30 de out. de 2024
Moderação: Bruno Tuca, Sócio Mattos Filho Advogados
Debatedores: Fernanda Mello, CEO da VERT
Ricardo Lotti, Sócio, Pantálica Partners
Washington Pimentel, Sócio Washington Pimentel Advocacia
Relatoria: Elias Jose Azevedo, Sócio, EJAFAC Turnaround Advisory Ltda
Bruno Tuca – INTRODUÇÃO
Bruno destacou a evolução e os desafios do financiamento no setor agroindustrial brasileiro por meio do mercado de capitais. Inicialmente, destaca o surgimento de instrumentos como CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) e outros títulos voltados para financiar o mercado agro, que ampliou significativamente o crédito em circulação – de menos de R$ 3 bilhões em 2012 para mais de R$ 120 bilhões atualmente. Além dos CRAs, operações via FIDCs, debêntures incentivadas e Fiagros também ganharam relevância.
O sucesso dessa integração foi impulsionado por securitizadoras e bancos de investimento, que estruturaram ofertas e organizaram produtores e empresas aptas para captar recursos. No entanto, o setor sofreu com adversidades recentes, como a queda nos preços de commodities (soja e milho), aumento dos custos de insumos (fertilizantes, diesel) devido à pandemia, guerra na Ucrânia e inflação global, levando muitas empresas a prejuízos e, em alguns casos, a pedir recuperação judicial (RJ)
Em 2023, mais de 400 empresas da cadeia agroindustrial já solicitaram RJ, incluindo grandes nomes com exposição no mercado de capitais, como Agro Galaxy e Grupo Patense. O texto propõe discutir dois temas principais: (1) a dinâmica e os desafios das empresas do mercado agro, expostas ao mercado de capitais durante uma RJ e (2) como o mercado de capitais pode ser utilizado como ferramenta para auxiliar na reestruturação de dívidas.
Por fim, menciona a experiência da CEO da VERT, Fernanda, no setor de securitização e em casos de recuperação judicial envolvendo operações de CRA.
Fernanda Mello, CEO da VERT
Fernanda abordou os desafios enfrentados em operações de CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) no contexto de recuperação judicial (RJ), exemplificando com o caso da Agro Galaxy. A empresa tinha dois CRAs distintos: um corporativo “clean” (sem garantia) de R$ 500 milhões, com investidores pulverizados (majoritariamente pessoas físicas), que foi direcionado diretamente à RJ, e outro lastreado em recebíveis, que foi liquidado rapidamente por cumprimento de critérios financeiros.
Os principais desafios em situações de RJ incluem:
Investidores pulverizados – Dificuldades em tomar decisões rápidas, pois todas devem ser aprovadas em assembleias, frequentemente com quóruns apertados.
Custos legais – A necessidade de contratar advogados especialistas nem sempre é prevista nos fundos de despesa, podendo exigir aportes dos investidores.
Natureza do risco – Riscos variam conforme o tipo de CRA: dívidas corporativas dependem de índices financeiros (como EBITDA), que nem sempre refletem a real geração de caixa; já CRAs pulverizados exigem uma cobrança rigorosa e próxima dos recebíveis.
A experiência mostrou que operações bem estruturadas e gestão ativa, como a cobrança rigorosa de recebíveis, podem mitigar riscos para investidores, mesmo em cenários adversos. Por fim, mencionou-se a atuação da Pantálica em assessorar empresas do agro em RJs, oferecendo soluções criativas e eficazes, e a necessidade de avaliar cuidadosamente os riscos envolvidos antes de investir.
Bruno Tuca – Moderador
Bruno destaca que a Pantálica possui forte atuação no setor agroindustrial, sendo amplamente procurada para assessorar empresas em operações de recuperação. Reconhecida por soluções criativas e eficazes, a empresa analisa os desafios e vantagens de organizações expostas ao mercado de capitais, avaliando caso a caso com base na experiência acumulada em situações complexas no setor
Ricardo Lotti, Sócio, Pantálica Partners
Ricardo citou os desafios cíclicos do setor agroindustrial e as complexidades das operações de reestruturação financeira, especialmente em cenários de recuperação judicial (RJ). Ricardo, sócio da Pantálica, destaca a amplitude do agro e como crises afetam diferentes segmentos em momentos distintos. Atualmente, soja, milho e pecuária enfrentam dificuldades, enquanto o setor de açúcar e álcool vive uma fase positiva.
