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Quarta Online - Série: Aniversário de 01 ano da reforma da Lei de RJ e Falência

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 Tema: Consolidação Processual e Substancial: Decisões Recentes

 


  No dia 16 de fevereiro de 2022, o TMA Brasil promoveu debate virtual moderado pela Dra. Renata Oliveira, sócia de Machado Meyer Advogados, sob a relatoria do Dr. Filipe Guimarães, sócio de Galdino e Coelho Advogados, com a participação dos debatedores Professor Dr. Alberto Camiña, sócio de Camiña, Del Ponte e Ashiro Advogados e Professora Dra. Sheila Neder Cerezetti, professora de Direito Comercial da USP, para a discussão do tema “Consolidação Processual e Substancial: Decisões Recentes”. O debate integrou a série “Aniversário de 01 ano da reforma da Lei de RJ e Falência”.

  Introduzindo o painel, a Dra. Renata Oliveira fez as primeiras apresentações e passou a palavra à relatoria. O Dr. Filipe Guimarães agradeceu ao TMA e à organização do evento e, a título de introdução, trouxe ponderações acerca da evolução da jurisprudência brasileira na fixação critérios em processo de parametrização para a admissão da consolidação processual e da consolidação substancial desde o início de vigência da Lei 11.101/2005 (“LRF”), suscitando que este novo momento pós-reforma é de esperança no sentido de que haja uma maior estabilização da jurisprudência. 

  A Dra. Renata Oliveira então passou a fazer suas considerações introdutórias, ocasião em que comentou sobre a importância na abordagem do tema da consolidação processual e substancial, na medida em que as sociedades optam cada vez mais pela organização em grupos, exercendo suas atividades com base nos interesses gerais do grupo e buscando aliar os benefícios da concentração econômica. Segundo a Dra. Renata Oliveira, os dados de jurimetria indicam que, no mesmo período, 20% dos casos de recuperação em São Paulo foram processados em consolidação, enquanto no Rio de Janeiro esse patamar é de 30%. 

  Conforme sustentou a Dra. Renata Oliveira, em que pesem estes institutos tenham sido objeto de uma construção doutrinária e jurisprudencial no Brasil, o legislador buscou positivá-los nos dispositivos legais introduzidos à LRF, por meio da Lei nº 14.112/20, ao contrário do que ocorre no direito norte-americano, em que estes institutos não estão positivados e a decisão normalmente compete aos credores. A Dra. Renata Oliveira fez ainda ponderações sobre as inclusões promovidas pela Lei 14.112/20, como escolha do legislador no sentido de positivar os critérios, permitindo que a consolidação seja aplicada nos casos adequados, dotando o processo de mais eficiência e maior organização. 

  O primeiro ponto de debate levantado pela moderadora se refere justamente aos dispositivos legais incluídos na LRF, que tratam da consolidação processual e da consolidação substancial, bem como à abordagem promovida pelo legislador no que diz respeito aos documentos necessários para a postulação da recuperação e à definição do juízo competente no caso de organizações empresariais com unidades de negócios espalhadas pelo país. 

  Passada a palavra ao debatedor Professor Dr. Alberto Camiña, foi destacada a importância da jurisprudência, mas em especial da boa doutrina, espaço em que o trabalho da Professora Dra. Sheila tem sido fundamental no país nos últimos anos. Foi por ele ainda exposto que um dos maiores acertos trazidos pela reforma da LRF foi a manutenção da individualidade (ou independência) de cada devedor durante todo o processo e a utilização de regras específicas da recuperação, deixando de lado o regramento geral do Código de Processo Civil (“CPC”) nos casos de pluralidade de sujeitos no polo ativo – o “litisconsórcio ativo”, sob a ótica puramente processual. O debatedor deixou claro que, no seu entender, o regramento do litisconsórcio nunca foi adequado. As noções de processo civil (destinadas à solução de casos individuais) não são suficientes, porque não foram pensadas para processos concursais envolvendo grupos empresariais.

  O debatedor contextualizou, ainda, que a regra contida no caput do artigo 69-G da LRF está sendo bastante criticada, porque ausente a definição de grupo econômico, o que vem culminando na existência de diferentes interpretações. A título de exemplo, mencionou o caso do Grupo Nova Noiva (Recuperação Judicial nº 1092381-06.2020.8.26.0100, 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível da Comarca de São Paulo/SP, Juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho), que é composto por 10 sociedades que estão em recuperação – no caso concreto, duas pessoas físicas possuem participação em cada uma dessas 10 sociedades, sem que haja participação de uma sociedade na outra. Desta forma, não estariam preenchidos os requisitos da LRF para a caracterização de grupo econômico pelas noções usualmente aplicadas, mas, pela interpretação extensiva deste dispositivo, seria possível identificar a existência de um grupo societário.

