Muito rica a mesa-redonda coordenada pela filial brasileira da Turnaround Management Association sobre "Trava Bancária - Visão Jurídica e Financeira", com importantes agentes do mercado financeiro e da esfera jurídica, e foco em processos de recuperação judicial. Discutimos desde o conceito e o tratamento das travas bancárias até o caminho para pacificação do tema nos tribunais, com transparência e preservação do caráter nas relações entre empresas e bancos.
A trava bancária nada mais é que uma garantia, hoje muito utilizada no mercado, concedida pelas empresas aos bancos, permitindo a estes o direito restrito de acesso à parcela sobre as vendas, em troca da concessão de crédito, com taxas de juros mais atraentes, contribuindo para o desenvolvimento e sustentabilidade do mercado.
A trava ocorre, em muitos casos, sobre operações lastreadas com recebíveis, em que os valores futuros, decorrentes das vendas a prazo, por meio de cartões ou boletos, têm uma parcela destinada à garantia da operação para as instituições financeiras. Normalmente, a trava pressupõe que as vendas realizadas por determinado canal - bandeira de cartão, boletos - transitem por uma conta vinculada ao Banco, permitindo a este gerenciar o processo, podendo ainda estes valores serem liberados através de cessões de crédito pactuadas entre as partes.
Com a proliferação das Recuperações Judiciais (que aqui, por simplificação, chamaremos de RJ), estas travas vêm sendo questionadas judicialmente sob o argumento de que impedem a recuperação das empresas por "travar" recursos da operação do dia a dia, garantindo aos bancos o pagamento das parcelas de empréstimos concedidos. Desta forma, as partes relacionadas às empresas procuram derrubar a validade desta garantia judicialmente, preservando o direito das empresas de utilizarem seus recursos livremente.
Na visão dos bancos este procedimento, cada vez mais comum, traz insegurança ao mercado ao questionar se a trava bancária é, de fato, uma garantia real. Para eles, a preservação desta garantia é fundamental para que esta prática continue sendo largamente utilizada como instrumento de retroalimentação do mercado de crédito.
O ponto mais importante a destacar nesta discussão é qual prioridade será dada pelos empresários, pelo mercado e pelos tribunais à ética e ao caráter das negociações ocorridas entre as partes que, voluntariamente, e com interesse mútuo no negócio, acordaram contratualmente a trava bancária.
As decisões mais recentes dos tribunais de São Paulo indicam a tendência da manutenção da trava bancária como um direito não concursal em processo de RJ, ou seja, ela será preservada como garantia real aos bancos e não fará parte dos recursos destinados aos demais credores. O mesmo entendimento também vem sendo dado às alienações fiduciárias, preservando o direito dos credores de exercê-las. Cabe agora criar-se uma jurisprudência sobre o assunto em todo o Brasil.
Paralelamente, deve-se aprimorar os mecanismos que norteiam o processo de RJ no Brasil. Dentre eles, gostaria de destacar o fato de que os planos de recuperação hoje são desenvolvidos somente pelos sócios ou proprietários das empresas, mesmo em casos nos quais, por exemplo, o Patrimônio Líquido da empresa é negativo, ou seja, conceitualmente ela não mais pertenceria ao dono, porém aos seus credores. Afinal, a Lei Ordinária 11.101/2005 tem como seu principal objetivo a recuperação da unidade produtiva, para o benefício da sociedade, e as RJs ocorridas desde 2005, em mais de 99% de seus casos, segundo estudo publicado no Jornal Estado de São Paulo ao final do ano passado, não vêm atingindo este objetivo.
Nos EUA, em sua legislação sobre falência, o "Chapter 11", já se permite aos credores elaborarem o plano de recuperação das empresas, em casos como o acima citado.
Mesmo ainda não constando da lei, é importante que os empresários façam a leitura de que o patrimônio líquido e o fluxo de caixa, enquanto positivos, é o que lhes garante a propriedade da empresa com segurança. Se estão com tendência de se tornarem negativos a curto ou médio prazo, é hora de pedir ajuda, evitando a deterioração até o ponto onde esta ajuda só poderá vir dos céus.
Mais uma vez, a gestão ética e o caráter da empresa e de seus donos serão os dois fatores que determinarão com quem o mercado está lidando.