A aproximação recente entre o mercado de capitais e o agro trouxe vantagens, mas também preocupações devido à natureza cíclica do setor, que lida com fatores como clima, volatilidade de commodities e gestão. O mercado ainda está aprendendo a lidar com estruturas como CRA pulverizado, que apresenta grandes desafios em RJs devido à dificuldade de reunir inúmeros investidores (alguns não profissionais) para decisões ágeis e dinâmicas.
Apesar das dificuldades, Ricardo enxerga o momento como uma oportunidade de aprendizado para todos os envolvidos – investidores, reguladores, advogados e reestruturadores financeiros. Ele reforça que o agro, apesar de ser essencial e inovador, carrega riscos inerentes que precisam ser melhor compreendidos e geridos no contexto do mercado de capitais.
Bruno Tuca – Moderado
Bruno registrou os desafios jurídicos enfrentados em reestruturações envolvendo CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), especialmente devido à pulverização desses títulos, predominantemente distribuídos para investidores pessoas físicas. Essa dispersão dificulta alcançar quóruns necessários para aprovar mudanças nas condições gerais dos papéis durante processos de recuperação judicial.
Bruno destaca atuação do advogado Washington Pimentel, considerando a complexidade de lidar com essas situações no âmbito jurídico, exigindo estratégias específicas para contornar os entraves legais e assegurar decisões viáveis para reestruturação. Ele também sugere que essa questão é apenas um dos muitos desafios jurídicos inerentes a esse tipo de operação.
Washington Pimentel, Sócio Washington Pimentel Advocacia
Washington explorou os desafios enfrentados na relação entre o agronegócio e o mercado de capitais, destacando como a migração do crédito rural subsidiado para títulos como CRAs e Fiagros trouxe uma nova dinâmica que os produtores ainda estão aprendendo a lidar. Historicamente acostumados a mecanismos de renegociação e moratórias no crédito público, muitos produtores não estão preparados para os riscos e exigências do mercado de capitais, como a precificação de commodities e as obrigações de longo prazo.
Os ciclos naturais do agro, como o atual momento de baixa na soja e na milho, criam dificuldades para reestruturar dívidas previamente contratadas com base em preços mais altos das commodities. Essas dívidas, muitas vezes, não preveem mecanismos de reequilíbrio diante de mudanças significativas no cenário econômico, o que impacta toda a cadeia.
Além disso, o mercado de capitais enfrenta desafios como a falta de previsões claras para reestruturação de operações em estresse e a necessidade de amadurecimento das estruturas de governança. É necessário desenvolver mecanismos que considerem os ciclos de baixa e as características instáveis do Brasil, como sua economia e mercado financeiro, para evitar que problemas se intensifiquem em operações de longo prazo.
O momento atual, embora não seja considerado sistêmico, é visto como uma oportunidade para o mercado de capitais aprimorar instrumentos, criar soluções para reestruturações e trazer maior resiliência às operações financeiras ligadas ao agro.
Bruno Tuca – Moderado
Bruno elogiou as colocações de Washington, destacando a qualidade de suas observações.
Fernanda Mello, CEO da VERT
Fernanda complementou as colocações de Ricardo e Washington, destacando que o agronegócio é cíclico, o que exige que a estruturação de títulos e operações no setor já contemple essa característica desde o início. Embora o momento atual seja de baixa, ela ressalta que os ciclos são naturais e o setor tende a se recuperar, o que aumenta a probabilidade de sucesso em planos de recuperação em comparação com outros setores.
Ela apontou que o mercado agro opera de forma distinta e requer flexibilidade para encontrar soluções que beneficiem tanto produtores quanto investidores. Contudo, desafios surgem devido à governança, especialmente em casos de pulverização de investidores, onde alcançar quóruns decisórios é difícil. Para Fernanda, é essencial incorporar essas particularidades nas operações desde o início, garantindo maior resiliência e eficiência diante de crises.
