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Mudanças a Vista

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Estão à vista mudanças tanto na legislação que regula a recuperação judicial como a alienação fiduciária. É o que noticiam os principais informes econômicos dos últimos meses. A notícia é importante e faz parte de uma série de ajustes microeconômicos que estão sendo implementados pelo atual governo.

Se, de um lado, a propalada (e verdadeira) crise é causa suficiente para a retração dos níveis de atividade econômica, por outro, é importante que tenhamos clareza que o país em que vivemos não é, necessariamente, o retrato de um ambiente saudável para empreender. Inúmeros e incontáveis entraves burocráticos e legais, além de um inexplicável fechamento econômico, quase Cubano, desestimulam o ímpeto de empreendimento. Um sistema jurídico e de proteção distorcida ao trabalhador, que o pressupõe eternamente incapaz e insofismavelmente hipossuficiente, e que, ao fim, busca produzir uma hipotética justiça social por meio de decisões judiciais, inibem a iniciativa de investimento e o próprio processo de captação de mão de obra. Por fim, não se poderia deixar de falar (apesar de se parecer estar chovendo no molhado) uma carga tributária que retira recursos da atividade econômica, naturalmente mais eficiente, e o despeja no financiamento da máquina pública, tipicamente menos eficiente e de gosto duvidoso sobre onde aplica estes recursos.

Se, de um lado, a propalada (e verdadeira) crise é causa suficiente para a retração dos níveis de atividade econômica, por outro, é importante que tenhamos clareza que o país em que vivemos não é, necessariamente, o retrato de um ambiente saudável para empreender. Inúmeros e incontáveis entraves burocráticos e legais, além de um inexplicável fechamento econômico, quase Cubano, desestimulam o ímpeto de empreendimento. Um sistema jurídico e de proteção distorcida ao trabalhador, que o pressupõe eternamente incapaz e insofismavelmente hipossuficiente, e que, ao fim, busca produzir uma hipotética justiça social por meio de decisões judiciais, inibem a iniciativa de investimento e o próprio processo de captação de mão de obra. Por fim, não se poderia deixar de falar (apesar de se parecer estar chovendo no molhado) uma carga tributária que retira recursos da atividade econômica, naturalmente mais eficiente, e o despeja no financiamento da máquina pública, tipicamente menos eficiente e de gosto duvidoso sobre onde aplica estes recursos.

Não fossem suficientes estes motivos para se dizer que empreender no Brasil é um exercício de fé, pode-se afirmar também que o custo de captação do dinheiro é elevado - influenciado por graves e aparentemente eternas e insolúveis distorções macroeconômicas (ou seja, atribuíveis, sobretudo à permanente incapacidade de o governo se caber em si - rectius, déficits primários recorrentes).

Mas, também, e aqui se chega ao ponto, é influenciado por fortes distorções microeconômicas, que afetam a eficiência do sistema de crédito. Em primeiro e absoluto lugar, há a concorrência do governo na ponta captadora de dinheiro; em segundo lugar, e não menos importante, está a dificuldade de recuperação do dinheiro na hipótese de default.

É neste momento que surge em pauta aquilo que o mercado financeiro chama de spread. De forma muito simples e sintética (e talvez, até mesmo, ignorando outros elementos que o compõem), o spread reflete o risco geral da operação (e por risco se entenda a eventual dificuldade de retorno do bem emprestado: neste caso, o dinheiro).

Os esforços recentemente cogitados na direção de uma possível mudança nas regras da alienação fiduciária e da recuperação judicial andam neste sentido. Ou seja, buscam trazer mais eficiência à recuperabilidade do dinheiro. Conseqüentemente, trariam uma diminuição dos riscos relacionados às operações de crédito. Isto é louvável e desejável.

Quanto à alienação fiduciária, as primeiras cogitações de reforma buscam traduzir ainda mais conforto às operações tipicamente imobiliárias, realizadas exclusivamente no ambiente do Sistema Financeiro Habitacional - o que, em um período de crise imobiliária como o que ora se vive, é algo absolutamente desejável e necessário (vide as recentes recuperações judiciais de incorporadoras - e mais recentemente ainda, a PDG).

