Desde o início da recessão econômica no Brasil em 2014, aproximadamente 6.800 empresas entraram com pedido de Recuperação Judicial e 5.600 tiveram seus pedidos deferidos. Esse ambiente gerou uma grande demanda por serviços de assessoria financeira. Consultorias especializadas são contratadas pelas empresas para ajudar nos planos de reestruturação operacionais e financeiros e na preparação e negociação dos passivos junto aos credores, dentro ou fora de um ambiente judicial.
Fonte: Serasa Experian
Conforme mencionado, enquanto quase a totalidade das empresas que passam por um processo de reestruturação financeira contratam uma consultoria especializada, no Brasil o serviço de Lender Assistance (assessoria ao credor) é um serviço pouco utilizado pelos credores financeiros.
As maiores instituições financeiras locais costumam ter áreas de reestruturação internas com grupos de executivos especializados, que cuidam de carteiras de clientes com problemas de reestruturação. Já os bancos menores costumam endereçar os problemas de work-out de forma mais “caseira”, utilizando-se dos profissionais de crédito ou até da área comercial para atender a um grande número de casos de clientes inadimplentes.
Enquanto isso, é comum para os credores internacionais, tanto banco como fundos, contratar consultorias especializadas para liderar o processo de diagnóstico e entendimento da situação, orientar na tomada de decisões durante o processo e atuar nas negociações junto ao devedor. O papel do assessor financeiro externo contratado é significativamente mais abrangente nas culturas “anglo-saxônicas”, não apenas do ponto de vista analítico como negocial.
A escolha dos credores internacionais pela contratação de um assessor é ditada por uma questão de compliance, isto é, estas instituições precisam ter respaldo e suporte externo para tomar e conclamar decisões. No entanto, a disposição em contratar entidades especializadas é também ligada a confiança em utilizar profissionais especializados e focados com conhecimento do ambiente de negócios local para aumentar a chance de recuperação dos créditos.
O envolvimento de assessores financeiros tanto pelo lado do credor quanto do devedor, exerce um papel fundamental no potencial de recuperação do negócio e dos respectivos créditos. Esse é um fator essencial considerando o baixo percentual de planos de recuperação judicial que são aprovados pelos credores vis-à-vis a quantidade de solicitações. Isso reflete diretamente na oportunidade da empresa de fato se recuperar e evitar uma falência ou liquidação. Vale destacar que muitos dos planos aprovados sem o envolvimento do assessor financeiro, acaba sendo apenas um mecanismo para protelar o problema e permitir que a empresa continue por mais algum tempo no mercado em condições financeiras e operacionais deterioradas.
As perguntas que os credores tentam responder em processo de reestruturação são: (i) Quais as razões da crise? (ii) Existem caminhos viáveis para o negócio se recuperar e pagar seus passivos? (iii) Quanto tempo a empresa pode subsistir nas atuais condições? (iv) A atual gestão é competente para conduzir a reestruturação operacional e financeira? Todas essas perguntas devem ser respondidas prontamente e embasadas em fatos, para que os credores decidam se vale a pena dedicar tempo e recursos apoiando a reestruturação ou se eventualmente não é preferível liquidar o negócio.
O Lender Assistance consiste em uma série de atividades de apoio aos credores em processos de reestruturação dos seus respectivos devedores. Estas atividades incluem: (1) um diagnóstico da situação; (2) gestão de caixa de curto prazo (crisis cash management); (3) análise independente do plano de negócio apresentado pelo devedor; (4) análise e sugestões de propostas de reestruturação, incluindo suporte para implementação; e (5) monitoramento após implementação da reestruturação.
Todas estas atividades são normalmente executadas por equipes experientes, com amplo conhecimento e experiência em reestruturação, mas principalmente com uma forte bagagem em gestão de situações de crises. O conhecimento técnico de finanças corporativas aplicado a crise de empresa gera as ferramentas necessárias para a recuperação. No entanto, somente isso não é suficiente se depois o assessor não é capaz de coordenar as necessidades dos grandes grupos de credores e as preocupações da gestão do devedor.
Ora, considerando a grande quantidade de casos nas carteiras dos bancos, principalmente em momento de crise e profunda recessão como recentemente ocorreu no Brasil, como podemos pensar que as mesmas instituições tenham equipe em números suficientes para coordenar e executar por si só estes trabalhos? Daí a ineficiência, não propositalmente, mas induzida que pode resultar em subavaliar as opções de recuperação em casos de reestruturação.