Bruno Tuca – Moderado
Bruno refletiu sobre as particularidades do mercado brasileiro no financiamento do agronegócio e infraestrutura, onde pessoas físicas têm participação direta por meio de papéis incentivados como CRA e debêntures, gerando pulverização significativa dos credores. Ele compara com mercados internacionais, que lidam com situações de default (passivo) de forma mais organizada, utilizando investidores institucionais e processos estruturados.
No Brasil, ele apontou a necessidade de mecanismos que facilitem negociações em casos de recuperação judicial (RJ), como delegação de poderes a terceiros, redução de quóruns ou regras claras nos documentos desde a estruturação das operações. Ele sugere que associações como Ambima e CVM liderem discussões para criar soluções específicas, dado o desafio de organizar diálogos com credores pulverizados.
Como exemplo, menciona o caso Restock, onde um investidor comprou debêntures no mercado para atingir o quórum necessário, mas reconhece que essa abordagem nem sempre é viável.
Ele propõe explorar o uso do mercado de capitais para viabilizar planos de recuperação, citando casos como o Grupo Moreno, que utilizou CPRs estruturadas, e Coruripe, que realizou operações de CRA com garantias de créditos.
Finaliza convidando os participantes, especialmente Fernanda, a compartilhar ideias ou experiências sobre soluções inovadoras nesse contexto.
Fernanda Mello, CEO da VERT
Fernanda sugeriu que o mercado de capitais pode contribuir significativamente para reestruturações e recuperações judiciais ou extrajudiciais ao centralizar credores em soluções unificadas. Ela defende que reunir todos os credores em um único instrumento, como debêntures securitizadas, simplifica negociações e acomoda diferentes interesses, especialmente em casos com credores com e sem garantias.
No contexto do agronegócio, ela propõe estruturas mais complexas e flexíveis, como títulos que incorporam subordinação para refletir diferentes senioridades de credores e que podem gerar liquidez no mercado secundário ao longo do tempo. Esses instrumentos devem ser projetados para dar o tempo necessário para o devedor se recuperar, com base em previsões de produção, prazos de carência, garantias vinculadas à safra e insumos para continuidade da atividade produtiva.
A participante destaca que a documentação desses instrumentos deve ser adaptada para atender as necessidades específicas do setor agro, aproveitando os aprendizados acumulados ao longo dos anos e explorando melhor as ferramentas disponíveis no mercado de capitais.
Ricardo Lotti, Sócio, Pantálica Partners
Ricardo abordou estratégias criativas para resolver crises financeiras no setor do agronegócio, destacando a importância do mercado de capitais e investidores especializados em momentos de stress. São mencionados vários mecanismos de captação e reestruturação, como:
Troca de Dívida e Garantias: Substituir credores desinteressados por investidores especializados, com garantias mais seguras e alocação eficiente de ativos como fazendas ou silos.
Estruturação de FIDICs: Criação de fundos com direitos creditórios ou precatórios para pagamento a credores, diferenciando senioridades e oferecendo liquidez futura com deságio inicial.
Sale-Leaseback: Venda de terras com opção de recompra para produtores, oferecendo liquidez imediata sem perda definitiva do ativo
Soluções Emergenciais: Dinheiro inicial caro, como "DIP Finance", para estabilizar operações durante crises, seguido de planejamento para substituição por instrumentos de longo prazo e custo adequado.
Garantias Inovadoras: Evolução na aceitação de garantias, como alienação fiduciária de plantações ("soqueiras"), que hoje são mais bem entendidas pelo mercado.
Ressalta o papel fundamental de educadores financeiros e estruturadores na construção de soluções criativas, buscando consolidar a confiança entre o mercado agro e o de capitais. Por fim, defende que desafios, como quóruns elevados para aprovações, devem ser superados para garantir a evolução e solidez do setor.
Washington Pimentel, Sócio Washington Pimentel Advocacia
Washington abordou os desafios e oportunidades para o uso de instrumentos de mercado de capitais na reestruturação de dívidas do agronegócio, destacando pontos centrais:
Instrumentos Disponíveis: Já existem ferramentas eficientes, como FIDICs e FIAGRO, que permitem reperfilar dívidas e criar liquidez sem necessidade de novas regulamentações.
No entanto, sua adoção enfrenta barreiras culturais e falta de conhecimento técnico por parte de produtores e stakeholders.