Por certo, a alienação fiduciária de bens imóveis foi, anos atrás, incorporada à legislação Brasileira com este objetivo. No entanto, com o passar do tempo, este sistema de garantia foi se tornando comum a outras operações financeiras não relacionadas ao mercado imobiliário. Não é inverídico dizer que teria havido uma mudança naqueles objetivos iniciais da alienação fiduciária. Ou seja, ela não se destina mais, fundamentalmente, ao Sistema Financeiro de Habitação. Atualmente, a quase totalidade das operações de crédito contraídas no mercado financeiro são garantidas pela alienação fiduciária de bens móveis e imóveis, presentes e futuros, fungíveis e não fungíveis, e às vezes até mesmo existentes ou não existentes.

É neste momento em que se relacionam alienação fiduciária e recuperação judicial.

Se, por um lado, a alienação fiduciária é celebrada por haver tornado mais eficiente a recuperabilidade do dinheiro, por outro, equivocadamente, se atribui à recuperação judicial o papel inverso. Ou seja, a recuperação judicial seria o caminho para o calote. E se atribuem somente ao devedor os benefícios de uma recuperação judicial. É uma absoluta inverdade. A recuperação serve, sobretudo, ao credor. E se não é assim, deveria ser assim. E por isso, noticiou-se nos últimos meses a constituição de um grupo de trabalho para reformar a lei de falências e recuperações. E mais recentemente, noticiou-se que, entre tais mudanças que se fariam nesta lei, uma delas poderia ser a inclusão dos créditos garantidos por alienação fiduciária aos seus efeitos. Àqueles que não convivem tanto com a matéria, cabe lembrar que, resumidamente, o único crédito relevante que não se submete ao processo de recuperação é aquele garantido por alienação fiduciária (tudo bem, leasing, reserva de domínio, adiantamentos de contratos de câmbio e tributos também não se sujeitam, mas, no conjunto da obra, são menos relevantes no mercado de crédito). E como disse acima, a imensa maioria das operações de crédito que envolvem instituições financeiras são dessa espécie.

E por que mudar?

A mudança contraria, em primeira análise, diretamente aquilo que foi dito acima sobre a relevância da recuperabilidade do crédito na formação do spread.

Não é verdade.

Em primeiro lugar, o equívoco está em se pensar que o risco (que existe e é verdadeiro) afeta somente instituições financeiras. Qualquer um que presta serviços, vende bens ou insumos, está, de alguma forma, concedendo crédito. E o crédito é o que move a economia. No entanto, é muito pouco provável que a totalidade das operações de crédito (e aqui entenda-se por operação de crédito também aqueles casos de concessão de prazo por fornecedores, e.g.) de uma empresa esteja garantida por alienações fiduciárias. A alienação fiduciária é, normalmente, a garantia de quem chegou primeiro. E aí, na hipotese de crise (como a que vivem as empresas), quando surge a inevitável necessidade de repactuação das operações de crédito, aqueles que chegaram depois, e que não estão, portanto, suficientemente garantidos, irão sofrer mais os efeitos de um processo duro e penoso de uma recuperação judicial ou de uma falência (não se deve ignorar que uma recuperação judicial está, também, na cota dos fenômenos negativos e de risco: ou seja, ninguém deseja). E por força dessa própria assimetria entre credores garantidos e não garantidos, a balança, no final do dia, pesa demais para um lado. E deste lado estão, normalmente, todos aqueles que possuem menor capacidade de análise de crédito (fornecedores, instituições financeiras de menor porte e, pasmem, os empregados - neste momento, é razoável se reconhecer que o empregado também é um agente de crédito, que normalmente trabalha antes de receber). Conseqüentemente, o custo de crédito entregue por estes agentes também se eleva. Por que o risco é maior.

A mudança na legislação não tem por objetivo, por si só, submeter um crédito garantido por alienação fiduciária aos efeitos da recuperação judicial, como se fosse uma exercício de vingança do empresário contra o sistema financeiro (o que é absolutamente patético até de se pensar). Trata-se, primeiramente, de atribuir simetria ao sistema de compensação de perdas (por que perdas fazem parte do risco dos negócios). Em segundo lugar, busca evitar que a garantia (quando executada) sirva como instrumento de desmontagem de negócios viáveis - vale, em tempo, dizer que a recuperação serve (e deveria ser assim) à preservação de negócios viáveis. E por fim, ao evitar uma corrida frenética ao ativo que garante a operação, permite ao sistema uma ampliação do efeito de recuperabilidade do crédito em sentido amplo (entendendo - e é obrigatório que seja assim - que todos, de uma forma ou de outra, concedem crédito, não somente as instituições financeiras).

Autor(a)
Thomas Dulac Müller
Informações do autor
Sócio da Dulac Müller Advogados e associado ao TMA Brasil

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