Abaixo descrevemos brevemente em que consistem as várias atividades de Lender Assistance, pelo menos do ponto de vista teórico, pois cada caso possui as suas nuances e peculiaridades.
Diagnóstico inicial
A fase de diagnóstico é uma análise do ambiente micro e macroeconômico, analisando os fatores exógenos que possam ter contribuído para a crise, bem como a revisão dos aspectos particulares da companhia, como avaliação do management e sua estratégia. Usualmente ela se inicia em paralelo com a gestão do caixa. Uma parte fundamental dessa fase é a análise do endividamento. Uma classificação preliminar do nível de senioridade de cada credor é importante para estimar a recuperabilidade de cada crédito e qual o tratamento esperado no caso de uma recuperação judicial. Essa classificação também irá balizar as respectivas garantias cedidas pela Companhia bem como potenciais ativos livres.
Gestão de Caixa de Curto Prazo
Os principais drivers que levam credores a buscar serviços de Lender Assistance são a quebra de covenants financeiros e uma crise iminente de liquidez do devedor. Nessas situações o assessor do credor pode fazer a centralização da gestão de todas as atividades que impactam o caixa da companhia. Essas atividades vão desde a revisão da posição e necessidade de caixa no curtíssimo prazo até a revisão dos controles e processos existentes.
Análise do Plano de Negócios
Durante o processo de negociação, a companhia e seus assessores utilizam-se de projeções financeiras para embasar propostas de reestruturação das dívidas. Usualmente o assessor realizará suas próprias projeções com o objetivo de avaliar de forma independente a viabilidade do plano. Essa ferramenta é particularmente importante nos processos em que existe a perspectiva de continuidade da devedora. Ou seja, quando o principal problema da companhia é o excesso de alavancagem financeira, que pode ser superado com um alongamento dos passivos.
Análise e Sugestões de Propostas de Restruturação
No entanto, nem sempre a solução é viável apenas pelo aumento de prazo e/ou alteração no custo da dívida. E são nessas situações em que o assessor do credor terá a função não apenas de analisar a viabilidade das propostas apresentadas, como também propor alternativas. Em diversos casos, é necessário buscar opções menos convencionais que poderá considerar a venda de ativos, dação em pagamento, cessão de direitos creditórios, compra de ativos através de UPI (Unidade Produtiva Isolada) com o próprio crédito, entre outras soluções que possam maximizar a recuperação do crédito.
Monitoramento pós-Implementação do Plano
Na maioria dos casos, as dívidas reestruturadas estabelecem novos covenants financeiros, para certificar-se que a companhia está executando seu plano dentro dos parâmetros estabelecidos. Além dos típicos covenants como alavancagem financeira, índice de liquidez, capitalização, existem outros parâmetros que precisam ser controlados nos casos em que a reestruturação envolve venda de ativos. É comum que os credores estabeleçam prazos para cada etapa de um processo de venda, preços mínimos, contratação de assessoria especializada, entre outros. O Lender Assistance também pode exercer o papel de acompanhar esses parâmetros com periodicidade, mantendo o credor atualizado durante todo o processo.
O serviço de Lender Assistance é utilizado por diversos tipos de credores: bancos, bondholders, hedge funds, trustees, agências de fomento, etc. Na maior parte dos casos, os maiores credores formam um sindicato e contratam um assessor em conjunto. Esses grupos podem ser de bancos com instrumentos bilaterais e/ou empréstimos sindicalizados. O mesmo ocorre com bondholders, um grupo relativamente homogêneo de detentores de título de crédito, que buscam interesses em comum. Existem casos pontuais em que um credor internacional que não tem uma presença no país contrata um assessor de forma independente dos demais credores. No entanto, seja qual for o tipo de credor, na maior parte dos casos os serviços são pagos diretamente pela devedora.
Um dos principais fatores que retardaram o crescimento desse tipo de serviço no Brasil refere-se a questão financeira na contratação do assessor. A prática comum nos EUA é que os honorários dos assessores dos credores financeiros e legais sejam pagos exclusivamente pela devedora. Em alguns casos, como em emissões de bonds, pode ser inclusive uma cláusula contratual. Devido a formação de sindicato de credores que incluem instituições internacionais, os bancos brasileiros já se familiarizaram com essa prática e já enxergam com bons olhos a contratação de assessores, reconhecendo melhor o valor desse tipo de serviço.
