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Recuperação judicial e o Consórcio: impactos da crise econômico-financeira de uma consorciada

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O caráter multifacetário (jurídico, econômico e social) da Lei 11.101/2005 (LREF) faz com que as demandas que circunscrevem seus dispositivos legais sejam de natureza variada e, muitas vezes, de complexo equacionamento. Ao longo de seus 10 anos de vigência, vários foram os temas debatidos pela doutrina, enriquecidos pela prática e sedimentados pela jurisprudência.

A juventude do referido diploma legal contrapõe-se à complexidade dos interesses que orbitam no seu entorno. E os intérpretes e profissionais do direito anteveem um percurso com enormes desafios, muitos deles inimagináveis quando da sua concepção.

Nesse contexto, um dos temas mais atuais do direito recuperatório brasileiro diz respeito aos impactos que a recuperação judicial de uma consorciada pode acarretar no âmbito de um contrato de consórcio, regrado pela Lei 6.404/76 (LSA) nos arts. 278 e 279.

A urgência e a relevância do assunto decorrem de pelo menos dois fatores elementares: (i) a omissão da LREF no tratamento da matéria; e (ii) a dimensão do problema, potencializada pela crise econômica que assombra o país.

Se, do ponto de vista societário, a veste jurídica e o arcabouço legal asseguram ao regime do consórcio certa margem de segurança operacional, em uma perspectiva recuperatória, a omissão da LREF traz uma série de dúvidas e questionamentos, cuja resposta não advém de um simples silogismo legal.

Assim, cumpre analisar os aspectos jurídicos inerentes ao tema, na tentativa de contribuir para o preenchimento da lacuna legislativa, doutrinária e jurisprudencial existente.

A rigor, o fato de uma sociedade consorciada estar em recuperação judicial não altera seu regime com relação ao consórcio, nem com as demais consorciadas ou terceiros. Na verdade, a sociedade consorciada (em recuperação judicial) continuará exercendo sua atividade empresária, cumprindo sua função no empreendimento e permanecendo como parte do consórcio.

Essa constatação, porém, não invalida a conclusão de que o advento da recuperação judicial de uma consorciada pode, além de afetar a relação externa do consórcio junto aos clientes, acarretar uma série de impactos tanto perante terceiros credores quanto perante as demais consorciadas, bem como ensejar outras eventuais consequências perante órgãos públicos, por exemplo.

Sem intenção de esgotarmos o assunto, exporemos abaixo algumas das conclusões a que chegamos a partir de reflexões sobre casos práticos que se puseram diante de nós nos últimos tempos:

Sujeição dos credores da consorciada à recuperação judicial: os terceiros credores de sociedade consorciada em recuperação judicial (ou extrajudicial) devem verificar o momento do nascimento do seu crédito; se for anterior à distribuição do pedido, estará sujeito ao procedimento, podendo direcionar processo de execução autônomo em face dos demais consorciados, caso sejam responsáveis solidários.

Créditos das consorciadas frente à recuperação judicial de uma delas: os créditos de titularidade de uma ou mais consorciadas devem ser apurados nos termos do contrato de consórcio (e/ou do regulamento interno), cuja solução/procedimento a ser adotado pode ser de ordem variada, destacando-se a possibilidade de solução interna corporis da relação creditícia, sem necessidade de sujeitá-la à recuperação judicial (ou extrajudicial).

Possibilidade de exclusão do consórcio de empresa consorciada em recuperação judicial: as consorciadas podem adotar medidas eventualmente previstas no contrato de consórcio (e/ou no regulamento interno), as quais podem determinar, inclusive, a exclusão da consorciada em recuperação (seja porque existe previsão de exclusão — resolução do contrato — em caso de distribuição do pedido, deferimento do processamento ou concessão de recuperação judicial — ou distribuição do pedido ou homologação de recuperação extrajudicial —, seja porque existe previsão de que o descumprimento de determinadas obrigações pode ensejar o afastamento da consorciada inadimplente), embora a validade/eficácia de algumas dessas previsões seja questionável.

Extinção do consórcio: além do que acima expusemos, parece que a recuperação judicial (ou extrajudicial — ou mesmo a falência) de uma das consorciadas, ainda que em decorrência de medidas adotadas no âmbito interno do consórcio, pode ensejar a extinção do próprio consórcio (a depender das circunstâncias do caso e das previsões existentes no contrato de consórcio).

Contratos das consorciada que viabilizam o empreendimento em torno do qual o consórcio é celebrado: ainda, eventuais contratos de financiamento celebrados para a realização de determinados empreendimentos podem conter cláusulas restritivas à recuperação judicial (extrajudicial ou falência) de alguma das consorciadas, podendo acarretar o vencimento antecipado da dívida. Da mesma forma, deve-se atentar para os impactos que a recuperação judicial (ou extrajudicial – ou falência) de uma consorciada possa trazer na relação com o Poder Público – bem como eventuais efeitos que a tomada de certas medidas no bojo do consórcio (como a eventual exclusão ou a diluição da participação de uma consorciada) possa ocasionar nos contratos firmados com a Administração Pública.

Restrições contratuais do consórcio à recuperação judicial: finalmente, o contrato de consórcio (ou seu regulamento interno) pode estabelecer restrições à recuperação judicial (ou extrajudicial) da consorciada e/ou de sua controladora, tais como a vedação da troca de controle, direta ou indireta, das consorciadas, como medida recuperatória. A própria cessão da posição no consórcio como meio de recuperação pode encontrar obstáculos: nesse particular, é possível imaginar que a natureza personalíssima do consórcio, mesmo na ausência de cláusula específica, possa impedir a cessão da posição contratual da consorciada (e, conforme o contexto fático, o próprio controle) sem anuência das demais consorciadas ou, ao menos, sem a aprovação delas segundo as regras fixadas no contrato de consórcio.

Verdade é que os efeitos e a problemática da recuperação judicial de uma das consorciadas, no âmbito do contrato de consórcio, podem ir muito além do ora exposto, sendo tema que desafiaria, inclusive, indagações acadêmicas mais ambiciosas. Serve o presente artigo de provocação aos próximos que se entregarão ao temas.

Autor(a)
Gilberto Deon Corrêa Jr, João Pedro Scalzilli, Rodrigo Tellechea, Luis Felipe Spinelli
Informações do autor
Gilberto Deon Corrêa Júnior é mestre em Direito Privado pela UFRGS. LL.M. pela NYU. Advogado. Sócio do escritório Souto, Correa, Cesa, Lummertz & Amaral Advogados.

João Pedro Scalzilli é professor de Direito Empresarial da PUCRS. Doutor em Direito Comercial pela USP. Mestre em Direito Privado pela UFRGS. Especialista em Direito Empresarial pela UFRGS. Advogado. Sócio do escritório João Carlos e Fernando Scalzilli Advogados & Associados.

Luis Felipe Spinelli é professor de Direito Empresarial da UFRGS. Doutor em Direito Comercial pela USP. Mestre em Direito Privado pela UFRGS. Especialista em Direito Empresarial pela UFRGS. Advogado.
Sócio do escritório Souto, Correa, Cesa, Lummertz & Amaral Advogados.

Rodrigo Tellechea é doutor em Direito Comercial pela USP. Especialista em Direito Empresarial pela UFRGS. Especialista em Liderança e Negócios pela McDonough School of Business, Georgetown University. Advogado. Sócio do escritório Souto, Correa, Cesa, Lummertz & Amaral Advogados.

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