Como muitas das inovações financeiras dos tempos modernos, o início da atuação de fundos especializados em investimentos em empresas em crise, deve-se à atuação dos assim chamados "Vulture Funds" (tradução livre: fundos abutres) no começo dos anos 90 nos Estados Unidos. As oportunidades para tais investidores, que tecnicamente eram/são fundos que investem em títulos acionários ou de dívida de empresas em crises, surgiram devido a falência de empresas que tinham acumulado altos níveis de dívida na década de 80, na sua maioria por consequência de operações de fusões ou aquisições alavancadas ("leverage buy out").
Tecnicamente, poderíamos classificar os Vulture Funds em:
- Vulture Funds passivos, que efetuam investimentos em posições minoritárias, não se envolvem na gestão das empresas investidas, atuam seguindo lógicas de diversificação da carteira de investimento e investem apenas em ações ou debêntures negociadas em mercados oficiais;
- Vulture Funds ativos: efetuam investimentos minoritários, porém se envolvem na preparação do plano de reestruturação e turnaround e compram sempre títulos (ações ou debêntures) de empresas listadas;
- Vulture Funds aggressivos: que entram exclusivamente em posição de controle, comprando ações ou debêntures de empresas listadas (líquidas) ou não listadas (ilíquidas) em quantidade suficiente para influenciar e dirigir o resultado do processo de reestruturação;
Alguns fundos se especializaram na aquisição de carteiras de crédito corporativos inadimplidos e em contencioso, pertencentes a bancos. Mas esta é uma atividade diferente, onde prevalece o viés jurídico e não se faz necessário possuir competências de investidor de "private equity".
As atividades dos Vulture Funds agressivos evoluiu muito nos EUA graças também ao quadro normativo do Chapter 11 (Recuperação Judicial), procedimento através do qual se dá preferência a alternativas de recuperação de uma empresa em crise e não a sua liquidação, prevendo toda uma série de garantias contra a sucessão fiscal e trabalhista, por exemplo, para quem investe na empresa em crise ou adquire ativos da mesma. A estratégia típica dos Vulture Funds agressivos americanos no Chapter 11 é comprar créditos de bancos ou debêntures contra a empresa, com grande desconto, numa quantidade suficiente para obter a maioria dentro da assembleia de credores, influenciando a estrutura do plano de reestruturação a seu favor.
Serão objeto deste capítulo os Vulture Funds agressivos, ou seja, os fundos que investem em posição de controle e se envolvem profundamente no processo de reestruturação das empresas investidas. A partir daqui, dada a conotação negativa que tem a denominação americana para estes investidores (fundos abutres), os chamaremos apenas de fundos especializados em turnaround ou situações especiais (special situations).
Na nossa visão a presença desse tipo de investidor permite a manutenção da atividade das empresas, possibilitando a geração de "valor social", pois os investimentos efetuados por esses fundos/investidores constituem para empresários, bancos, trabalhadores e também para as instituições públicas uma alternativa à liquidação das empresas, que gera enorme destruição de valor econômico e social.
A entrada desses investidores em empresas em crise, porém com o business viável, isto é, aptas a recuperar valor, preserva o nome, a história e o know-how acumulado, salva determinados níveis de emprego; permite, preservando-se a cadeia de suprimento, manter a continuidade do fornecimento de produtos e serviços e não menos importante, possibilita uma maior e mais rápida recuperação de créditos, do fisco, dos fornecedores, dos trabalhadores, dos entes de previdência e em parte dos bancos. Este tipo de investidor agrega valor graças a sua enorme especialização, aportando experiência em situações onde outros enxergam apenas grandes riscos.
A capacidade de negociação destes fundos, de estruturar aportes financeiros rápidos é fundamental para reduzir os prazos e os custos da crise de uma empresa. Mas somente isso não basta, pois esses investidores agem com uma forte abordagem "hands-on", reforçando a estrutura de gestão e introduzindo especialistas em reestruturação e turnaround para que seja rapidamente reestabelecida a credibilidade e mesmo a confiança e entusiasmo internos.
