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Perigoso julgamento para alienação fiduciária

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O Superior Tribunal de Justiça, em junho de 2022, afetou 3 recursos especiais, para julgamento
sob a sistemática dos recursos repetitivos, para “Definir se há responsabilidade tributária solidária
e legitimidade passiva do credor fiduciário na execução fiscal em que se cobra IPTU de imóvel
objeto de contrato de alienação fiduciária.” (Tema Repetitivo 1.158).
Em decorrência, suspenderam-se todos os recursos interpostos ao STJ para travar o mesmo
debate. O Ministério Público Federal opinou pelo reconhecimento da responsabilidade tributária do
credor fiduciário.
Essa pretensão da Fazenda e a existência da discussão gera extrema insegurança jurídica e pode
trazer consequências catastróficas não apenas para os credores, mas para todo o sistema de
financiamento imobiliário (SFI) e a economia do país.
A alienação fiduciária de imóveis é tipo de negócio jurídico indireto que não visa a transmissão
definitiva da propriedade plena do bem ou do seu domínio direto ao credor. Na verdade, tem
como finalidade constituir garantia que poderá ser executada para recuperação do crédito,
conforme procedimento extrajudicial definido na Lei nº 9.514/1997 – que costuma ser mais célere
e com menos custos do que a execução de garantia hipotecária.
Essa garantia não apenas permite que se pratiquem taxas mais favoráveis, ao diminuir o risco de
crédito, como é uma das pedras de toque de todo o SFI. Em muitas hipóteses, a alienação
fiduciária é exigida para viabilizar os financiamentos, que inexistiriam, não fosse pela garantia.
O risco de o credor ser responsabilizado pelo pagamento de tributos vinculados ao imóvel,
todavia, adiciona uma variável de todo indesejada pelos credores e agentes que integram o SFI.
Em primeiro lugar, a pretensão da Fazenda contraria o disposto no art. 27, § 8º, da Lei nº
9.514/1997, segundo o qual o Fiduciante (devedor) responde pelo “pagamento dos impostos,
taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair
sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para o fiduciário, nos termos deste artigo, até a
data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse.” Ou seja, a lei reconhece que o credor não é
responsável pelos tributos, especialmente antes da execução da garantia.
A Fazenda, entretanto, pretende responsabilizar os credores fiduciários antes da execução da
garantia. Essa pretensão não apenas contraria o disposto em lei e gera insegurança jurídica, como
poderá prejudicar a manutenção de todo o SFI.
As instituições que integram o SFI, para fazer frente a essa potencial escalada do risco,
provavelmente, aumentarão as taxas de financiamento. Essa é a premissa básica do mercado
financeiro: quanto maior o risco, maior o retorno exigido.

Em algumas situações mais críticas (o que não se espera), os financiadores poderão deixar de
ofertar o financiamento imobiliário, por entender que a remuneração não compensará o risco, sem
contar os possíveis percalços no enforcement deste tipo de garantia fiduciária, entre outros
motivos.
A pretensão de arrecadação da Fazenda Pública, portanto, não apenas causará prejuízos a
credores que não são proprietários dos imóveis, como reduzirá o acesso a crédito imobiliário para
a população brasileira, à qual deve ser garantido o direito à moradia, e para muitos agentes de
mercado, provocando desaceleração em setor vital para a economia e desenvolvimento do país.
Considerando a importância do tema, o STJ pode se valer da ajuda de entidades que, por sua
experiência, podem contribuir com julgamento do recurso, na qualidade amicus curiae, como
autorizado pelo art. 138 do Código de Processo Civil.
A intervenção no Tema Repetitivo 1.158, inclusive, foi pleiteada pela Associação das Entidades de
Crédito Imobiliário e Poupança - ABECIP e a Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN. O STJ,
surpreendentemente, indeferiu o ingresso, por entender não estar “demonstrada a utilidade na
participação, sob a ótica do interesse institucional e da expertise técnica das entidades no tema
em disputa.”, assim como que o interesse delas seria eminentemente jurídico para defender as
classes representadas, e a preservação do interesse público.
Respeitado o entendimento do STJ, todavia, quer parecer que a intervenção destas entidades,
além de representantes de outros setores, pode trazer inegáveis contribuições para a solução de
controvérsia que pode repercutir para setores sociais e econômicos.
O STJ tem em suas mãos recurso cujo resultado do julgamento é essencial para um número
inestimável de indivíduos e agentes econômicos, diante da natureza repetitiva da solução da
controvérsia.
Para além de analisar a legislação, os princípios jurídicos aplicáveis e o potencial ganho
arrecadatório para o Estado, é primordial que o Tribunal avalie também o risco sistêmico para o
SFI, para o desenvolvimento do ambiente de negócios e para a população brasileira, que poderá
ver o acesso ao crédito imobiliário drasticamente reduzido.
Os agentes de mercado, a cada vez mais, clamam por segurança jurídica, que deve nortear não
apenas a atuação do legislador, mas também do poder judiciário - especialmente no julgamento
de Temas Repetitivos que podem impactar um número infindável de agentes e relações jurídicas.
Luis Fernando Batista Hiar é advogado, membro da Comissão de Direito Bancário da OAB-SP, pós-
graduado em Contratos Empresariais pelo Insper e graduado pela Universidade de São Paulo

Autor(a)
Luis Fernando Batista Hiar

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