Cada clube tem a liberdade de definir qual procedimento será adotado para sanear suas dívidas
A Lei nº 14.193/2021 regulamenta a Sociedade Anônima do Futebol - “SAF”, uma nova estrutura societária criada visando o desenvolvimento da atividade esportiva profissional.
Com ela, também foi criado o chamado Regime Centralizado de Execuções - “RCE”, disciplinado pelos artigos 13 a 24, para viabilizar a reestruturação das dívidas dos clubes de futebol.
A instituição poderá pagar suas obrigações através de (i) concurso de credores, por intermédio do RCE previsto nesta lei; ou, (ii) por meio de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falência - “LRF”).
É necessário ser SAF para usufruir da RCE? Não!
Ao conceder ao tradicional Vila Nova o RCE, o presidente do TJGO, desembargador Carlos Alberto França, esclareceu que a utilização do regime centralizado de execuções constitui direito do clube ou da pessoa jurídica original, desde que preenchidos os requisitos autorizadores - previstos na Lei da SAF, e que a inexistência de regulamentação não impede a postulação de um direito garantido por lei, e como o Vila Nova preencheu esses requisitos apresentando plano de credores exequível com possibilidade de arrecadação e de geração de receitas, foi concedida a tutela de urgência para suspensão dos atos de constrição contra o requerente.
Na RCE da Portuguesa (Lusa de São Paulo) o presidente do TJSP também entendeu que a adoção do modelo da SAF não é requisito essencial para o pedido de RCE e foi determinada sua remessa para os juízos especializados em recuperação judicial (Resolução nº 861/2022). O mesmo ocorreu com o Avaí de Santa Catarina.
Uma vez deferido o pedido, o clube terá o prazo de 60 dias para a apresentação do balanço patrimonial, demonstrações contábeis, fluxo de caixa, entre outros documentos previstos na Lei, e o plano de pagamento aos credores, em ambiente protegido contra execuções, e conforme o artigo 15, terá um prazo de 6 anos para pagamento dos credores, e outros 4 anos se comprovar a adimplência de ao menos 60% do seu passivo original ao final do prazo deste prazo de 6 anos originalmente concedido. E, nos termos do artigo 19, é facultado às partes, por negociação coletiva, estabelecer o plano de pagamento de forma diversa.
Há, também, semelhança com a Recuperação Judicial (RJ), pois, nesse processo de renegociação diverso, credores poderão conceder descontos para receber o dinheiro antecipadamente. Pode-se também discutir e aprovar pagamentos diversos em função de receitas não recorrentes, por exemplo, e inclusive com possibilidade de ‘leilão reverso’, dirigindo parte desta nova receita para pagar aqueles credores que concederem maiores deságios. E o RCE em tese não leva à falência, que é a consequência quando uma RJ não é cumprida. Na RCE ocorreria o retorno das execuções.
Cada clube tem a liberdade de definir qual procedimento será adotado para sanear suas dívidas, conforme seu passivo e suas necessidades, por exemplo: Cruzeiro, Avaí, Figueirense, Sport, Santa Cruz e Coritiba, optaram pela RJ; e outros pelo RCE, como Santos, Portuguesa, Vasco da Gama e Fluminense.
O Botafogo migrou de uma RCE para uma mais abrangente Recuperação Extrajudicial. O mesmo pode ser executado por algum Clube que, em regime de RCE, necessitar impetrar uma recuperação judicial, pois a RJ é bem mais contundente do que a RCE, possibilitando ao Clube, se aprovado pela maioria dos credores, obter maiores prazos e descontos do que em uma RCE, e sendo bem mais abrangente em relação ao universo das dívidas.
A recuperação abrange no mesmo processo todos os créditos existentes na data do pedido, inclusive trabalhistas, somente com algumas exceções legais (quanto a certas garantias outorgadas). E permite a venda de ativos sem sucessão do adquirente em nenhuma das dívidas do vendedor, em ambiente de concorrência e total segurança. Finalmente, estando em recuperação judicial, melhores acordos para pagamentos das dívidas fiscais são permitidos, como transação tributária com o Fisco.
Tendo em vista que a Lei 14.139/2021 ainda é recente, e não explicita o procedimento a ser seguido da forma adequada, alguns magistrados vêm aplicando a Lei 11.101/2005 nas partes omissas, mas com o passar do tempo, com mais casos sendo apreciados, a cada dia a segurança jurídica aumenta e há uma salutar tendência em desburocratizar a RCE e reduzir seus custos, em especial quanto à atuação bem mais restrita de uma eventual nomeação de um administrador judicial ou somente nomeando um perito contador para acompanhamento do feito.
Apesar de ainda ser um procedimento novo, a RCE tem sido requerido por diversos clubes com muito sucesso, e constitui um importante instrumento para a restruturação financeira, organizando a equalização das dívidas e permitindo ao devedor pagar dívidas com parte de suas receitas de forma coordenada e propiciando segurança, efetividade, isonomia e transparência aos credores para receber seus pagamentos, e ainda mantendo a opção de buscar uma recuperação judicial ou extrajudicial em caso de insucesso da medida.