Mais do que gerar lucros para os sócios e acionistas, as empresas também possuem uma função social. Isso porque a atividade empresarial implica em recolhimento de tributos e criação de empregos, o que permite a circulação de recursos nos mais diversos setores, auxiliando no desenvolvimento econômico do país.
Por esse motivo, quando um empreendimento se extingue, o trauma se estende para além da estrutura societária. Surgem desempregados, bancos descontentes, fornecedores com as mãos abanando e clientes sem atendimento – o governo fica com um contribuinte a menos.
Para prevenir esse cenário de desalento, em 2005 era aprovada a Nova Lei de Falências, em que se via a oportunidade de proporcionar às empresas com dificuldades em honrar seus compromissos uma chance de se recuperar, manter empregos e continuar recolhendo impostos, com a criação de uma nova ferramenta jurídica: a Recuperação Judicial
Com a Recuperação Judicial, as companhias em situação crítica teriam uma segunda chance para apresentar um plano de negócios em juízo, submetê-lo à aprovação dos credores e executá-lo. O arcabouço legal, bastante detalhado, parecia fazer sentido. Mas, passados cinco anos, a recuperação funcionou na prática?
No caso da Eucatex, em que a empresa tinha obrigações de aproximadamente R$ 485 milhões com fundo de pensão e instituições financeiras, a Recuperação Judicial aparentemente funcionou. Houve dificuldades para a aprovação do plano de recuperação, contudo, após sua homologação, em dois anos a empresa conseguiu executar todas as ações propostas, sair revitalizada do processo e ainda ter uma valorização substancial de suas ações em bolsa.
Contudo, no jardim das recuperações judiciais, nem tudo são flores. Devido às dificuldades em que a empresa se encontra, pagamentos a bancos, funcionários e fornecedores são sistematicamente atrasados ou deixados em aberto, arranhando a relação de confiança que existe entre todos os que convivem com a organização. Fica sempre a dúvida com relação ao futuro da empresa e assim é criado um dos maiores obstáculos à recuperação do negócio: a crença no potencial de virar o jogo.
Aprovar uma recuperação judicial funciona – do ponto de vista dos credores - como jogar nos cassinos. Você resolveu se aventurar no pôquer e perdeu seu dinheiro, então para tentar diminuir o impacto da derrota na sua conta bancária, resolve se arriscar um pouco mais, acreditando que poderá ganhar. Para os credores, ou apostadores, fica a seguinte dúvida: “Nesse momento tenho certeza de que tenho um prejuízo. Devo aceitar esta perda do tamanho que está ou injetar recursos correndo o risco de ter um prejuízo ainda maior?”
A resposta para essa questão é um sonoro “depende”, que muitas vezes ouvimos por aí. Caso a empresa apresente ao menos três primeiros itens no plano de recuperação, apostar na recuperação pode ser um bom negócio: prazos de pagamento aos credores dentro das expectativas; correção de dívida compatível com a realidade; plano executado por profissionais experientes e competentes. Também ajuda, e muito, se a empresa possui algum patrimônio para dar como garantia; ou o setor do negócio ser promissor. Caso contrário, é melhor não arriscar ter uma perda maior.
Mesmo que se resolva apostar no potencial de virada, para reverter a situação o caminho a ser trilhado é cheio de espinhos. Os fornecedores passam a exigir pagamentos à vista pelos produtos que oferecem, os funcionários ameaçam realizar greves até que os salários sejam pagos e há uma série de dificuldades para a obtenção de crédito. O grau de risco da empresa em recuperação aumenta consideravelmente, o que bloqueia vendas a prazo, limita as linhas de crédito apenas para operações de curto prazo com juros altíssimos, o que dificulta ainda mais a reversão de resultados e pode levar a companhia à falência.
Outro ponto sensível nessa questão é a imagem negativa associada às empresas que estão em recuperação. Fica sempre o estigma de empresa mal gerida, incapaz de gerar bons resultados e honrar com suas obrigações - o que pode gerar falta de credibilidade para atrair novos parceiros comerciais, novos talentos e obtenção de benesses fiscais.
Como cliente, fornecedor, funcionário, instituição financeira ou investidor você deve pensar muito bem antes de apostar suas fichas em planos de recuperação judicial. Há diversas oportunidades e formas de se virar o jogo quando a empresa está perdendo, mas a partida não será fácil e um deslize pode significar o fim do campeonato. Como sócio, é uma tábua de salvação, mas bastante escorregadia. Em resumo, só vai funcionar se todos acreditarem.
Na forma como está, a Recuperação Judicial se torna uma questão de fé. E neste mundo tão conturbado e apoiado na Lei de Gerson, não é fácil acreditar...