A complicada crise financeira que assolou algumas das maiores empresas do país trouxe à tona os novos desafios enfrentados no cenário da insolvência transnacional. Há um número crescente de casos nas cortes norte-americanas visando estender os efeitos de recuperações e falências brasileiras nos Estados Unidos, por meio dos novos mecanismos de cooperação internacional adotados pelo "Bankruptcy Code", o Código de Falências norte-americano. Se no Brasil 2005 foi um marco para selar os novos rumos da insolvência, com a promulgação da Lei nº 11.101, nos Estados Unidos foi o ano em que se introduziu o conceito de Chapter 15 no Bankruptcy Code, como um dos mecanismos que trouxeram uma solução aos casos de insolvência no mundo globalizado. No Brasil, a lei de recuperação e falências foi uma boa solução para as empresas em crise, e veio junto com os bons ventos da economia brasileira, que em 2010 cresceu 7,5%, na contramão do tsunami econômico de 2008. Com as captações externas em alta, e os Estados Unidos liderando o ranking entre investidores, as empresas brasileiras passaram a ter maior alavancagem. E os reveses econômicos sofridos nos últimos meses comprometeram a capacidade de adimplemento de grandes conglomerados no país. Foi então que surgiu o novo ingrediente ao pacote da insolvência: as obrigações dos devedores brasileiros com seus investidores estrangeiros. Bancos internacionais e investidores que adquiriram notas emitidas no exterior - os bondholders - passaram a atuar no Brasil para proteger e maximizar o recebimento dos seus créditos, no ambiente propício criado pela Lei nº 11.101/05. A Lei 11.101 e o Chapter 15 permitem que os investidores estrangeiros e os devedores brasileiros renegociem dívidas Já as devedoras brasileiras, com bens e credores no exterior, precisaram de uma resposta rápida, principalmente da Justiça norte-americana, para ver seus planos de restruturação funcionarem. No Brasil, por exemplo, ao dar início à recuperação, o juiz determina a suspensão das execuções contra o devedor por 180 dias para por fim à corrida desenfreada dos credores e à dilapidação do patrimônio da empresa, enquanto o processo de negociação da dívida avança. A decisão judicial brasileira, contudo, não é suficiente para estancar a sangria nos Estados Unidos. O ajuizamento de um Chapter 15 se faz necessário para brecar execuções e cobranças no exterior. Outro problema das devedoras é como lidar de modo eficiente com a restruturação das suas obrigações. Nos casos de títulos de dívida (bonds) regulados pela lei norte-americana, que constituem a grande maioria de bonds emitidos por investidores brasileiros, os investidores em geral detêm interesses em uma "nota global" mantida por um agente intermediário (trustee).
Para que esse agente intermediário possa efetuar a troca dessa "nota global" e pagar os investidores nos termos de um plano de recuperação aprovado no Brasil, ele normalmente exige que seja proferida uma ordem pela corte americana. Não bastasse, sem que haja uma ordem da corte americana dando plenos efeitos ao plano aprovado pela Justiça brasileira, os bondholders podem assumir que a recuperação não se aplica a eles, e iniciar medidas como a penhora de bens nos Estados Unidos, ainda que anos após a aprovação e cumprimento de um plano de recuperação no Brasil. Nesse contexto, o Chapter 15 norte-americano caiu como uma luva para as devedoras brasileiras e investidores internacionais, agregando valor à recuperação das devedoras brasileiras. O Chapter 15 nada mais é que a adoção nos Estados Unidos da Lei Modelo de Insolvência Transnacional da Uncitral - Comissão das Nações Unidas sobre o Direito do Comércio Internacional. É medida auxiliar aos casos de insolvência ajuizados pelo devedor no seu país de origem, com o objetivo de facilitar a recuperação de negócios em crise financeira e promover a justa e eficiente administração de insolvências transnacionais. Nesse contexto, a Corte norte-americana adquire poderes para não só suspender as execuções contra a devedora, fazendo valer as decisões proferidas pela justiça brasileira, como também reconhecer e dar efeitos aos planos de recuperação homologados no Brasil nos Estados Unidos. A ideia é cooperar com as decisões da Justiça brasileira, desde que tratem os credores de forma justa e seus interesses estejam suficientemente protegidos, sem violar a ordem pública norte-americana. No atual contexto de crise econômica, é um alívio poder contar com os recursos da Lei 11.101/05 e do Chapter 15 que, juntos, permitem que os investidores estrangeiros e devedores brasileiros renegociem suas dívidas num ambiente que promove segurança jurídica, rapidez, preservação de valores e consolidação das relações econômicas transnacionais. Aguardemos os próximos capítulos, na esperança de que solidifiquem a jurisprudência nos dois países, trazendo resposta a temas controvertidos, que ainda geram muita insegurança nesse relevante mercado de ativos de risco.