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O turnaround e os desafios da gestão de pessoas

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Voltando para casa tarde da noite em uma sexta-feira, depois de uma longa jornada de trabalho, Luiz Enrique Strong pensava nos desafios que tinha pela frente. Ele fora convocado para fazer o turnaround da Companhia Comercial e Industrial S.A. – CCI.

Líder em seu setor de atuação por décadas, a CCI sofria nos últimos anos. Enfrentava os problemas típicos de uma empresa em crise: produtos distantes das necessidades dos consumidores, baixa inovação, pouco diferencial competitivo e redução de vendas. Além disso, amargava queda na participação de mercado, erosão da rentabilidade, problemas de caixa, alto endividamento e aumento na rotatividade de pessoal, entre outras dificuldades.

Profissional de turnaround com grande vivência, Strong possui um histórico de bons resultados. Seu sucesso se deve à disciplina, habilidades de liderança, talento de negociação, estratégia acurada e profundos conhecimentos sobre negócios e finanças. Contudo, Strong acredita que seu diferencial está em sua capacidade de identificar as pessoas certas, envolvê-las e desafiá-las, de forma que possam oferecer o seu melhor.

O plano de reestruturação da CCI fora aprovado à tarde pelo Conselho de Administração e era exequível, também pelo fato da empresa possuir vantagens competitivas reais e sustentáveis.  No entanto, contava com desafios e, naturalmente, possuía riscos. Foi elaborado após curto diagnóstico e durante o período de estabilização da crise, ainda em curso.  Experiente, já tinha esboçado seu Plano B, que ao menos no momento não contemplava a Recuperação Judicial.

Aspectos chave

Dentre os aspectos chave para o sucesso do turnaround a questão “pessoas” é de importância vital. Assim como um diagnóstico bem feito, plano de recuperação que faça sentido, comunicação eficiente, implantação e acompanhamento. Afinal, o capital humano está por trás do sucesso de cada uma destas etapas. Neste contexto, o passo seguinte e principal desafio é montar uma boa equipe de gestão. Este é o momento atual de Strong.

Ele já tem em mente a nova estrutura da CCI, que discutirá na segunda-feira com os consultores. Sabe que o equacionamento dos problemas da montagem da nova equipe de gestão são desafios importantes à execução e obtenção de resultados esperados.  O sonho, possível, é ter colaboradores que complementam suas habilidades e se inspiram mutuamente.  Para que isso ocorra, seu papel e modo de agir são fundamentais.

Por ocasião das entrevistas de diagnóstico, Strong falou com todos em cargos chave. Identificou aqueles que possuíam ou não perfil para ocupar as posições em cada área. Durante cada conversa, avaliou aspectos como capacidade gerencial, competências técnicas, talentos, motivações, comprometimento, resiliência e intenção de aceitar novos desafios. Sempre levando em conta a situação pessoal e profissional de cada um.

Ele acredita que é preciso identificar e capitalizar o conhecimento e a experiência dos funcionários, com o objetivo de buscar soluções criativas e minimizar erros de implantação.  Aqueles que conhecem a empresa, o negócio e o mercado, possuem uma atitude positiva e tem coragem suficiente para apontar duras verdades, são vitais. Com estas pessoas a bordo, ganha-se muito.

Questões importantes

Chegou o momento de montar o quebra-cabeça “pessoas-posições-desafios”, quem fica e quem sai.  Perguntas a serem respondidas:

1 -  Quais pessoas estão aptas a ocupar a posição e poderão ocupar imediatamente?

2 -  Quais pessoas estão aptas a ocupar a posição mas, por alguma razão (ex.: questões em andamento), não podem ou não devem ocupar imediatamente?

3 -  Quais pessoas têm potencial mas não estão aptas a ocupar a posição?  Nesta caso, desenvolver novas habilidades e capacitar?

4 -  Nestas duas últimas situações: assumir o risco da troca imediata ou aguardar e fazer a substituição mais tarde?