Forma de atuação dos fundos de turnaround e special situations
Para iniciar, deveríamos dizer que investimentos em empresas em crise ou special situations poderiam ser enquadrados, porém não se limitando, às situações como:
1) empresas/negócios em crise financeira, com problemas de alto endividamento (crise financeira);
2) empresas/negócios com problemas econômicos temporários ou transitórios (crise econômica transitória);
3) empresas que atuam em segmentos não atendidos ou descuidados temporariamente pelo setor financeiro;
4) casos de empresas ou negócios com problemas de governança (conflito entre sócios, venda obrigatória de ativos, etc.);
5) portfolio de negócios com segmentos que devem ser vendidos ou descontinuados por não serem mais estratégicos para o grupo ao qual pertencem;
6) empresas ou negócios com performance abaixo do desejado e pertencentes a private equities que chegaram próximo ao seu período máximo de investimento.
Qualquer que seja a situação/contexto na qual se enquadra o investimento, estes fundos seguem na sua filosofia de investimento alguns princípios básicos, tais como:
1) a empresa ou o negócio que recebem o investimento deve ter um "core business" com potencial inexplorado, claramente identificável, apesar da situação de crise financeira ou de baixa performance;
2) a filosofia de investimento será sempre a de "value investor", na exceção que o investidor se envolve em situações percebidas pelo mercado como sendo extremamente complexas e quase impossíveis para se resolverem, portanto com um nível de risco elevadíssimo (goodwill negativo) e com extrema depreciação dos ativos;
3) procuram gerar retornos superiores, se transformando em "chave para a mudança", injetando não somente dinheiro novo, mas sobretudo competências de gestão e administração com uma forte abordagem "hands-on", gerando credibilidade através de competência introduzida na gestão da crise.
Entre os típicos "critérios de investimentos" podemos identificar:
- a preferência por uma posição majoritária ou pelo menos de controle sempre e em qualquer contexto, voltada a assegurar a direção e o governo das difíceis decisões a serem tomadas;
- investimentos em setores que possam se beneficiar de tendências macroeconômicas de crescimento ou que estejam passando por um processo de consolidação;
- investimentos em negócios ou setores onde o administrador do fundo investidor e seu time tenham uma expertise específica (tenha sido, por exemplo, CEO de empresas do setor);
- situações de empresas underperforming mas com patrimônio líquido positivo, ou de empresas com patrimônio liquido negativo mas com potencial operacional muito grande ou ainda empresas pertencentes a grupos/acionistas em dificuldades financeiras.
A forma de entrada desses investidores no capital das empresas targets pode variar, mas geralmente identificam-se duas técnicas:
1) compra da empresa através de injeção de capital durante o período de declínio, sem que um default ou uma crise mais evidente tenha se manifestado. Desta forma, compra-se barato, almejando criar valor através da subsequente reestruturação do negócio;
2) compra do controle da empresa/negócio dentro de procedimentos concursais, seja adquirindo diretamente o controle do capital no contexto das medidas de recuperação oferecidas pelo procedimento ou assumindo o controle através de troca de dívida adquirida previamente no mercado (via bancos ou fundos) pelo capital da empresa target. Neste caso, os investidores procuram direcionar o processo de reestruturação judicial em seu próprio benefício, assumindo posições majoritárias como credores da empresa.
Quando a entrada se der no contexto de procedimentos concursais (Recuperação Judicial ou Extra Judicial no Brasil), é muito importante para o sucesso da operação que os procedimento concursais sejam "pró-recuperação" e não "pró-liquidação", apresentando soluções que favoreçam a entrada de investidores que tenham um conhecimento profundo da lei de falências e recuperação daquele país nos quais efetuam seus investimentos.
A presença deste tipo de investidor no Brasil
A presença de investidores em empresas em crises ou situações especiais no Brasil não é fácil de ser mapeada. Não existem dados claros e transparentes sobre o volume de recursos investidos por private equities ou fundos de distress em empresas em crise. Os dados mais recentes da ABVCAP (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital) nos mostram que o valor total investido por private equity funds ou similares entre 2008 a 2013 acumula R$ 71 bilhões. Infelizmente este dado não nos diz quanto desse montante foi destinado a empresas que precisavam de turnaround ou que estavam em crise financeira, tampouco reporta a quantidade de fundos que adotam essa estratégia de investimento no Brasil.