Conclusões
A dinâmica na forma de conduzir processos de reestruturação das instituições financeiras locais é o resultado da conjuntura econômica, atrelado às contenções de custos para contratação de equipes especializadas em um ambiente de negócios pouco favorável. Portanto, há um amplo espaço a ser explorado através do crescimento de serviços de assessoria prestados ao credor. Essa iniciativa não apenas pode impulsionar a recuperação do crédito inadimplente, como também fornecer um maior conhecimento aos credores nos processos de reestruturação financeira. O melhor entendimento das fragilidades dos empréstimos, seja pela estrutura ou pelo pacote de garantias, poderá ajudar a evitar inadimplências futuras já na concessão do crédito.
Sócio sênior fundador da Pantalica Partners, com mais de 26 anos de experiência nas áreas de turnaround/reestruturação de empresa, transações envolvendo ativos especiais e investimentos em carteiras de créditos inadimplidos.
Antes de fundar a Pantalica, por mais de 12 anos Salvatore liderou e consolidou a área de Restructuring na KPMG Brasil, trabalhando em processos fora e dentro do contexto de procedimentos concursais, além de transações envolvendo ativos especiais, tendo atuado na área de reestruturação também na América Latina. Foi também líder de vários projetos de reestruturação e recuperação de empresas em vários setores e ainda em transações envolvendo compra/venda de carteiras de créditos inadimplidos;
Graduado em Banking Finance na Universidade de Messina-Italia; MBA em Banking and Finance no CUOA-Vicenza (1997); Curso para executivos sobre Liderança e Gestão na Fundação Dom Cabral-Brasil (2010/2011); curso em Administração e Controladoria de Bancos na Universidade Bocconi Italia; vários cursos em Turnaround, Financial and Operational Restructuring, Crises Cash Management pela KPMG;
Salvatore iniciou sua carreira na corretora de valores Bayerische Private Bankers; atuou também na agência de classificação de riscos Italrating SpA/Duff and Phelps Credit Rating e na Banca Commerciale Italiana SpA, nas áreas de M&A e Finanças, onde ampliou sua experiência em transações internacionais na Europa e na América Latina. Na KPMG, permaneceu por 12 anos desde 2002, tendo atuado na área de Restructuring para o Brasil e América Latina.
Salvatore presidiu a TMA Brasil Turnaround Management Association do Brasil (2010 a 2012), da qual permanece membro;
Bruno Carvalho:
Sócio sênior fundador da Pantalica Partners, com mais de 16 anos de experiência em processos de turnaround/reestruturação financeira. Foi responsável pela área de reestruturação financeira na PwC em 2013, onde atuou em grandes processos de turnaround dentro e fora de contexto de procedimentos concursais.
Graduado em Administração de empresas pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), com MBA em Gestão de Negócios pelo IBMEC, tendo participado de diversos cursos nacionais e internacionais sobre Financial Restructuring.
Iniciou sua carreira no Banco Bilbao Vizcaya (2003), seguindo no ano seguinte para o Banco Bradesco, na área de Risk Advisory Services, focando em atividades de riscos operacionais relacionadas a transações de Tesouraria e Operações de Crédito. Durante esse período, atuou também com empresas de varejo, bancos e prestadoras de serviços financeiros;
Em 2007, juntou-se à equipe de Restructuring da KPMG. Acumulando experiência em trabalhos de M&A, reestruturação financeira/operacional, incluindo projeções financeiras de curto e longo prazo e venda de carteira de créditos inadimplidos.
Bruno Carvalho é membro do TMA Brasil (Turnaround Management Association do Brasil);
Gerson Morelli:
Gerson Morelli possui mais de 13 anos de experiência em Corporate Finance. Antes de juntar-se a Pantalica Partners, trabalhou na Louis Dreyfus Commodities, Itaú Unibanco, Pátria Investimentos e Bank of America. Ao longo da carreira, atuou em operações de fusões e aquisições Equity Capital Markets e Debt Capital Markets ligadas a diversas indústrias como: açúcar e etanol, energia, óleo e gás e varejo. Possui MBA pela Johnson Graduate School of Management na Cornell University e é graduado em Administração de Empresas na Fundação Armando Álvares Penteado.