Problemas com Recuperação Judicial (RJ): O uso da RJ como solução para crises financeiras é criticado pois eleva custos, dificulta estabilização e gera insegurança jurídica. Decisões judiciais que desconsideram garantias, como alienações fiduciárias, afastam investidores e criam riscos para operações de mercado.
Educação e Maturidade: É necessário educar produtores rurais sobre os instrumentos disponíveis e capacitar o judiciário para compreender as especificidades do agronegócio e do mercado de capitais. Isso evitaria decisões prejudiciais que impactam comunidades e investidores.
Setores com Diferenças Culturais: Alguns segmentos, como soja, milho e algodão, apresentam resistência maior à integração com o mercado de capitais, diferentemente do setor sucroalcooleiro, que já possui maior maturidade.
Soluções Criativas: Operações como sale-leaseback e estruturação de FIAGRO podem oferecer liquidez ao produtor e segurança aos credores, garantindo continuidade operacional em momentos de baixa.
Existem instrumentos financeiros eficientes para resolver crises no agro, mas sua plena utilização exige amadurecimento cultural, segurança jurídica e maior alinhamento entre mercado e judiciário. A recuperação judicial não é o veículo ideal para solucionar problemas estruturais do setor.
Bruno Tuca, Sócio Mattos Filho Advogados
Bruno complementou análise e destacou a preocupação com a sensibilidade dos bens na cessão fiduciária, especialmente no setor do agronegócio, como evidenciado no caso do Agro Galaxy. Apesar de avanços e jurisprudência favorável sobre o tema, o caso reacende debates e incertezas no mercado. A expectativa é observar como a situação será resolvida.
Fernanda Mello, CEO da VERT
Fernanda reforçou que as soluções e instrumentos para o agronegócio já existem, mas seu sucesso depende de um monitoramento contínuo e eficaz. Isso inclui acompanhamento da produção, garantias bem estruturadas e maior transparência para investidores. O exemplo do caso Agro Galaxy destaca a importância de diferenciações claras, como entre cessão definitiva e fiduciária, para evitar problemas jurídicos. Além disso, a governança dentro desses instrumentos pode facilitar ajustes no meio do caminho, como a troca de dívidas. O foco está em alinhar segurança para investidores e viabilidade para produtores, mesmo em um cenário desafiador, especialmente no âmbito judicial.
Ricardo Lotti, Sócio, Pantálica Partners
Ricardo destacou que a tecnologia desempenha um papel essencial no monitoramento do agronegócio, tornando previsível o que antes era imprevisível. Ferramentas modernas, como inteligência artificial, imagens de satélite e medições de pluviometria em tempo real, permitem prever etapas como plantio, adubação e colheita, além de monitorar a aplicação correta de insumos. Isso reduz custos e mitiga riscos, tornando as operações mais eficientes e confiáveis. A aplicação tecnológica simplifica processos que antes demandavam equipes em campo, democratizando o acesso ao monitoramento no setor.
Bruno Tuca, Sócio Mattos Filho Advogados
Bruno reforçou que a tecnologia no agronegócio brasileiro já é de ponta e pode ser amplamente utilizada para monitoramento e gestão eficiente. Em operações anteriores, o uso de tecnologia pela indústria de insumos mostrou resultados positivos, sem problemas significativos. Além disso, os instrumentos de mercado, como o Fiagro, se tornaram mais flexíveis com as recentes mudanças regulatórias, permitindo estruturas criativas. É possível combinar terrenos, CRAs e cotas, garantindo recuperação para o produtor e segurança para os credores. Apesar dos desafios com recuperações judiciais (RJs), espera-se que soluções inovadoras surjam desse cenário.
Elias Jose Azevedo, Sócio, EJAFAC Turnaround Advisory Ltda
Elias ressaltou o painel, destacando a complexidade e incerteza das recuperações no setor agro. Ressaltou que, embora não atuem diretamente na área jurídica, ela é indispensável em processos de reestruturação, sejam eles com ou sem estresse. Ele também apontou a insegurança jurídica como um desafio significativo, mencionando que as decisões judiciais podem variar conforme o magistrado, o que afeta a confiança dos investidores. Finalizou afirmando que a dimensão desses desafios só será compreendida ao longo do tempo.