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Orientações Práticas para a Geração e a Gestão de Caixa em Períodos de Crise

Capa

Em períodos de instabilidade econômica, frequentemente acompanhado por um enxugamento de crédito, recomenda-se que a alta direção da empresa tome uma atitude bastante participativa e tome medidas-chave para mitigar riscos potenciais à geração de caixa, assim evitando que a empresa passe a sofrer uma crise de liquidez.

Em 1992, James Carville, então estrategista da campanha presidencial de Bill Clinton contra George H. W. Bush, cunhou uma frase que se tornou amplamente conhecida: “The economy, stupid!”. A intenção do Carville, que supostamente até postou essa frase na parede da sala de trabalho dos principais assessores, foi enfatizar a suma importância da economia para a decisão final do eleitor e, portanto todas as propostas da equipe de assessoria deveriam priorizar ações para melhoria da economia.

Nesse mesmo espírito, proponho aos gestores locais postar a frase “The cash flow, stupid!” na parede das suas respectivas salas de reuniões de diretoria e convocar a liderança da empresa para discutir uma série de medidas que possam ser tomadas para identificar e/ou mitigar riscos à geração de caixa. A seguir, proponho algumas ações práticas que podem ser aplicadas em praticamente todas as organizações com operações “B2B” em períodos de crise.

 

  • Focar na Geração de Caixa Operacional e na Liberação de Capital de Giro

Como meu estimado colega Salvatore Milanese comentou no seu artigo “Restructuring – o desafio da gestão de caixa”, publicado em 30 de abril de 2010 na newsletter da TMA Brasil, “A cultura empresarial muitas vezes se reduz a receita e lucro. Raramente se pensa em caixa e gestão do fluxo de entrada e saída de dinheiro.”. Como colocar em prática esse monitoramento de gestão de caixa num momento de crise?

Os componentes de Fluxo de Caixa Operacional (FCO) são: Receitas recebidas no prazo, menos Custos e Despesas pagos no prazo (sendo que o pagamento à vista representa um prazo de zero). O Capital de Giro é o termo utilizado para representar a necessidade ou excesso de capital para financiar os compromissos de curto prazo da companhia e é diretamente influenciado pelo: (I) prazo de recebimento de clientes; (II) prazo de recebimento de fornecedores; e (III) saldo de estoques (no caso de indústria).
Para maximizar o FCO é necessário adotar medidas gerenciais destinadas a cada item da equação acima:

  • Aumentar (e/ou fidelizar) receitas
  • Diminuir prazo de recebimento
  • Reduzir custos e despesas
  • Aumentar prazo de pagamento

Lembro que a fidelização de receitas/clientes, através de um contrato de longo prazo, por exemplo, representa um ativo (não contábil) para a empresa.

A seguir, algumas orientações práticas para mitigar riscos e/ou melhorar o desempenho de cada fator da equação:
Estratégias para Receitas e Prazo de Recebimento

  • Faça visitas pessoais, lideradas pela alta gestão, aos principais clientes, com os seguintes objetivos:
    • Entender sua situação financeira – Seus clientes estão enfrentando bem a crise?
    • Entender sua visão das tendências de mercado – Informação mercadológica privilegiada é mais uma ferramenta para enfrentar a crise. Utilize informações relevantes para refinar o orçamento, por exemplo.
    • Propor aumento de preços em produtos-chave – Faça um estudo detalhado (volumes, mix, etc.) dos seus pedidos anteriormente; a melhor defesa contra um eventual pedido de redução de preços pelos seus clientes é o ataque.
    • Propor a venda de novos produtos e serviços – Em conversas entre gestores sêniores, muitas vezes aparecem oportunidades, mesmo em épocas de crise.
    • Renovar contratos antecipadamente – Evite surpresas operacionais e financeiras; contratos renovados também são importantes fatores a favor nas negociações para renovações de contratos de crédito da sua organização.
    • Propor diminuição de prazo de pagamento – Neste ambiente de negócios, existem fundamentos óbvios para justificar um pleito dessa natureza, ainda mais quando é proposto pessoalmente pela alta liderança.
  • Tente, rapidamente, diversificar sua base de clientes para reduzir a concentração da sua carteira através das seguintes medidas:
    • Participação direta de toda a diretoria na prospecção de novos clientes – Propor uma meta para cada um dos diretores.
    • Acompanhamento pela alta direção da relação de key prospects em curso – Este apoio pode ser crítico na captura de alguns contratos-chave.

