MODERADOR: FABIO ROSAS (sócio do Lefosse Advogados)
DEBATEDORES: JESSICA LIOU (sócia de Weil, Gotshal & Manges LLP) e FABIANA SOLANO (sócia do Felsberg Advogados).
PALAVRAS-CHAVE: direito empresarial - falência – recuperação judicial – venda de ativos
O painel conduzido pelos advogados Fabio Rosas, Jessica Liou e Fabiana Solano teve como tema a “Venda de Ativos” em ambiente de insolvência.
O moderador iniciou sua fala cumprimentando as debatedoras Fabiana Solano e Jessica Liou e relatora Mariana Jurado, a diretoria do TMA Brasil, os patrocinadores e esclarecendo que o painel seria realizado em inglês, a fim de dar mais dinâmica ao debate, especialmente em razão da participação da Jessica, diretamente de Nova Iorque.
Começa ressaltando a importância da utilização da venda de ativos no Brasil, seja em situação de distressed, em pré-insolvência e, principalmente em situações de insolvência.
Prosseguiu passando a palavra para Fabiana, a fim de que fale sobre o desenvolvimento da venda de ativos no Brasil no ambiente de special situations, reestruturações e reorganizações.
Antes de iniciar suas colocações, Fabiana agradece ao TMA pelo convite e fala da importância do projeto “Café Internacional” a fim de promover o debate e obter inspiração no sistema de insolvência de outros países, como já ocorre com o sistema brasileira.
Fabiana ratifica que a venda de ativos é um assunto de máxima importância para o sistema brasileiro, sendo uma das três formas possíveis de reorganização empresarial, juntamente com a obtenção de novos financiamentos e a redução do débito, que podem ser utilizadas de forma combinada.
Explica a Jéssica que em um ambiente de reestruturação, sob a égide da Lei nº 11.101/2005, é vedado ao devedor vender os bens integrantes de seu ativo não circulante sem prévia autorização judicial e oitiva dos credores e que, se aprovada, tal venda será realizada livre de ônus e sucessão aos adquirentes.
Relembrou, que essa foi uma das maiores inovações trazidas pela Lei nº 11.101/2005, inspirada no US Bankruptcy Code.
Explica que, em razão de uma “cultura de litígio” existente no Brasil, a venda de ativos não era realizada no ambiente de reestruturação, com um excesso de judicialização provocado por alegações de preço vil, existência de cláusulas contratuais abusivas, falta de transparência, etc.
Prossegue dizendo que esse excesso de judicialização trazia aos investidores falta de segurança jurídica para realização da aquisição. Assim, nos últimos anos o devedor passou a ser obrigado a incluir a venda de ativos no plano de recuperação judicial, que é negociado com todos os credores envolvidos.
Assim, após um prazo de 6 meses a um ano o devedor poderá finalmente ter a venda de ativos aprovada, com a homologação de seu plano de recuperação judicial.
Fabiana explica, ainda, que o Brasil tem vários casos de sucesso na venda de ativos após a promulgação da Lei 11.101/2005, mas que o problema da solução encontrada pela legislação brasileira para dar segurança jurídica aos investidores é que ela ocorre muito tarde dentro do procedimento de reorganização, o que a torna ineficiente.
Relata que, em 2020, após os players observarem os problemas ocorridos em diversos casos de reestruturação, foi trazida a inclusão – por meio da reforma contida na Lei nº 14.112/2020 – uma solução para dar mais eficiência e segurança jurídica à venda, afastando a possibilidade de anulação da venda pelo Juízo, desde que o devedor tenha recebido o preço correspondente.
Diz que essa alteração trouxe mais confiança aos investidores, mas, por outro lado, a venda antecipada é penosa pois, além da autorização judicial é necessária a oitiva do comitê de credores e do administrador judicial.
Nesse sentido, ressalta que na maioria dos casos não há comitê formado, o que faz com que o juiz ouça todos os credores antes de conceder a autorização. Ao mesmo tempo, alguns investidores solicitam a oitiva do Ministério Público e do Fisco, com base da redação do artigo 142, § 7º, o que acaba postergando ainda mais o procedimento.
Segundo Fabiana, a lei resolveu o problema da segurança jurídica para aquisição de ativos em ambientes de reestruturação, porém deixou de solucionar o problema do rápido acesso do devedor ao dinheiro, o que é extremamente necessário para o soerguimento da empresa, ante à escassez de crédito.
Ressalta, ainda, um novo aspecto trazido pela reforma, que diz respeito ao artigo 73, VI, que impede a liquidação substancial de ativos da empresa, que possa causar seu “esvaziamento patrimonial”. Com isso, credores extraconcursais podem recorrer ao judiciário para tentar impedir a venda dos ativos sob o argumento de que teriam prejuízo com essa venda.
