O painel Quarta Online, com o tema Criptomoeda e o cenário de insolvência mundial, realizada dia 26 de maio de 20201, das 9hs às 10:30hs, teve como debatedores: Bruno Balduccini, sócio do Pinheiro Neto Advogados; Juliana Sato, especialista em gestão de ativos financeiros; e Sergey A. Treshchev, sócio Squire Patton Boggs. A Relatoria foi de Luiz Gustavo Bacelar, sócio de Bacelar Advogados, e a moderação foi de Luciana Celidonio, sócia de Tauil & Chequer Advogados.
Aludido evento foi uma realização da TMA Brasil, com patrocínio institucional do BTG Pactual e do Galdino & Coelho Advogados, com streaming pela Bowie.
Após Luciana Celidonio apresentar os participantes, a palavra foi dada ao Bacelar, desejando boa palestra a todos. Em seguida, a palavra foi passada ao Bruno Balduccini, que tratou da situação dos criptoativos no Brasil, vis à vis às regras, tendo em vista o impacto desse tema em face do tema maior que é o da insolvência mundial de ativos.
Apresentou, então, assuntos desde 2014 que, em seus termos, são “regulatórios”, entre aspas porque de fato não tem uma regulação, sobre o conceito de criptoativo.
Balduccini destacou que o criptoativo começou antes de 2014, mas o que aconteceu é que, em 2013, o Banco Central, na lei específica, passou a regular meios de pagamento, além da regulação já existente sobre as instituições financeiras. Exemplificou o caso da Paypal, empresa que utilizava-se de instrumentos até então não regulados.
Em seguida, o palestrante tratou da regulação sobre o conceito de “moeda eletrônica” (ou e-wallet, ou pré-pago), que é a transformação de fiat, escritural, em meio eletrônico e vice-versa.
Ressaltou ainda que o criptoativo começa a ser denominado por muitos de moeda eletrônica, momento esse em que começa uma confusão entre os termos, e o Banco Central se viu obrigado a emitir um comunicado esclarecendo essa situação, diferenciando os termos.
Então, explica que os ativos de moeda eletrônica são bankrupcy remote, ou seja, as empresas que detêm essas moedas como depósito não possuem elas como patrimônio por força de lei, e essas empresas também não podem utilizar tais moedas em suas atividades. Elas somente podem usar os reais correspondentes para a compra de títulos públicos ou depósito no Banco Central. Diante desse assertiva, Balduccini oferece o exemplo da execução sumária do Banco Neon, em que 100% das pessoas que detinham moeda eletrônica recuperaram os recursos. Assim, enuncia o palestrante que o Banco Central na época tinha muita preocupação em afirmar que os criptoativos não estavam protegidos da mesma maneira que as moedas elertrônicas, e os criptoativos não foram regulados nem em 2013 nem em 2014, afirmando o Bacen que não é de sua competência tal assunto.
Esclarece em seguida que, em 2017, a Receita Federal, por meio das Perguntas e Respostas disponíveis ao público, no imposto de renda daquele ano, afirma que, tendo em vista que as criptomoedas são ativos, há a necessidade de declaração de ganho de capital se por acaso houver aumento do valor de tais ativos, afastando mais ainda o conceito de moeda. A Comissão de Valores Imobiliários, igualmente nesse ano, afirmou que não regula esses ativos, mas também que eles são de alta volatilidade e são de alto risco.\
Discorre também sobre 2 ofícios circulares da CVM afirmando que: esses ativos não poderiam ser ativos qualificados para um fundo adquirido no Brasil, já que não são ativos de natureza financeira; e que, tendo em vista a possibilidade de um fundo no Brasil comprar cotas de um fundo no exterior, e haver a possibilidade de no exterior esse fundo comprar esses ativos, o brasileiro teria acesso indireto ao criptoativo através da figura de “fundo de fundos”.
Em seguida, Balduccini explana sobre a regulamentação de 2019 por instrução normativa da Receita Federal, determinando que as exchanges têm obrigatoriedade de prestar informações dos clientes que compram criptoativos em suas plataformas. Ainda, a Receita Federal enuncia um conceito de exchange, que Balduccini afirma ser muito amplo, qual seja: “qualquer entidade ou pessoa que faz a intermediação é uma exchange”.
Afirma que o criptoativo é permitido no Brasil, com regulamentação muito mais flexível do que em outros países, tendo somente 2 limitações: não é possível comprar criptoativo no Brasil, vende-lo no exterior e receber em dólares, procedimento esse que somente pode ser realizado por corretoras de câmbio, não possibilitando o uso de criptoativos como lastro para recursos do exterior; a segunda é que, se ofertar um criptoativo de forma indiscriminada, tendo ele algumas características, ele pode sim virar um valor imobiliário, e com uma oferta de valor imobiliário, deve-se seguir as regras da CVM, então não se pode fazer isso sem ser uma entidade regulada.
