PARTICIPANTES:
BRUNO DE QUEIROZ (Moderador, sócio da HQR Assessoria e Consultoria Empresarial Ltda);
CAIO OLIVEIRA (Debatedor, Lider de Ativos Rurais da ITN Capital Gestão de Ativos Ltda);
HERBERT KUGLER (Debatedor, sócio da Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil Advogados);
SILVIA BESSA RIBEIRO (Debatedora, advogada do Banco do Brasil S.A.);
VITÓRIA DE CARVALHO GOMES (Relatora, advogada da AJ Ruiz Consultoria Empresarial S.A.)
PALAVRAS-CHAVE:
Cédula do Produto Rural (“CPR”) - 30 anos de CPR – CPR física – CPR financeira – Produtor Rural – Agronegócio - Lei 13.986/2020 – Recuperação Judicial de Produtor Rural – Lei 11.101/2005 – Lei 14.112/2020.
SUMÁRIO:
1. Introdução
2. Debate
3. Considerações Finais
4. Conclusão
1. Introdução
Em 11 de julho de 2024, o TMA Brasil promoveu mais um evento online da série “Café Agro” que teve como tema “30 anos de CPR”. A transmissão aconteceu através do YouTube (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JeE3T6QIIK4&t=1880s).
O debate, moderado por Bruno de Queiroz (“Bruno” ou “Moderador”), sócio da HQR Assessoria e Consultoria Empresarial Ltda, contou com a participação de Caio Oliveira (“Caio” ou “Debatedor”), Líder de Ativos Rurais na ITN Capital Gestão de Ativos Ltda; Herbert Kugler (“Herbert” ou “Debatedor”), sócio da Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil Advogados; e Silvia Bessa Ribeiro (“Silvia” ou “Debatedora”), advogada do Banco do Brasil S.A., como debatedores e Vitória de Carvalho Gomes, advogada da AJ Ruiz Consultoria Empresarial S.A., como Relatora.
Após as apresentações e agradecimentos iniciais, o debate foi conduzido pelo moderador Bruno de Queiroz.
2. Debate
Ao introduzir o tema, o moderador fez breve contextualização sobre a trajetória da Cédula do Produto Rural (“CPR”) ao longo de seus 30 anos. Ponderou que a CPR física foi instituída no ano de 1994, através da Lei nº 8.929, cuja forma de pagamento era a entrega do produto, sendo que, no ano de 2001, com o advento da Lei 10.200 (ambas chamadas de “Lei da CPR”), surgiu a CPR financeira, hoje o instrumento mais utilizado para financiamento do ramo. Elencou que, na evolução do segmento, as alterações da Lei Agro nos anos de 2020, com a Lei nº 13.986 (“Lei Agro”), e em 2022, com a Lei nº 14.421, ampliaram o rol de itens que podem ser financiados por uma CPR, além de ter instituído a “CPR Verde”. Ao final, destacou que, conforme relatório do Ministério da Agricultura, a CPR financia grande parte, senão a grande maioria, da produção rural no Brasil, visto que o estoque de CPR para maio de 2024 totalizou a importância de R$ 340.000.000.000,00 (trezentos e quarenta bilhões de reais).
Feita essa contextualização, o moderador deu início ao debate, indagando aos painelistas sobre como tem sido a utilização da CPR pelo produtor rural.
Convidado para as exposições, o debatedor Caio iniciou sua fala expondo que, de fato, a CPR financeira é o instrumento mais utilizado pelos produtores rurais para obtenção de recursos de financiamentos.
Expôs que a evolução do instrumento acompanha o aperfeiçoamento dos fatores do Sistema Nacional de Crédito Rural (“SNCR”), criado no ano de 1965, e as diversas políticas que culmina em segurança ao produtor rural na capitação de recursos.
