastado investidores.
A Lei introduziu dois conceitos interessantes, sendo o primeiro conceito similar ao do DIP Finance, tal como existe no procedimento de Chapter 11 nos EUA. Trata-se de financiamento disponibilizado a empresas em Recuperação Judicial, garantindo, no caso de falência e liquidação da empresa uma prioridade no recebimento a tal financiador. Em outras palavras, o legislador quis dar um incentivo aos financiadores (fundos ou bancos) para financiar empresas em recuperação judicial, para que o dinheiro emprestado às recuperandas, fundamental matéria-prima para o sucesso de uma reestruturação, pudesse ser garantido com prioridade no caso de cenário adverso, como uma liquidação. O segundo conceito diz respeito à possibilidade, introduzida pela Lei, de vender parte do negócio em crise e em recuperação judicial, sem que o comprador seja responsabilizado pelos passivos trabalhistas e fiscais pregressos. Inclusive na falência, diferente do que estabelecia a Lei no passado, os ativos da massa poderão ser adquiridos sem ônus algum pelo investidor. Esta representa uma grande inovação, que proporciona relevantes oportunidades de negócio para investidores em distressed assets no contexto dos procedimentos concursais aplicáveis no Brasil.
Portanto, entre negócios estabelecidos e progredindo, como os investimentos em carteiras de créditos inadimplidos, e novos negócios (DIP Finance) e compra de ativos/empresas em crise, no Brasil está surgindo um mercado para investidores especializados, que prevemos possa crescer nos próximos anos.