Jessica inicia sua fala pontuando que há muitas diferenças entre o sistema brasileiro e o sistema norte-americano, que contribuem justamente para a eficiência e a rapidez na venda dos ativos.
Explica que a venda é realizada por meio de um plano previsto no Chapter 11, de forma similar ao que ocorre no Brasil, que requer o preenchimento de certos requisitos junto à Corte, inclusive a oitiva dos credores e a votação desse plano.
Diz que todos esses procedimentos podem levar bastante tempo, de modo que a legislação norte-americana permite uma alternativa para evitar a deterioração dos ativos, com a realização da venda por meio da Section 363 do US Bankruptcy Code, que permite a venda mesmo quando há objeção de credores.
Esse tipo de venda é bem diferente da venda prevista no plano de reorganização e era inicialmente utilizada para vender ativos não essenciais, permitindo ao devedor uma rápida capitalização que viabilizasse o pedido do Chapter 11 e os custos decorrentes dele.
No entanto, nas últimas décadas passou a ser utilizado também para a venda de ativos essenciais em casos em que o negócio propriamente dito estava sob risco de rápida deterioração e perda de valor, realizando-se a venda em questão de dias.
Ressalta que há casos em que a venda substancial da empresa é necessária para maximizar os ativos e preservar o seu valor, e proteger os interesses de todos os envolvidos. Nesse caso, a venda poderá ocorrer em duas fases: primeiro essa parte do negócio que está “definhando” pode ser vendida pela Section 363 e, posteriormente, o restante poderá ser objeto do plano de reorganização.
Também explica que há outros pontos que colaboram para a eficiência do procedimento, como por exemplo o fato de que todos os credores são sujeitos ao procedimento do Chapter 11, não havendo exceção, limitando-os ao resultado da venda.
Fabio complementa dizendo que é importante ver como funciona o sistema estadunidense, uma vez que ele está décadas à frente do sistema brasileiro e que é interessante ver que lá a venda e o dip financing são importantes como são no Brasil.
Continua dizendo que todas as formas de venda de ativos no Brasil são arriscadas, especialmente em stressed situations, mas que a nossa legislação tornou essa venda mais atrativa, protegendo os investidores - o que acaba por causar o já mencionado prejuízo de tempo ao devedor que precisa de financiamento. Aproveita para consignar que o sistema brasileiro já admite a figura do stalking horse, que foi combinado com o dip financing pela primeira vez no caso OAS, em 2016.
Fabiana aponta que umas das diferenças mais interessantes entre os dois sistemas está na liberdade que a legislação norte-americana dá aos envolvidos para decidir sobre a situação de crise. Pontua que no Brasil há um preconceito contra os devedores, que são tidos como pessoas que agem sempre de má-fé, o que faz com que a urgência da situação seja descredibilizada.
Pontua também toda a preparação do pedido, que leva meses e possui diversas exigências. Toda essa preparação permite que as providências sejam rapidamente tomadas e a venda ocorra em poucos dias.
Fabiana também questiona Jessica sobre o conceito de equitable protection, que poderia ser desenvolvido e implementado no sistema brasileiro.
Jessica explica que, como parte de um “pré-planejamento” em um ambiente de crise, pessoas que tenham algum tipo de interesse na companhia não podem ser responsáveis pela tomada de decisões que possam pessoalmente beneficiá-las, devendo ser escolhido um diretor independente.
Segundo ela, é uma tendência recente, porém bastante popular, que o conselho ou os sócios da companhia indiquem diretores inteiramente independentes, a quem serão delegadas certas responsabilidades, como negociação e aprovação de transações. Essa tendência é uma forma de proteger todos os players do sistema e permitir que a companhia tenha acesso ao procedimento do Chapter 11 sem maiores questionamentos.
Jessica finaliza esclarecendo que a venda prevista na Section 363 é muito apreciada pelos adquirentes, pois eles podem não apenas escolher quais ativos querem adquirir, mas também quais responsabilidades quer assumir e quais remanescerão com a companhia requerente.
Outro ponto apreciado pelos investidores é o fato de que o Congresso determinou que, ainda que a decisão da Bankruptcy Court seja objeto de recurso, se o adquirente estiver de boa-fé a decisão não poderá ser reformada e o caso deve ser encerrado.
Fabio considera que as práticas de outros países e sua possível inserção no sistema brasileiro devem ser vistas com cuidado, pois cuida-se de um mercado diferente, com uma cultura diferente para os negócios, mas que o sistema está caminhando para uma evolução.