Recordou que, nas décadas de 1960 e 1970, a oferta de crédito era ampla, com juros negativos, resultando em uma disponibilidade de recursos relativamente favoráveis para o produtor rural. Já nas décadas de 1980 e 1990, o cenário alterou-se com a escassez do crédito rural ante a inflação que assim como todos os setores econômicos do País, também atingiu o agronegócio.
Segundo o debatedor Caio, a criação do real e da CPR no ano de 1994, criou cenário de maior estabilidade e segurança jurídica e financeira ao produtor rural, com acesso a crédito independente do Estado, diretamente com seus fornecedores e instituições financeiras de forma rápida e prática, o que em sua visão é de grande importância para garantir que a produção se concretize na época e no momento adequado, até pelo fato de essa ser uma característica do instrumento. Isto é, o prazo da CPR é geralmente limitado a um ano, variando conforme a cultura vinculada.
No Brasil, onde os principais mercados agrícolas (como grãos, soja e milho) são dominantes, às CPRs frequentemente estão vinculadas ao ciclo de safra. Isso significa que o término da safra coincide com o encerramento do instrumento, garantindo assim a liquidez necessária para o produtor.
Caio acrescentou que ao longo dos anos, a CPR evoluiu significativamente, especialmente a partir dos anos 2000, quando a versão financeira do título expandiu o acesso dos produtores a novas linhas de crédito. Essa modalidade permitiu que o mercado de capitais se aproximasse do agronegócio, atraindo novos investidores interessados em financiar a produção agrícola através do crédito privado. Mesmo com a introdução de novos veículos financeiros como CDCA, LCA, CRA e Fiagro nos anos subsequentes, a emissão de CPRs não diminuiu, mas sim ampliou o acesso para diversos investidores. Particularmente, o Fiagro, introduzido em 2021, abriu novas possibilidades ao permitir que pessoas físicas e jurídicas, incluindo estrangeiros, investissem no agronegócio tendo como lastro a CPR emitida pelo produtor. Isso resultou em no aumento significativo dos investimentos disponíveis para o setor, facilitando o acesso a recursos para produtores e empresas que operam na cadeia produtiva.
No contexto da reestruturação judicial, Caio destacou que a CPR desempenha papel crucial ao oferecer um instrumento de financiamento com natureza extraconcursal. Isso significa que, mesmo em situações de recuperação judicial, os investidores podem continuar a investir com maior segurança, aproveitando as garantias associadas ao título, como penhor, alienação fiduciária, hipotecas e, mais recentemente, o patrimônio rural de afetação.
Finalizadas as ponderações do debatedor Caio, o moderador passou a questionar sobre as garantias, quais espécies estão sendo utilizadas e quais são eventuais dificuldades nas situações ligadas à insolvência ou inadimplência de um título.
Passada a palavra à Silvia, inicialmente ressaltou que a CPR financeira hoje é a mais utilizada, descrevendo de maneira suscinta a diferença prática entre a CPR física e a CPR financeira. Sobre questões de garantia associadas à CPR, destacou a importância das garantias tradicionais como hipotecas, que contabilmente continuam sendo a melhor opção para a instituição financeira nas operações agro. No entanto, acredita que, devido à “não sujeição aos efeitos da recuperação judicial”, essa modalidade talvez venha a se tornar uma opção mais aceita pelas instituições financeiras no futuro, superando as dificuldades atuais.
Silvia ressaltou que, embora a recuperação judicial ofereça um alívio temporário, muitos produtores enfrentam dificuldades de acesso a crédito pós-recuperação porque o rating passa para a classificação de risco H, obrigando os bancos a provisionarem 100% do passivo, o que afeta negativamente as operações futuras do produtor rural ou de seu grupo de empresas, sendo necessário buscar créditos com custos mais elevados como o de Fundos de Investimento, mercado de capitais, etc. Ainda sobre as dificuldades, mencionou o produtor inadimplente que pede recuperação judicial com intuito de obter seus benefícios e se surpreende ao descobrir que, por exemplo, a hipoteca que foi dada em garantia por terceiro, não está sujeita aos efeitos da recuperação judicial, ou que a coobrigação dos avalistas permanece.
