Em um cenário onde diariamente aumenta o número de grandes empresas pedindo recuperação judicial ou tendo seus ratings reduzidos pelas agências de rating internacionais assume uma maior relevância no Brasil abordar a crise das empresas de forma organizada, com extremo profissionalismo e seriedade.
Elemento chave num contexto de crise é o aporte de credibilidade, eventualmente erodida nos processos de deterioração da performance ou da imagem da empresa e/ou de uma indústria (vide o escândalo da Lava Jato). Além da credibilidade, a condução do processo de crise é sempre complexa e multidisciplinar, necessitando de competências técnicas no âmbito estratégico, financeiro e operacional, que são muito específicas. Estas competências só se consolidam com grande experiência neste tipo de situação e envolvimento em casos de crises complexos, que criam capacidade de análise rápida e desenvolvimento de planos de estabilização e reversão, bem como a capacidade de interlocução com os stakeholders, incluindo bancos, investidores internacionais, sindicatos de trabalhadores, acionistas, parceiros e fornecedores.
No marasmo que pode caracterizar o ambiente de uma crise financeira, emerge a importância da figura do CRO (Chief Restructuring Officer), o qual é um experiente conhecedor das dinâmicas de recuperação de empresas e das medidas a serem adotadas para enfrentar a crise. O perfil desse tipo de profissional se desenvolveu nos Estados Unidos, onde o processo falimentar ou a crise de empresa é enfrentada de forma mais profissional e organizada. No Brasil, começa a se difundir o profissional com tais características e com este tipo de experiência. A atuação de CROs experientes e competentes assume, assim, uma importância vital no atual momento econômico, onde empresas de grande porte estão vivenciando situações de crise profunda, com negócios complexos muitas vezes envolvidos em casos de corrupção. Outro aspecto negativo de muitas empresas brasileiras é a falta de estrutura de governança (em contexto familiar e não profissionalizado), mas com posições de dívidas elevadas, envolvendo centenas de credores nacionais e internacionais.
Quanto mais complexa é a recuperação ou a crise da empresa, mais necessária se faz a presença de um CRO experiente e competente. Todos os envolvidos no processo de recuperação deveriam estar interessados na identificação e na nomeação do CRO, definindo o seu perímetro e poderes de atuação, objetivos e critérios de reporting. Aliás, a nomeação de um CRO deveria ser de praxe, o pressuposto a partir do qual as instituições financeiras e os outros credores aceitariam se submeter a um processo de reestruturação organizada ou assinar um standstill (em síntese, um pacto de não beligerância, enquanto a empresa tenta se reorganizar).
Uma outra forma de se acompanhar melhor o processo de reestruturação da empresa é a nomeação por parte dos credores de uma versão mais light de um interventor, chamada de watch dog. O objetivo deste executivo ou da empresa especializada neste tipo de serviço é monitorar o andamento do processo de recuperação implementado pela administração da empresa em crise. Este modelo de atuação é paliativo, pois owatch dog não influencia diretamente as alavancas de preservação de valor da empresa em crise. Ao contrário, o modelo de atuação preferível é quando o CRO pode intervir diretamente na definição do plano de recuperação da empresa, ao identificar e implementar medidas para estabilização da crise, elaborando um plano estratégico e operacional de reequilíbrio do negócio, além de atuar diretamente no processo de readequação da estrutura de capital da empresa. Neste último caso, a responsabilidade do CRO abrange a crise como um todo, mas isso não significa que a antiga administração tem que ser afastada. Ao contrário, a antiga administração deve ser mantida, sempre que agregue valor na implementação das soluções de reestruturação da empresa.
A capacidade de comunicação e diálogo do CRO é uma das qualidades mais importante desta profissão. Este executivo deve ser uma figura conhecida no mercado, que entenda a forma de pensar dos diferentes stakeholders e principalmente que atue com a máxima transparência e independência, mantendo a credibilidade, estabilidade e coerência do processo de reestruturação. O diálogo com credores é de fundamental importância para que se consiga o apoio de todos os stakeholders envolvidos durante o período de renegociação, sejam bancos nacionais e internacionais, fornecedores e investidores internacionais. Essa capacidade de comunicação é mais importante ainda no âmbito de crise de empresas familiares, onde muitas vezes afloram as emoções dos fundadores, interesses divergentes de acionistas e membros da família, além de conflitos de objetivos entre credores e acionistas.
O CRO, no seu papel pleno, assume não só a responsabilidade de um assessor estratégico e financeiro, mas também se integra ao processo de governança da empresa, tendo lugar no Conselho de Administração (se existir) ou atuando muitas vezes como CEO (Chief Executive Officer) interino, com um papel fundamental no processo decisório e atuação independe na condução do processo de reestruturação.
No Brasil, uma das razões que contribui para que a figura de CRO não esteja consolidada é a questão da sua regulamentação, bem como o enquadramento da sua responsabilidade. Não tendo o papel consolidado dentro da recuperação judicial, a sua atuação pode ficar prejudicada, uma vez que o acionista ainda tem o poder de substituir o CRO sem a anuência dos credores, criando um possível cenário de menor independência. Ao mesmo tempo, considerando que não existe uma regulamentação sobre o perímetro de responsabilidade desta figura profissional, isso constitui um sério problema para que profissionais ou empresas sérias venham a assumir com tranquilidade este papel.
Para ter autonomia e poder na execução das suas atividades, as responsabilidades da atuação desse executivo precisam ser regulamentadas, dando ao mesmo plenos poderes para a condução do processo de reestruturação sem que haja interferência dos antigos acionistas.