Existem hoje no Brasil vários investidores em distressed assets, mas muitos destes se especializaram em comprar carteiras de créditos inadimplidos corporativos ou ao consumidor. Temos notícia de operações típicas de fundos de turnaround e special situations, mas é necessário frisar que os fundos que oficialmente foram constituídos no Brasil para operar esta estratégia de investimento são raros.
Um bom parâmetro para mapear esse mercado seria identificar seu potencial atual através do volume de inadimplência, conforme dados do Banco Central do Brasil (BC), aliados às estatísticas do número de recuperações judiciais deferidas. Os dados do BC nos dizem que entre 2011 a 2013 o estoque de crédito vencido de 90 a 360 dias nos balanços dos bancos passou de R$97 bi a R$130 bi, 34% de aumento. Adicionalmente, as estatísticas de deferimentos de procedimentos de recuperação judiciais nos mostram que no mesmo período (2011 a 2013) tivemos 397 recuperações judiciais deferidas em 2011, 618 em 2012 e 690 em 2013, sendo que as grandes empresas deste universos totalizaram 55 em 2011, 98 em 2012 e 124 em 2013 (Dados Serasa Experian).
O crescimento econômico experimentado pelo Brasil nos últimos anos e o consequente crescimento de seu mercado de capitais determinaram que o estoque de dívida captada por corporações brasileiras passasse de 37% do PIB no inicio de 2011 para 48% do PIB em dezembro de 2013 conforme dados do banco Central do Brasil). Muitas empresas de médio porte em setores emergentes tais como petróleo e afins, setor sucro-alcooleiro, construção cível, frigoríficos, alimentos e educação, entre outros, captaram dinheiro no exterior através de títulos definidos de high-yield (de alto rendimento). Hoje, muitas dessas empresas estão em default ou com grandes dificuldades para refinanciar a própria dívida no mercado internacional.
Os dados anteriores, lidos junto à analise da atual situação macro econômica do Brasil e as projeções para 2015 e 2016 apontam para um cenário muito favorável aos fundos que investem em situações de turnaround e special situations. Este tipo de negócio é geralmente contra-cíclico, sendo que as oportunidades aumentam com um ciclo de baixa na economia. Adicionalmente, e diferentemente do nicho de private equity puro, onde fundos de private equity atuam de forma sempre mais global, o arcabouço legal e os procedimentos concursais (Lei de Falências e Recuperações de Empresas) de uma dada geografia/pais condicionam ou impulsionam fortemente este mercado, determinando portanto especialização por geografia.
A reforma da Lei de Falências como maior incentivo para este tipo de investidor
Com a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresa (NLFR), que entrou em vigor em meados de 2005, mais oportunidades foram geradas no Brasil para distressed investors, abrindo um campo de atuação muito grande para fundos de turnaround e special situations.
A NLFR tem como propósito principal preservar o negócio em funcionamento, protegendo assim os postos de trabalho em detrimento dos interesses dos acionistas da empresa em crise, que se subordinam ao objetivo social da Lei. Por esta razão, a NLFR introduziu um dispositivo antes não previsto nos procedimentos concursais no Brasil: a possibilidade de vender ativos ou unidades de negócios independentes sem que o comprador seja responsabilizado pelos passivos fiscais e trabalhistas pregressos.
Conforme Lei anterior, exceto para a venda de ativos efetuada dentro do contexto da falência, o comprador desses ativos estava sujeito à responsabilidade sucessória de todos os passivos tributários e trabalhistas, tanto conhecidos como ocultos quando do momento da compra. Considerando que normalmente uma empresa em crise atrasa impostos e acumula dívida trabalhista como forma de "gestão" do status de iliquidez, era impensável obter uma avaliação atrativa ou até manifestação de interesse por parte de investidores, especialmente quando os tributos e obrigações trabalhistas devidos e atrasados excedessem o valor intrínseco dos negócios/ativos, inviabilizando, assim, sua transferência. Permitindo que a venda possa envolver ativos ou unidades isoladas sem riscos de sucessão tributária e trabalhista, a NLFR praticamente elimina a necessidade de prolongados processos de due diligence para a estimativa de passivos, criando oportunidades de geração de valor quando as empresas em crises, com passivos fiscais e trabalhistas, necessitam trilhar uma solução de reestruturação através da venda rápida de ativos ou unidades isoladas, que só pode ser viabilizada utilizando-se desse novo dispositivo da NLFR.