5 -  Para as posições não preenchidas, seria imprescindível trazer alguém do mercado?  O desafio da CCI atrairia interessados?

Os escolhidos serão aqueles que têm a melhor condição para "fazer acontecer".  Aqueles que, por alguma razão, não se encaixarem, serão desligados.  O insubstituível seria o primeiro a ser mudado.  O momento de demissões é duro, mas rotineiro na vida de Strong.

É ilusão pensar que para cada posição teremos as pessoas certas, perfeitas. Em muitas delas, é possível que sim.  No entanto, as pessoas certas hoje podem não serem mais amanhã. A equipe será formada pelas melhores pessoas possíveis, dentro do contexto do momento. É essencial possuir pessoas com perfil flexível, com capacidade de ocupar uma ou outra posição. Afinal, assim como em um jogo de futebol, onde a troca de jogadores pode ser necessária para obter melhores resultados para a equipe, esses movimentos também são normais em um processo de turnaround.

Incentivo e retenção

A identificação das ferramentas de incentivo e de retenção adequadas para o momento de circunstâncias adversas é de extrema importância. Muitas vezes, os instrumentos tradicionais de gestão de pessoas – tais como pesquisa de clima, avaliação de desempenho com aumento salarial por mérito ou promoção, treinamento externo e plano de cargos e salários – não se aplicam ou não podem ser utilizados na ocasião.

Como alternativa, é possível criar oportunidades de aprendizado, crescimento e realização profissional. Por exemplo: delegar decisões, implantar a gestão participativa, estimular atitudes de dono do negócio e reconhecer de forma diferenciada os resultados obtidos.

Em termos de estimulo financeiro, a adoção de um programa simples, objetivo e atraente de remuneração variável – atrelado a metas de curto prazo de cada gestor-chave – pode também ser uma opção para motivar comportamentos que vão ao encontro dos objetivos da empresa.

Pensando mais adiante, Strong também precisará trabalhar a nova condição de relacionamento e trabalho na CCI, considerando os objetivos e motivações. Resgatar os valores desgastados ou perdidos, entre eles o respeito e a confiança, mostra-se essencial. Em suma, é necessário ajustar o clima organizacional ao novo momento da empresa.

Para que isso aconteça sabe que é preciso ter um ambiente de negociação, pois são muitos os desejos e poucos os recursos.  É de grande valia estabelecer o compromisso com a solução e um clima de reconstrução, onde se tenha a confiança que o futuro trará ganhos maiores que eventuais perdas até então.  Todos precisam estar cientes que haverá muito mais trabalho e dificuldades à frente, tendo em vista a nova realidade da CCI.

Isso significa realinhar as expectativas e necessidades, ou seja, repactuar o contrato psicológico com os gestores, funcionários e demais partes interessadas.  Este processo, sendo bem conduzido, pode levar a uma nova base de relacionamento, comprometimento e resultados.

Conflitos com gestores

Por alguns momentos, Strong se afastou da realidade da CCI e se lembrou de outras experiências de turnaround, bem mais complexas e conflituosas que a atual. Ele sabe que sucessos no passado não garantem a mesma situação no futuro. Entende que os gestores, sejam eles empresários, empreendedores, CEOs ou presidentes, antes de terem sucesso, fracassaram. Muitos se reergueram posteriormente.  Em alguns casos, mais de uma vez.   Alguns deles, com a ajuda do próprio Strong.

Vários deles nunca imaginaram passar por crises graves e não conseguem se ver em situações de grandes dificuldades da empresa. Não é fácil aceitar.  Momentos difíceis e a realidade de fracasso não possuem parâmetros mentais de atitudes e decisões nestas pessoas. 

O choque da realidade tem efeito paralisante.  Há incapacidade de agir.  A falta de experiência em enfrentar crises dificulta a tomada de decisões de sacrifício para reverter a situação.  Há também o impacto no padrão de vida e na aceitação social, angústia profissional e o receio da repercussão de determinadas medidas.