Estratégias para Custos/Despesas e Prazo de Pagamento

  • A missão é muito parecida com a de receita, só que em sentido “contrário”. Novamente, faça visitas pessoais, lideradas pela alta gestão, aos principais fornecedores, com os seguintes objetivos:
    • Entender sua situação financeira
    • Entender sua visão das tendências de mercado
    • Propor diminuição de preços em itens-chave
    • Renovar contratos de fornecimento antecipadamente
    • Propor aumento de prazo de pagamento
    • Se sua empresa estiver capitalizada, proponha a compra de recebíveis à vista, com desconto
  • Tente, rapidamente, diversificar sua base de fornecedores, através das seguintes medidas:
    • Diversificação temporária de fornecimento – Faça um teste com fornecedores alternativos para ter um Plano “B”, caso algum dos seus fornecedores-chave entre em crise. Se não possuem fornecedores alternativos homologados e/ou com condições comerciais atualizadas, estabeleça metas para tal junto à Diretoria de Supply Chain/Suprimentos.
    • Nas negociações com fornecedores alternativos, aproveite para propor preços e prazos de pagamento mais favoráveis em troca de fornecimento
    • Em alguns setores pode-se propor fornecimento em consignação – Esta transação pode ser atraente em algumas instâncias para diminuir o capital de giro investido, mas precisa ser avaliada cautelosamente.

Indústria e Estoques

No caso da indústria, também é necessário monitorar os saldos absolutos e a composição dos saldos de estoques. Seguem algumas iniciativas para melhorar o saldo de estoques e consequentemente liberar caixa operacional:

  • Faça uma análise da Curva ABC dos Estoques – Utilize essa análise para eliminar SKUs obsoletos, slow movers, etc.
  • Faça um inventário geral – Um inventário atualizado vai proporcionar mais eficiência ao setor de Supply Chain/Suprimentos (evitar compras desnecessárias, identificar perdas, etc.)
  • Faça uma visita às instalações industriais – Muitas vezes uma visita pode proporcionar oportunidades para melhorias operacionais.

Gestão de Recebíveis

Fundamental que haja um monitoramento da capacidade de pagamento dos principais clientes. Também é oportuno adotar uma estratégia de cobrança mais agressiva dos recebíveis vencidos há mais de 180 dias.

Importância do Foco e Participação da Alta Gestão

Qualquer dessas iniciativas tomam bastante tempo da alta direção - não tem atalho. É fundamental reunir-se com os gestores para costurar um alinhamento sobre quais atividades devem ser priorizadas por ter a maior chance de retorno com o menor esforço da diretoria.

Por fim, proponho encarar a crise como uma oportunidade para instalar metas agressivas para as áreas comercial e de suprimentos. As organizações que melhorarem seu desempenho nestas áreas diante deste ambiente altamente competitivo sairão bastante fortalecidas após a crise.

 

  • Monitorar cuidadosamente as demonstrações financeiras

É altamente recomendável que todos os gestores sêniores tenham o conhecimento e o hábito de apreciar não tão somente os relatórios gerenciais sobre suas respectivas áreas, mas também as demonstrações financeiras da empresa. Adicionalmente, importante que as demonstrações financeiras, isto é a Demonstração de Resultado, Balanço Patrimonial e Demonstração de Fluxo de Caixa (Método Indireto), sejam elaboradas mensalmente imediatamente após o fechamento contábil para que os valores possam ser avaliados em conjunto com o orçamento. Não por menos, a diretoria deve rever - rapidamente - os KPIs sendo acompanhados para que sejam priorizados os indicadores-chave que tenham impacto direto na geração de caixa, tais como Dias de Estoque.