A venda de ativos ou unidades isoladas pode ser prevista dentro dos planos de recuperação apresentados no contexto da recuperação judicial e deve ser aprovada pelos credores. Quando essa venda envolver ativos ou unidades dadas em garantia a credores específicos, estes últimos deverão manifestar-se favoravelmente permitindo que a operação possa ser realizada, liberando as garantias. A venda de filiais, ativos ou unidades produtivas isoladas está prevista no artigo 60 da NLFR, que assim reza:
"Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.
O artigo 141 reafirma o conceito de não sucessão: "Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo...
"II - o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho"
A venda deverá ocorrer quando possível ao disposto do artigo 142, o qual define as três modalidades, incluindo leilão por lances orais, propostas fechadas e pregões. A Lei também é flexível, pois o artigo 144 prevê que "Havendo motivos justificados, o juiz poderá autorizar, mediante requerimento fundamentado do administrador judicial ou do Comitê, modalidades de alienação judicial diversas das previstas" e mencionadas anteriormente.
De fato, a NLFR gerou um escudo contra possíveis passivos trabalhistas e/ou fiscais, criando incentivos tanto para as empresas em recuperação judicial venderem seus ativos para implementar seus planos de reestruturação quanto para potenciais investidores.
É importante notar que esse "escudo" não existe quando o comprador é um indivíduo (ou indivíduos) próximos ao devedor, de acordo com os três itens do parágrafo 1 do artigo 141:
"I - sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; II - parente, em linha reta ou colateral até o 4º (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou III - identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão.
Em relação aos funcionários, a NLFR deixa claro que eles devem ser admitidos pelo novo proprietário da parte eliminada com novos contratos de trabalho, e o comprador não deve ser responsável pelo passivo vinculado aos antigos contratos.
A jurisprudência tem se mantido favorável a não sucessão de passivos trabalhistas, firmando o espírito da NLFR de manter os investidores em um processo de recuperação judicial livres, de qualquer passivo. Em resumo, a NLFR introduz um instrumento valioso para investidores dispostos "a fazer sua lição de casa" e a explorar as possibilidades oferecidas pela lei, sendo por meio de participação ativa em processos de recuperação judicial já em curso ou através de um pacote predefinido de recuperação, no qual os termos são negociados entre o devedor, o investidor e os principais credores, mesmo antes da empresa requerer uma recuperação judicial.
Desde a introdução deste quadro normativo, temos visto várias operações serem efetuadas no Brasil - Varig, Parmalat, Dudony, Nolem, Frigorifico Independência, Imcopa - principalmente com a intervenção de investidores estratégicos e muito pouco com fundos especializados em turnaround e special situations.
Conclusões
Os elementos chave para investir em casos de turnaround e special situations, consistem em ter uma legislação favorável a recuperação de empresas ao invés da liquidação. No Brasil, a NLFR de 2005, introduziu normas que possibilitam a transferência de ativos da mesma empresa para novos investidores no contexto do mesmo procedimento concursal. Mas como dito, isso não é suficiente, há a necessidade de incentivar a constituição de fundos especializados nessa industria, dando incentivos e permitindo que recursos institucionais (de fundo de pensão por exemplo ou de bancos de desenvolvimento) participem no fomento destas atividades/investimentos.
Dada a complexidade das operações de investimento em special situations, apenas investidores especializados podem e devem operar neste segmento. Por quanto possam ser relevantes as competências operacionais e jurídicas, os skills realmente que contam dizem respeito a capacidade de identificar valor dentro de situações extremamente complexas, com rapidez, atuando com agilidade na implementação de iniciativas de valorização dos ativos.
O Brasil possui hoje um arcabouço legal, competências administrativas em fundos de investimentos e um ambiente favorável com oportunidades relevantes que com certeza serão determinantes para fazer florescer esta importante industria.
Teresa Simoes é Sócia fundador Pantalica Partners.
Antonio Bruno Carvalho é Sócio fundador Pantalica Partners.