No dia 22 de março de 2023, o TMA Brasil promoveu o evento Quarta Online, com o tema “Enunciados Fonaref – Primeira Parte”.
Compuseram a mesa virtual o Exmo. Dr. Daniel Carnio Costa, Juiz Titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de SP e Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público eleito pelo STJ para o biênio 2021/2023, a Dra. Camila Tebaldi, advogada e sócia-diretora do Ferraz de Camargo e Matsunaga Advogados e o Dr. Gilberto Gornati, sócio do Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil Advogados. O debate foi moderado pela Dra. Juliana Bumachar, sócia do Bumachar Advogados, e contou com a presença da Dra. Eleonora Cotrim, advogada do Mattos Filho Advogados, na relatoria.
Na abertura, a Dra. Juliana Bumachar apresentou os debatedores, contextualizou o objeto do painel e comunicou que os enunciados em debate estão disponíveis no sítio eletrônico do Fonaref . A Moderadora aproveitou para convidar os ouvintes a participarem da segunda parte do painel, que aconteceu na semana seguinte.
Passada a palavra ao Dr. Daniel, ele apresentou o histórico do Fonaref e como surgiram os enunciados. O Fonaref surgiu diante da necessidade de reforma do ambiente institucional para a boa aplicação da Lei. Em 2018, o Dr. Daniel foi convocado para atuar no Conselho Nacional de Justiça – CNJ para paralelamente às discussões sobre a reforma da LRF, iniciar uma reforma no ambiente institucional de aplicação da Lei junto a um grupo de trabalho composto por outros juristas atuantes na área, com foco na edição de atos normativos. Após diversas renovações e diante de sua importância, o grupo de trabalho foi transformado do Fonaref, o Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências.
O Dr. Daniel explicou que o objetivo do Fonaref é orientar políticas públicas na área de insolvência, de modo a estruturar melhor o poder judiciário para lidar com esse tipo de demanda, com impactos econômicos—sociais gigantescos.
Realizado o 1º Congresso do Fonaref, foram eleitos alguns temas para serem discutidos e votados, sendo o principal deles o sistema de pré-insolvência.
2. ENUNCIADOS FONAREF - PRIMEIRA PARTE
Após as considerações iniciais, a Dra. Camila introduziu os primeiros dois enunciados. Com relação ao 1º enunciado , a Dra. Camila ressaltou que a interpretação deve ser realizada em conjunto com o 6º enunciado, objeto de exposição pelo Dr. Gilberto. Os principais pontos destacados são: (i) a possibilidade de requerimento da medida cautelar incluindo credores concursais ou extraconcursais; e (ii) a possibilidade de mediação em grupo.
A Dra. Juliana destacou a extensão da medida cautelar e esclareceu que não se trata da medida cautelar prevista no §12º do art. 6º da LRF. O Dr. Daniel, por sua vez, apontou que existem três medidas cautelares no âmbito da recuperação judicial, sendo duas típicas (art. 6º, §12º e art. 20-B, §1º) e uma atípica, fundamentada no art. 305 e seguintes do CPC.
Para a Dra. Camila, no que concerne ao enunciado 2 , deve-se observar que o momento de suspensão da prescrição diverge do momento em que o devedor faz jus ao benefício da suspensão. A painelista destacou que o enunciado 4 aponta o prazo previsto no art. 305 do CPC e que referido dispositivo legal pressupõe que a parte indique qual é a medida principal que se buscará, que, no caso, pode ser uma recuperação judicial ou extrajudicial.
Em razão da correlação entre os enunciados, Dr. Gilberto, divergindo de alguns painelistas, trouxe outra posição sobre o enunciado 6 . Ao contrário do posicionamento do Dr. Daniel, no sentido de que a medida cautelar prevista no art. 20-B mimetizaria o stay period, o Dr. Gilberto entende que ele efetivamente é o stay, em razão do desconto do prazo previsto no §3º . No mais, o Dr. Gilberto entende que as recuperações judiciais e extrajudiciais são processos suis generis, em que não há contraparte, mas que terceiros (os credores) são afetados, razão pela qual eles podem se habilitar nos procedimentos. Diante da interpretação do §1º do art. 20-B, o Dr. Gilberto entende que todos deveriam atingidos pelo stay, especialmente considerando o desconto previsto no §3º. Para o Dr. Gilberto, a cautelar é uma medida extraordinária dentro de um processo (recuperação judicial ou extrajudicial) extraordinário e suis generis, razão pela qual deve atingir todos os credores.
O Dr. Daniel, no entanto, entende que a cautelar prevista no art. 20-B não é preparatória de um pedido de recuperação judicial, tendo o condão e intuito de, inclusive, evitar o ajuizamento de um pedido de recuperação judicial. Ainda, a cautelar prevista nesse dispositivo legal permite incluir credores não sujeitos à recuperação judicial. Para o Dr. Daniel, a suspensão é ope legis e a habilitação do credor no processo de recuperação judicial serve para que ele exerça seus direitos políticos, para que ele possa votar, pois sujeito ele já está em decorrência da Lei.
No mais, o Dr. Daniel reconhece que o desconto previsto no §3º é incongruente com o que pretende ser uma medida de natureza diversa do stay period. A lógica do dispositivo é evitar uma utilização predatória da medida e alongar os prazos de suspensão de maneira indefinida.
Do ponto de vista prático, o Dr. Daniel entende ser mais fácil estender a medida em situações pontuais do que estender a todos desde o início, justamente a fim de evitar o uso abusivo da medida. Entretanto, o Dr. Gilberto pontua que, mesmo do ponto de vista prático, todos os credores sujeitos são afetados pelo procedimento, por força da lei.
A Dra. Juliana pontuou que, na prática, se a cautelar fosse para todos os credores, estaríamos falando do §12 do art. 6º, que seria uma medida cautelar preparatória a um processo e que poderia prever uma mediação. Para ela, o art. 20-B trata da possibilidade de um grupo menor e que não necessariamente haveria a necessidade de um pedido principal. Já para o Dr. Gilberto, o dispositivo deixa claro que a parte requerente precisa preencher os requisitos para ajuizamento de um pedido de recuperação judicial, razão pela qual a tutela cautelar está diretamente ligada ao processo.
Após um caloroso debate, o Dr. Gilberto refletiu sobre os problemas existentes no enunciado 8 . Para ele, o Juízo Recuperacional deve zelar pelo art. 7º do CPC , isto é, pelo efeito contraditório. Desse modo, ao dispor que qualquer credor por alegar ao Juízo que a devedora não promove ou procrastina, de qualquer forma, o regular andamento do procedimento de mediação, é uma violação ao efetivo contraditório. Ademais, para ele, deveriam ser ouvidos todos aqueles que participam da mediação, inclusive o mediador. Apenas assim seria possível confirmar se há um comportamento procrastinatório por qualquer das partes.
O Dr. Daniel entende que é necessária a demonstração e não a mera alegação de procrastinação, não podendo o contraditório ser excluído, como apontado pelo Dr. Gilberto.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após um debate de alto nível sobre os enunciados, a Dra. Juliana destacou a importância do tema e encerrou o painel. A íntegra do painel está disponível no canal do Youtube do TMA Brasil, por meio do link https://www.youtube.com/watch?v=7KI2iGQnuiI.