Existe um modelo alternativo de acompanhamento do Fluxo de Caixa ainda pouco utilizado na gestão financeira, denominada Demonstrações de Origens e Aplicações do Caixa (DOAC). Segue um exemplo simplificado abaixo:

Demonstrações de Origens e Aplicações do Caixa (DOAC) – Versão Gerencial

Aplicações Origens
Clientes 200 EBITDA 602
Estoques 100 Impostos Diferidos 25
Pagamento de IR 140 Fornecedores 70
Investimentos/Capex 20    
Pagamento de Juros 20    
Pagamento de Principal 110    
Pagamento de Dividendos 60    
Total Aplicações 650 Total Origens 697
       
  Saldo de Caixa
no Período
47  

 

Este relatório pode ser adaptado e apresentado conforme a seguir:

Fluxo de Caixa Indireto – Versão Gerencial
EBITDA 602
Caixa de Operações: 602
   
(-) Clientes (200)
(-) Estoques (100)
(-) Pagamento de IR (140)
(+) Impostos Diferidos 25
(+) Fornecedores 70
Caixa de Capital de Giro: (345)
   
Total Caixa Operacional: 257
   
(-) Investimentos/Capex (20)
Caixa de Investimentos (20)
   
Excesso / (Déficit) de Caixa antes de Obrigações Financeiras e Societárias 237
   
(-) Pagamento de Juros (20)
(-) Pagamento de Principal (110)
Caixa com Obrigações Financeiras (132)
(-) Pagamento de Dividendos (60)
Caixa c/Obrigações Financeiras e Societárias (190)
   
Excesso / (Déficit) de Caixa no Período 47

 

A vantagem de apresentar o relatório dessa forma é que o entendimento da capacidade da empresa de arcar com seus compromissos financeiros (e/ou societários) fica claramente evidenciada (vejam as linhas grifadas no quadro acima).

A empresa no exemplo acima gera 11,8x o caixa necessário para arcar com Juros e 2,2x o caixa para arcar com Principal. Muitas vezes, os Covenants em contratos de dívida monitoram o EBITDA / Pagamento de Juros, que, no nosso cenário, resulta em um valor de 30,1x. Acontece que este indicador não captura os impactos de Capital de Giro e de Investimentos/Capex e, conforme nosso exemplo acima, distorce a verdadeira situação de geração de caixa disponível para o Serviço da Dívida. Evidentemente, uma análise de capacidade de serviço de dívida engloba um conjunto de indicadores, mas o objetivo foi destacar que um dos indicadores mais utilizados para acompanhar níveis de alavancagem pode levar a conclusões errôneas, ainda mais se considerado isoladamente.

A apresentação desse relatório, ou uma versão similar, nas reuniões mensais, em conjunto com as demonstrações financeiras e demais indicadores financeiros e operacionais (KPIs), agregará bastante valor a análise da verdadeira saúde financeira da companhia.

 

  • Monitorar atenciosamente a capacidade de serviço da dívida

Caso sua empresa seja alavancada, utilize-se das ferramentas que foram descritas acima para monitorar atentamente a capacidade de serviço de dívida realizada e projetada.

 

  • Evitar uma crise de liquidez através de negociações antecipadas com credores

Se seu planejamento financeiro prevê que a empresa enfrentará uma crise de liquidez nos próximos trimestres, seja proativa e procure seus credores para renegociar a dívida. Seu poder de negociação é muito mais forte enquanto ainda possui liquidez e esteja em dia com suas obrigações.
Sua organização somente terá condições de prever uma eventual crise de liquidez, se tiver as principais ferramentas de controle financeiro e orçamentário atualizadas.

 

  • Monitorar cuidadosamente os investimentos em curso (Capex)

Na execução de grandes projetos de investimento, tais como obras, aquisições de equipamentos, etc. sua organização está sujeita novamente ao risco de incapacidade de fornecimento, por motivos de saúde financeira de fornecedores. Portanto, é fundamental checar a capacidade financeira desses fornecedores e preparar um Plano “B” caso haja um risco. No caso, onde o investimento foi financiado com recursos de dívida, a atenção deve ser redobrada – os planos de contingência para esses projetos devem ser priorizados.

Um exercício orçamentário bastante útil é simular potenciais atrasos dos principais projetos e seu impacto na geração de caixa futura.