O orgulho, a soberba, a arrogância, o apego e o preconceito se tornam mais presentes.  Dilemas éticos podem aflorar: preservar a empresa versus defender interesses pessoais?  Há dificuldade para dar poder a alguém de fora.  O gestor não quer ouvir opiniões ou renunciar ao comando. 

Por outro lado, os gestores se veem como fracassados perante o novo líder de reestruturação, que é apresentado como salvador; ele fala o que deve ser dito e faz o que deve ser feito.

Nestas situações, também podem existir questões pessoais ocultas, tais como: desejos, sentimentos, cinismo e ironia, típicos da fragilidade humana.  Em muitos casos, surge a necessidade do afastamento do gestor ou de membros e amigos da família que possuem cargos na empresa, por atrapalharem o processo de turnaround.  Há poucos anos, Strong passou por uma situação constrangedora e bizarra: demitiu a mãe do acionista controlador, que não mais podia entrar na organização.

O melhor é negociar a transição para que não ocorram ressentimentos e que todo o processo flua da melhor forma possível. Nesta dolorosa situação, recomenda-se oferecer suporte psicológico independente aos envolvidos, ajudando a preservar a empresa e facilitar o trabalho. Em paralelo, o gestor de reestruturação deve se manter focado nos graves problemas da empresa no momento.

Apresentação, comunicação e acompanhamento

A apresentação segmentada da nova liderança da empresa aos funcionários e às partes relacionadas sobre a visão do negócio, estratégia, plano de reestruturação, objetivos e metas - com uma visão inspiradora e realista - é parte importante do processo.

Strong sabe que um ambiente de comunicação aberta, honesta e transparente é fundamental para a construção de um relacionamento de conciliação e confiança. Fazer com que as partes se sintam integradas a este novo momento, assim como a implantação e o acompanhamento do plano de reestruturação, controle de risco, gerenciamento do desempenho da empresa, objetivos chave e equipes no modelo PDCA (Plan-Do-Check-Action), de forma disciplinada, é vital.

Conforme se avança, acertos de rumos no plano de reestruturação são questões naturais e desafiadoras. Deve-se ter em vista a dinâmica do mercado e dos negócios, visando a busca consistente por melhores resultados. Um programa contínuo de comunicação transparente e periódica sobre os progressos alcançados e erros cometidos é imprescindível para reconhecer, celebrar e manter a moral da tropa.

Para cada problema há diversas soluções, diz Strong.  Segundo ele, na maioria das situações a alternativa escolhida é a viável, pois a melhor não é possível no momento.  A ponderação de vantagens, desvantagens, pontos fortes e fracos levam em conta as variáveis do momento, inclusive as questões de tempo - rapidez de ação - e dinheiro.

As atividades e prioridades nem sempre ocorrem de forma linear, ou seja, no momento mais indicado e em situações onde há relativa estabilidade no curso normal dos negócios. Às vezes, elas acontecem nos momentos em que devem ocorrer, de acordo com a melhor visão do gestor de reestruturação. Conflitos, controvérsias e diferentes pontos de vista são naturais em processos desta natureza, nos quais, mais do que nunca, o ótimo é inimigo do bom.

O maior desafio em um turnaround é potencializar o capital humano.  Ter as melhores pessoas possíveis nas posições certas ajuda muito a seguir com os objetivos da reestruturação, independentemente dos percalços de sua trajetória. Ter pessoas que entregam resultados surpreendentes, superiores à expectativa inicial, é algo imprescindível e diferencial.

Strong acredita que o importante é atingir o objetivo do plano de reestruturação. Sem boas pessoas na equipe, isso é impossível.

Autor(a)
Paulo Almeida
Informações do autor
Paulo Almeida é sócio da Azee Consultoria
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