Seguindo a exposição, o moderador inquiriu os debatedores sobre o tratamento de juros na CPR física inadimplida.
O debatedor Herbert, enfatizou as complexidades legais em determinar “quando” e “se” os juros podem ser aplicados em tais circunstâncias, levantando diferentes interpretações sobre o tema. Herbert mencionou a necessidade de ações judiciais específicas para executar a entrega física do produto, ocasião em que caberia ao juiz estipular multa por inadimplemento. Além disso, destacou a existência de entendimentos jurisprudenciais que, por analogia, equiparam a CPR à Cédula de Crédito Rural (“CCR”), cenário que permite a cobrança de juros de 1% (um por cento) ao mês.
O debatedor mencionou que, em razão dessas dificuldades, o instrumento da CPR financeira foi concebido, demonstrando o mérito da boa evolução e utilização da CPR ao longo dos últimos 30 anos. Independentemente do porte do produtor rural, a CPR é a operação mais aceita no ramo.
No tocante à recuperação judicial, Herbert acrescentou que a lei excepciona a CPR física, cabendo ao produtor rural ter cautela ao fazer sua distinção em relação à CPR financeira, conhecendo também eventuais garantias atreladas a operação que possam tornar o crédito extraconcursal. Em relação às garantias, Herbert destacou que a Lei da CPR possibilita a alienação fiduciária de bens consumíveis e fungíveis, ao contrário do que estabelece a Lei 4.728/1965.
Na sequência, a debatedora Silvia retomou a palavra, concordando com as dificuldades expostas por Herbert quanto aos juros legais, bem como com a necessidade de ações judiciais específicas para executar a entrega física do produto, estipulando multa, correção e juros em caso de inadimplemento. Ademais, considera que a multa moratória poderia ser prevista diretamente no título, funcionando como uma penalidade pelo atraso.
Já, no que se refere à recuperação judicial, Silvia destacou que a Lei Agro dispõe no artigo 11 que, créditos e garantias cedulares vinculadas à CPR com liquidação física, não se sujeitarão aos efeitos da recuperação judicial. No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) firmou entendimento de que bens essenciais, são os bens de capital.
Inobstante, a advogada mencionou que apesar de a lei ser clara quanto aos créditos que se sujeitam ao procedimento, o assunto ainda é objeto de polêmicas, inclusive, relatou a existência de julgado no Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso (“TJMT”) que entendeu que referida garantia de bens de consumo são essenciais à manutenção da atividade.
Prosseguindo o debate, o moderador questionou ao debatedor Caio sobre os desafios para renegociar uma CPR.
Caio apontou que o produtor rural recorre ao mercado de capitais, apesar do custo elevado, quando seu fluxo de caixa não sustenta mais a operação, ou quando não detém de produtos de colheita e garantias disponíveis para ofertar para às instituições financeiras tradicionais. Neste ponto, destacou que o grande desafio do reestruturador é demonstrar ao produtor rural e ao investidor, que a resolução das situações de inadimplência deve passar por um conjunto de soluções, que não são apenas financeiras, mas também de governança e gerenciamento.
Deste modo, para o sucesso da operação, é necessário que tanto o produtor rural quanto o investidor estejam dispostos a utilizar o instrumento da CPR como uma ferramenta capaz de garantir retorno positivo para as partes, isto é, com a resolução da crise financeira. Ele observou que o inadimplemento e a crise financeira geralmente ocorrem em razão de fatores climáticos ou especulações equivocadas sobre o preço do produto.
Com a palavra, o moderador direcionou os debatedores quanto à formalização do registro das CPRs e a legitimação do produtor rural quanto ao pedido de recuperação judicial e emissão da Cédula do Produto Rural.
A debatedora Silvia iniciou suas considerações apontando que, nos termos da Lei da CPR, para validade e eficácia do título e seus aditamentos, deverá ser realizado registro em uma entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil (“Bacen”), sendo atualmente dispensado o registro em cartório, salvo nos casos de garantia de imóveis que deverão realizadas perante o Cartório de Registro de Imóveis (“CRI”), o que em sua opinião gera um grande risco de ausência de registro.