Por fim, recomenda-se que os cronogramas físicos-financeiros sejam apresentados nas reuniões mensais para evitar surpresas e permitir que a diretoria tenha proximidade aos projetos críticos que possam impactar o fluxo de caixa futuro.

 

  • Monitorar seus funcionários-chave

Muitas vezes, when the going gets tough, the tough get going, literalmente! Monitore atentamente seus funcionários-chave de middle e senior management. Se eles perceberem a iminência de uma crise de liquidez e abandonarem sua organização, seu desfalque desviará a atenção de gestores sêniores de atividades importantes, justamente num momento crítico. Prepare um plano de contingência caso algum funcionário-chave deixe a empresa.

 

  • Buscar maior eficiência com despesas gerais e administrativas

Estabelece uma meta de redução de 20% de despesas gerais e administrativas. Existem uma série de iniciativas que são fáceis de implementar com impacto imediato, tais como substituição de telefonia fixa e móvel por serviço de VOIP, utilização de geradores em horário de pico, compra antecipada de viagens, utilização de aeroportos secundários, renegociação de contratos de aluguel, telefonia móvel, etc.

 

  • Buscar maior eficiência no quadro de pessoal

Em qualquer organização existe a oportunidade para otimizar o quadro de pessoal. Solicite ao gestor de recursos humanos um estudo sobre otimização. Atenção para que este assunto seja tratado de forma absolutamente sigilosa.

 

  • Fazer uma revisão fiscal

O Leão está faminto! Recomenda-se uma avaliação fiscal para verificar se todas as obrigações fiscais estão sendo corretamente controladas para evitar multas. Atenção especial para as obrigações acessórias.

 

  • Monetizar seus ativos intangíveis

Existem oportunidades de monetizar ativos intangíveis. Um exemplo é a “venda” da folha de pagamento a uma instituição financeira. Faça um brainstorming com a equipe e outras oportunidades surgirão.

 

  • Criar um Conselho Consultivo

Faz ainda mais sentido em um momento de crise se cercar de mais mentes pensantes. Um Conselho Consultivo composto por executivos aposentados do seu setor e executivos do mercado financeiro e/ou de gestão, pode agregar bastante valor no ato da tomada de decisões críticas em meio a tanta incerteza. É uma forma de mitigar riscos estratégicos à sua organização.

 

  • Buscar fusões e aquisições

Um cenário de crise é um momento de oportunidades. Seus concorrentes podem estar com dificuldades de liquidez e mais receptivo a uma proposta de compra ou de fusão em condições favoráveis para sua organização. Fique atento aos movimentos do seu mercado.

Uma fusão ou aquisição podem resultar em sinergias operacionais e financeiras que aumentarão o seu fluxo de caixa.

  • Considerar capitalizar-se através da entrada de um sócio financeiro

Um sócio financeiro pode agregar bastante valor, dando acesso a capital neste momento de oportunidades, tais como aquisições. Estar bem capitalizado também mitiga o risco de uma crise de liquidez.

Importante enfatizar que um bom sócio financeiro agrega não tão somente capital, mas apoio à alta gestão nos momentos de tomada de decisões estratégicas, com base na experiência adquirida em investimentos anteriores. Passada a crise, este sócio poderá agregar ainda mais valor, apoiando iniciativas de governança corporativa, fusões e aquisições, etc.

 

Conclusão

Este artigo não tem a intenção de elencar todas as medidas-chave que podem ser tomadas pela alta gestão perante um ambiente de crise. A intenção foi de provocar o leitor a refletir sobre algumas ações importantes e incentivá-lo a pensar sobre outras medidas que podem ser adotadas na sua organização. Neste intuito, sugiro a leitura do livro “Double Your Profits” do Bob Fifer.

Por fim, volto a enfatizar a importância de uma gestão bastante participativa pela diretoria em momentos de crise. A liderança dos gestores sêniores é imprescindível, não somente para garantir o funcionamento do dia a dia da companhia neste ambiente complexo mas também colocar em prática planos de mitigação de riscos a geração de caixa e de melhorias operacionais que muitas vezes enfrentam resistência a mudanças.

Autor(a)
André Valverde
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