Dessa maneira, atualmente há uma pressão do governo para que o Banco Central passe a regular as exchanges, tendo uma proposta legislativa feita pelo departamento de normas do Banco Central, trazendo para regulação as exchanges de cripto, o que traz outros diversos problemas, inclusive de custo regulatório. Há também as stable coins e o blockchain, no contexto do novo projeto de lei cambial dando todo poder ao Banco Central regular o assunto do câmbio, além da possibilidade do Banco Central utilizar novas tecnologias.
Finaliza dizendo que há 5 anos atrás o Banco Central era contra a detenção de criptoativos por instituições financeiras, mas hoje entende a necessidade de regulação desses.
Em seguida, a palavra é transmitida para a Juliana Sato, que começa dizendo sobre uma exchange brasileira que permite o uso de criptomoedas como garantia. Posteriormente, trata da fundação da Mt. Gox, situada em Tokyo, em 2010, afirmando a ausência de regulamentação naquele período, tendo em vista que o Bitcoin surgiu em 2008. Essa exchange acabou sofrendo um ataque onde teve perda de liquidez e perdeu os saques de seus clientes, e nessa época ela era responsável por transacionar cerca de 70% da volumetria de criptoativos do mercado.
Ela, enquanto devedora, teve que apresentar um plano de reconstrução da empresa, conforme a legislação japonesa mas o Tribunal de Tokyo convolou seu processo em falência, e Estados Unidos e Canadá passaram a ter muitas execuções contra a Mt. Gox. Afirma em seguida que a empresa invocou o Chapter 15 da US Banckrupcy para pedir que o processo de insolvência fosse reconhecido como processo principal, a fim de suspender as demais execuções, sendo deferido pela Corte americana e a Corte canadense, com um processo principal ocorrendo somente no Japão.
Sato, em seguida, afirma a ocorrência da fase de liquidação de ativos, em torno de 2016, 2017. No período de 2014 a 2017, aumentou o valor dos bitcoins, e a empresa passou a ser solvente, ou seja, ter caixa para pagar os credores. A lei japonesa, por sua vez, afirmava que a liquidação dos ativos deveria ser feita conforme o valor no momento da quebra, gerando impacto no mercado e sobre os credores, ferindo princípios da insolvência ou deixar de maximizar o retorno aos mais interessados no recebimento dos ativos, entrando com pedido de retorno da falência para a reabilitação civil.
Juliana Sato diz, em seguida, sobre as regulações de criptoativos a partir de 2018, afirmando que recentemente o Japão alterou a lei de serviços de pagamento, abordando que as criptomoedas poderiam ser definidas como um valor proprietário, o que pode influenciar na decisão de 2018 quando, o Tribunal questionava sobre a possibilidade de entrega do bitcoin como coisa-propriedade – esse caso ainda não teve desfecho.
Após, Juliana Sato fala de 2 casos no Brasil: o do Grupo Banco Bitcoin e o do BWA, processos atualmente em convolação em falência.
A palavra posteriormente foi passada para Luiz Bacelar, o qual afirmou que, além dessas empresas não cumprirem com os processos de recuperação judicial, elas nem estavam em atividade, ou seja, estavam com o escritório aberto mas os servidores sequer estavam em funcionamento, além de não terem conseguido demonstrar em nenhum dos casos transparência em suas atividades, causando grave prejuízo ao seu conjunto de credores, ocasionado isso também até por uma falta de regulamentação.
Após questionamento da Luciana Celidonio, Juliana Sato salientou que há a discussão ainda sobre a quem pertenceriam de fato os criptoativos, ou seja, às exchanges ou aos credores, e Luiz Bacelar indicou que sequer essas criptos não estavam em posse das referidas exchanges, e que, apesar da regulação ir contra a origem das criptomoedas, há a necessidade de tal regulação para resguardar os credores.
Em seguida a palavra foi passada para Sergey A. Treshchev, o qual iniciou afirmando que as situações expostas por Juliana e Bruno são muito parecidas com a da Rússia, país que no início não prestou muita atenção às criptomoedas e de seu processo de mineração. Assim, diz que a Rússia poderia ter feito como a U.K. Jurisdiction Task Force, esse que, em seu relatório sobre o estado de criptoativos em contrato smart, dizia que o direito da Inglaterra é muito flexível para regular novas tecnologias e instrumentos comerciais baseados nessas mesmas tecnologias, sendo um fundamento legal seguro e sólido para o desenvolvimento. Treshchev salienta também que a Rússia segue o direito codificado, como nos países centrais da Europa e no Brasil e, portanto, aquele país deveria estabelecer legislações para tal regulação.
Sergey Treshchev recorda ter falado em palestra de 2 anos atrás sobre a existência naquela altura de inúmeros problemas na Rússia por conta da falta de base normativa sobre os criptoativos e falência, afirmando que os Tribunais competentes para julgar tais processos de falência precisam de regulamentações para guiar suas decisões. Em 2017, o governo aprovou princípios gerais e uma plataforma básica para a proposição de novas leis, e como resultado, em outubro de 2019, o Código Civil russo foi alterado com a introdução dos direitos digitais. Em 2021, foi alterada a lei de crowdfunding para a introdução do tema das moedas digitais, o que foi feito de forma premeditada para diferenciar tais moedas das criptomoedas além da possibilidade de compra de ativos digitais.