Quanto à segunda indagação, diferenciou legitimidade para emissão da CPR, de legitimidade para distribuição do pedido de recuperação judicial pelo produtor rural. Salientou que, nos termos da Lei da CPR, a CPR pode ser emitida pelo produtor rural pessoa natural ou jurídica, inclusive aqueles que tenham como função social a industrialização, com intuito de solução financeira para o negócio. Por outro lado, a legitimidade para pedido de recuperação judicial do produtor rural prima pela transparência nos termos da Lei 11.101/2005 (“LRE”), vez que, visando à possibilidade de negociação coletiva, é necessário atestar contabilmente sua atividade, requisito este defendido pela debatedora.
Passada a palavra ao Herbert, foi elencada a importância do registro das garantias, enfatizando que, na prática, o credor muitas vezes atribui essa responsabilidade ao devedor, que não a cumpre. Ele argumentou que o credor e eventual cessionário também deveriam tomar essa precaução, visto que a diligência do credor é crucial para evitar discussões futuras com o devedor. Em relação ao pedido de recuperação judicial, o debatedor observou que, apesar da simplificação para o produtor rural comprovar sua atividade, ainda existem os demais requisitos da LRE a serem cumpridos, sendo que as discussões sobre a elegibilidade do produtor para recuperação judicial envolvem considerações jurídicas e empresariais, como destacado por Silvia.
Apontou, ainda, a dificuldade do produtor rural em tomar a decisão de requerer a recuperação judicial, principalmente pela falta de previsibilidade na produção rural devido a fatores climáticos, o que pode forçar o produtor ao pedido devido a penhoras e outras pressões financeiras, sem que haja um planejamento prévio.
Como último tema, o mediador solicitou a opinião de Caio sobre o futuro da CPR, o qual expôs que sua expectativa é que a CPR continuará sendo o principal instrumento financeiro para o setor. Apesar do conservadorismo, mencionou que a democratização do acesso ao investimento no agronegócio é um dos grandes sucessos da CPR, destacando o potencial das CPRs verdes, com a crescente preocupação com créditos de carbono e preservação ambiental. Caio enxerga um futuro em que a CPR estará consolidada e será um instrumento ainda mais sofisticado.
3. Considerações Finais
O mediador ressaltou a importância da CPR para o funcionamento do agronegócio e mencionou o aumento das recuperações judiciais, que, em alguns casos, na sua opinião, têm sido usadas como mecanismos de proteção patrimonial, em vez de reestruturação do negócio.
Herbert finalizou sua participação destacando a importância da preservação da CPR como um instrumento eficiente, sem mudanças legislativas que possam prejudicar seu funcionamento. Ademais, mencionou que a recuperação judicial no setor rural é natural devido à natureza cíclica do meio e às recentes alterações legislativas. Ele acredita que o aumento no volume de recuperações judiciais é uma consequência natural das mudanças na legislação, mas que isso faz parte da evolução do setor.
Caio concluiu ressaltando a importância da simplificação dos processos para o produtor rural e do fornecimento de soluções gerenciais, jurídicas e de governança para ajudá-lo na reestruturação pós-recuperação judicial. Ele acredita que a CPR tem força para continuar sendo o principal instrumento financeiro do setor rural, especialmente com as inovações e preocupações ambientais em crescimento.
4. Conclusão
O debate evidenciou a importância da CPR como instrumento financeiro no agronegócio e os desafios enfrentados pelos produtores rurais em contextos de crise financeira e recuperação judicial. A necessidade de uma abordagem cuidadosa e do cumprimento rigoroso dos requisitos legais para a solicitação de recuperação judicial foi amplamente discutida, assim como as perspectivas de evolução e aprimoramento da CPR para atender às demandas futuras do setor.