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Sobre as novas relações de crédito no campo

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Um importante fenômeno que tem se consolidado ao longo dos anos no setor agrícola é a crescente participação de instituições financeiras privadas no financiamento de sua cadeia de valor. Em 2010, essa participação era relativamente pequena, se situando em torno de 10% a 15% do total, com a maior parte do crédito para o setor sendo provida por meio de recursos públicos, principalmente de programas governamentais como o Plano Safra, oferecido pelo Banco do Brasil, e outras instituições financeiras públicas. Ademais os produtores agrícolas sempre puderam contar com o crédito proveniente dos parceiros comerciais na forma de prazo de pagamento concedido pelos fornecedores de insumos, e, no caso das commodities internacionais como a soja, também do adiantamento de safra proveniente das tradings.   

A partir de então, este cenário vem mudando gradualmente, tendo como dois importantes instrumentos indutores desta transformação a Cédula de Produto Rural (CPR) e o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA). A CPR foi criada pela Lei nº 8.929, de 22 de agosto de 1994, e contou com subsequentes aperfeiçoamentos legislativos para se consolidar como um mecanismo de crédito ao produtor rural baseado na promessa de entrega futura de produtos agropecuários. Já o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) foi introduzido pela Lei nº 11.076, de 30 de dezembro de 2004, e assim como a CPR, também passou por aperfeiçoamentos subsequentes que permitiram a  sua crescente popularização no mercado, como meio de financiamento aos produtores rurais com recursos provenientes do mercado de capitais. 

A popularização da CPR e do CRA permitiu que a participação do crédito privado no financiamento do agronegócio no Brasil aumentasse significativamente, sendo atualmente estimado em cerca de 40%, o que inclui operações de bancos privados, fundos de investimento e emissões no mercado de capitais. 
Essa mudança deve ser saudada pela sua inegável contribuição para o aumento da resiliência da atividade agrícola no país ao permitir uma maior diversificação de fontes de financiamento e, portanto, sua maior independência em relação ao crédito público. Por outro lado, ela traz também uma nova dinâmica na relação entre provedores e tomadores de recursos e por consequência exige novas competências por parte do produtor agrícola que busca esta nova fonte de recursos no mercado.
  
É notório que, ao exercer as suas funções de financiador da atividade produtiva no país, os órgãos financiadores públicos como o Banco do Brasil têm como missão principal a implementação das políticas públicas para o setor. Para esta categoria de credores, o objetivo primário não é necessariamente maximizar o retorno financeiro, mas sim o de contribuir para a manutenção da atividade econômica e o desenvolvimento do país. Neste sentido, em caso de dificuldades de pagamento pelos devedores, eles podem ser mais flexíveis na renegociação da dívida, estendendo prazos ou oferecendo condições especiais para ajudá-los a recuperar sua solvência. 

Podemos observar a mesma visão de longo prazo no caso dos financiamentos gerados na cadeia de valor pois os credores, ou seja, os fornecedores de insumos ou as tradings, são também contrapartes comerciais dos produtores agrícolas e têm, portanto, total interesse em que o devedor se recupere de adversidades econômicas e financeiras, muitas vezes decorrentes das condições desfavoráveis mercado, para garantir a continuidade dos negócios no futuro.

Já os investidores privados provenientes do mercado financeiro têm um foco bastante distinto. O seu  principal objetivo é o retorno financeiro sobre o investimento. Por consequência, eles têm menor flexibilidade e, em geral, exigem cumprimento rigoroso dos termos contratuais. Quando o devedor enfrenta dificuldades, esses investidores podem recorrer rapidamente a medidas legais para recuperar o capital investido, a fim de minimizar as perdas, resultando no aumento da tensão na relação de crédito com risco de provocar um efeito em cadeia no conjunto dos credores que apoiam este devedor inadimplente. 

A alta volatilidade de preços e de produção são aspectos inerentes à atividade agrícola de modo que o ciclo de alternância entre anos favoráveis e anos desfavoráveis aos produtores é algo que faz parte da natureza deste negócio. Entender esta dinâmica e saber ser flexível para acomodar eventuais problemas de atrasos ou insolvências nos momentos de frustração de safra e/ou redução drástica das margens de rentabilidade no campo têm sido um importante ingrediente por parte dos financiadores públicos e parceiros da cadeia de valor a oferecer resiliência e continuidade ao sistema como um todo. 

Neste contexto, a crescente participação de credores privados nos negócios do campo significa uma mudança importante no ambiente de crédito disponível para o produtor agrícola. Diferentemente de entidades públicas como o Banco do Brasil, que atuam mais como parceiro de desenvolvimento econômico e social, e, portanto, podem oferecer uma abordagem mais acessível e menos técnica para pequenos e médios produtores, esses novos financiadores  demandam padrões mais elevados de governança e transparência, bem como, um entendimento técnico mais profundo das garantias fornecidas. Além disso, como dito acima,  em caso de não cumprimento das condições negociadas, eles tendem a ser mais estritos nas exigências contratadas com pouca flexibilidade para acomodar problemas de atrasos ou de insolvência.

Como conclusão, a abertura de novos canais de financiamento ao campo é uma excelente novidade, mas negociar com investidores privados de crédito requer maior profissionalização em governança, transparência, estruturação financeira e mitigação de riscos. Os devedores que buscam soluções de crédito no mercado privado precisam estar preparados para um nível de exigência maior, e a sua falta de preparo, em particular, em momentos de adversidade, pode ser fatal para a continuidade do seu negócio. 

Por outro lado, é importante pontuar que, aos novos financiadores privados, mostra-se urgente um maior aprofundamento no entendimento sobre a natureza sazonal e do grande componente de externalidades que afetam os negócios agrícolas, o que o diferencia substancialmente de outras segmentos produtivos que desfrutam de maior controle e previsibilidade de suas atividades. Entender melhor a natureza da atividade agrícola e saber aplicar esse conhecimento na construção de estruturas de financiamento e de garantias que melhor acomodem as variabilidades inerentes a essa atividade, é crucial para garantir a sustentabilidade das relações de crédito neste segmento de mercado que tem papel tão destacado para a economia do país.   

Autor(a)
Gilberto Yamamuro
Informações do autor
BY Capital

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