Afirma também que toda as operações de ativos digitais, financeiros ou utilitários, estão sob o controle do Banco Central da Rússia, dizendo que a moeda e também os pagamentos feitos para contas bancárias seriam insuficientes para o desenvolvimento da economia. Ademais, ultimamente o Banco Central russo mudou sua postura em relação à circulação e ao uso da moeda cripto e decidiu que nos próximos cinco ou dez anos deve ser excluído totalmente o uso de moeda metálica e deixar somente o dinheiro em notas e transferências bancárias, além da criação dos meios digitai, estes últimos muito semelhantes ao sistema de criptoativo no Brasil em relação ao seu uso pelas instituições financeiras.
Treshchev salienta também que nesse ano há alterações legislativas sendo realizadas e espera-se que em 2022 elas sejam aprovadas, mas ainda há dúvida sobre como serão realizadas as cobranças de imposto sobre os criptoativos, e Treshchev vê que, como muitas pessoas físicas estão envolvidas nesse processo, eles vão tomar o lado de aplicação do imposto sobre a renda. Também informa que as moedas digitais fazem parte dos ativos de algumas empresas russas, mas não podem ser usadas como meio de pagamento.
O palestrante ainda expõe um caso paradigmático em que o administrador, pessoa física em falência, pediu o acesso aos seus criptoativos e o juiz decidiu rejeitar esse pedido, pois não se pode garantir a proteção e o acesso a um ativo que não existe diante do instituto russo do direito de propriedade conforme estabelecido no Código Civil daquele país. Em seguida, o Tribunal de Apelação tomou decisão contrária confirmando que a lista de direitos de propriedade definida naquele Código não é exaustiva e, qualquer direito de propriedade, mesmo que não mencionada nessa normativa, deveria ser considerado. Ou seja, ainda que na lei de moeda digital, tal moeda é uma garantia, nas leis sobre falência e sobre processo de execução, a moeda digital é propriedade, existe ainda uma diferença de definições sobre seu conceito.
Além disso, Sergey diz que na China foi proibida a atividade de empresas de mineração por conta do uso de muita energia elétrica nesse processo, e, segundo dados da China e prognósticos, somente essas companhias vão consumir mais energia elétrica que toda a Itália em 1 ano. Para ele, as ações em torno das criptomoedas deveriam ser mais suaves, e que o mercado desses ativos no mundo é muito flexível., mas que o desenvolvimento digital não deve ser parado.
Posteriormente, Luciana Celidonio questiona Sergey se, no caso que ele expôs, o dono da criptomoeda conseguiu recuperá-la, em que Sergey afirma que em muitos casos os proprietários desses ativos perdem as chaves, e não conseguem recuperar os valores, problema esse que deve ser discutido, e que, com a moeda digital controlada pelo Estado, a recuperação fica mais fácil.
Logo depois a palavra foi de Bruno Balduccini, o qual entende que, se o devedor que tem um criptoativo com determinada entidade fazendo a custódia, essa entidade segura a chave de acesso e, diante da regulação já existente, é bem factível a regulação nesses casos também, em comparação com outros ativos já regulados que hoje já são usualmente deixados em custódia.
Sergey, após, afirma estar de acordo, mas ressalta que a unanimidade era o princípio mais importante estabelecido no surgimento das criptomoedas, e que, por exemplo, na Alemanha, em 2013, o governo reconheceu o bitcoin como “moeda de conta”, mas 3 anos depois, o Banco Central alemão disse que a criptomoeda não deve ser instrumento de pagamento. Nos EUA, está sendo investigada uma exchange norte-americana de criptomoeda por suspeita de lavagem de dinheiro, e, dessa maneira, a unanimidade é uma vantagem dos investidores que não querem que suas informações sejam divulgadas. Mas de outro lado, essa unanimidade faz os governos considerarem essa moeda como mecanismo de ações ilegais. Assim, o poder público realizar acordos com as exchanges poderia beneficiar para o uso legal desses ativos.
Bruno, por sua vez, diz que há diversas questões, inclusive de segurança jurídica, para o uso das criptomoedas, existindo diversos dilemas em relação à regulação estatal, inclusive sobre o custo regulatório.
Por fim, Juliana fala da tentativa de localização dos ativos, e de uma Exchange que realizou um IPO e fez um Guia ao Administrador de Falências, como uma orientação para os trustees poderem localizar as suas criptomoedas. Assim, Sato diz ser importante a realização de transparência das exchanges.
Luciana, após, questiona se é possível perguntar à receita federal sobre dados de determinado CPF envolvendo certa criptomoeda, e mesmo a receita afirmando que sim, sua localização é de difícil acesso.
Posteriormente, uma pergunta foi feita por um espectador, questionando se seria ponto pacífico afirmar que o proprietário de criptoativo é um investidor, e Bruno afirma que o termo “comprador” seria melhor para não se entrar numa regulação muito complexa que envolveria CVM e demais órgãos quando a proposta seria reduzir a regulamentação, e Sergey diz que, segundo a lei do cowrdfunding russa, os proprietários de criptoativos utilitários seriam chamados de investidores, e os de criptoativos digitais não.