Há cerca de um ano e meio a GM, um dos ícones americanos, estava à beira da bancarrota, decorrente de sucessivos prejuízos e com dívidas consideradas impagáveis atingindo US$ 88 bilhões. Uma situação classicamente ruim para acionistas, credores, clientes, governo e funcionários, a qual, se não revertida, significaria óbvias e enormes perdas para todas as partes.
Diante do cenário, qual foi a solução? O governo americano injetou US$ 50 bilhões na empresa, através de aumento de capital, tornando-se proprietário de 61% da sociedade, ou seja, acionista controlador. Os céticos criticaram a operação, inclusive ironicamente, apelidando a GM de “Government Motors”. Mas esta capitalização foi mola mestra para viabilizar o também normal, imprescindível e substancial aporte de recursos por parte dos bancos credores.
O que não tem sido devidamente enaltecido, entretanto, é que, tão importante quanto esta capitalização, foi o fato de ter sido substituída a diretoria executiva para implantar um arrojado e radical plano de reestruturação que fechou fábricas, racionalizou operações e cortou mão-de-obra, vendeu 8 de suas marcas, lançou novos produtos, fez acordos com trabalhadores para diminuir benefícios e planos de aposentadoria, etc.
O sucesso da empreitada é indiscutível diante do inimaginável lucro de US$ 4.1 bilhões no atual ano fiscal e da bem sucedida operação de abertura de capital, quando mais de US$ 20 bilhões foram captados através de compra de ações pelo público, fundos de pensão, fundos de hedge, sindicatos, além de funcionários ativos e aposentados da própria GM. Uma clara demonstração de apoio a uma nova e reconstruída companhia, na qual o Governo agora já reduziu sua participação diluída para 33%.
Grandes lições deste processo. Primeira, toda a empresa em funcionamento tem solução, desde que haja um plano profundo e adequadamente preparado para a reversão. Segunda, todos os interessados (i.e., “prejudicados”) precisam reconhecer perdas e estar dispostos a enfrentar o problema e a pagar o preço de sua solução, o que inclui acionistas, bancos, fornecedores, governo e empregados, sem exceção. Terceira, salvo em raríssimos casos, a recuperação só é possível quando conduzida por nova diretoria focada no futuro, pois os executivos existentes são parte do problema e não tem a autocrítica, isenção e coragem para a tomada de ações que sempre serão duras e envolvem mudanças radicais em oposição ao que fizeram no passado. Quarta, nenhuma recuperação é possível sem a injeção de dinheiro novo, o qual, salvo na eventualidade que haja ativos atrativos e líquidos passíveis de serem desimobilizados, terá que ser aportado pelos atuais acionistas, atuais credores ou novos acionistas. Aporte por novos credores é altamente improvável, pois um processo de recuperação é como baile de gafieira: quem está fora não entre e quem está dentro não sai.
O último ensinamento é político e de filosofia de governo. Num país verdadeiramente privativista e focado na cidadania, onde a lógica que prevalece é de respeito ao indivíduo e ao cidadão que sustenta a estrutura estatal, o governo exerceu um papel de efetivamente preservar os interesses da sociedade e de seu dinheiro. Nessa linha, a GM foi salva e os interesses coletivos atendidos pela coordenação e arrojo de um governo que agora já começa a se retirar, através de mecanismos estritamente privados e de mercado. Se fosse por aqui, nesta Terra de Santa Cruz, já estaria criada - para sempre e com todas as benesses - a “AutoBrás” - fábricas não seriam fechadas, não ocorreriam demissões nem reduções de benefícios e os credores públicos não perderiam nada, evidentemente tudo às custas do único pagador das contas através de uma magistral carga tributária: o consumidor.