  Ainda sobre este dispositivo, destacou o debatedor que a regra prevista no parágrafo segundo é passível de complementação, já que a menção ao local do principal estabelecimento entre os devedores, caso seja interpretada de forma literal, também causará confusão. Entende que os Tribunais brasileiros têm aplicado noções muito vagas sobre o conceito de “principal estabelecimento”. Ademais, esclareceu que é preciso admitir a consolidação em recuperações que tratam de sociedades devedoras que estejam sediadas em diferentes localidades, o que se justifica, inclusive, pela superação do problema anteriormente existente com relação à dificuldade dos credores de participarem ativamente do processo. 

  Também a Dra. Renata Oliveira mencionou outro caso de relevância sobre o tema (recuperação de Nicoletti Confecções e outras), relatado pelo Desembargador Mauricio Pessoa (Agravo de Instrumento nº 2062604-31.2021.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, j. 19.08.2021), por meio do qual se esposou o entendimento pela manutenção da decisão que indeferiu o processamento da recuperação em consolidação processual, determinando-se o aditamento da petição inicial para incluir outras sociedades no pedido.

  O segundo ponto colocado em debate pela moderadora foi a consolidação substancial e as tendências jurisprudenciais, momento em que se passou a palavra à Professora Dra. Sheila Neder Cerezetti. 
  A Professora Dra. Sheila fez breve introdução a respeito da diferenciação entre consolidação processual e substancial na LRF. Para a debatedora, a reforma da LRF colocou fim à confusão feita há tempos no que tange aos institutos da consolidação processual e substancial a partir de uma separação dos conceitos. 


Desta forma, leciona que, enquanto a consolidação processual se relaciona com o litisconsórcio ativo facultativo e com a ideia de que existem benefícios de eficiência processual na unificação de procedimentos (tais como a indicação de um Administrador Judicial, a presença de um juiz competente e a existência de prazos comuns), a consolidação substancial trata de um assunto mais profundo e excepcional: a possibilidade de unir não apenas procedimentos e/ou o processamento, mas também ativos e passivos sujeitos à recuperação judicial. 


  Sustentou a debatedora que é preciso levar em consideração a forma pela qual o regramento vem sendo tratado pela jurisprudência na prática, que se posicionava de forma um tanto quanto leniente antes da reforma – para tanto, informou ter efetuado levantamento dos casos no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo e ter identificado que o julgador, em muitos casos, faz menção apenas aos fatores descritos nos incisos, mas não ao requisito estabelecido no caput do art. 69-J da RLF. Após a reforma, notou que muitos julgados ainda passam ao largo de uma análise adequada dos requisitos legais para a configuração da consolidação substancial, mas que exemplos como estes têm sido minoria.  


  Ademais, sustentou que o fato de a LRF não ter disciplinado a consolidação voluntária (decidida pelos credores) tem trazido bastante insegurança e dúvidas, mencionando alguns julgados em que, na ausência desta previsão, estabeleceram na prática a definição de que haveria apenas consolidação obrigatória – ou seja, pela necessidade de o juiz decidir sobre a matéria. 


  A respeito disso, mencionou a possibilidade da coexistência da consolidação obrigatória com a voluntária, indicando a decisão monocrática proferida pelo Ministro Humberto Martins, no caso do Grupo Héber (SLS nº 3.018/SP, j. 10.11.2021), de teor bastante criticado, na medida em que (i) se afirmou que a decisão quanto à consolidação cabe ao juiz, e não aos credores; e (ii) a decisão parte de uma análise teórica estruturada em fundamentos criticáveis, especialmente com relação à análise feita sobre questões de direito comparado. 


  A Dra. Renata Oliveira, em seguida, concordou com os pontos de preocupação trazidos pela Professora Dra. Sheilla, em especial com a decisão monocrática proferida na SLS nº 3.018/SP. A Dra. Renata entende que a consolidação voluntária deve ser respeitada nos casos em que assim for exigido. 
O terceiro ponto colocado em debate se refere à forma de deliberação da consolidação (i.e., a votação dos credores a respeito da implementação ou não da consolidação substancial em um caso concreto). 


  Passada a palavra ao Professor Dr. Alberto Camiña, foi esclarecido que os últimos precedentes analisados têm aplicado para esta deliberação do quórum previsto no art. 45 da LRF – como, por exemplo, no Caso da Odebrecht (Agravo de Instrumento nº 2262371-21.2019.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, Relator Desembargador Alexandre Lazzarini, j. 29.11.2019), sem que tenham sido feitas considerações mais aprofundadas sobre o tema. Em outro caso, do Grupo Itaiquara (Agravo de Instrumento nº 2033723-44.2021.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, Relator Araldo Telles, j. 30.11.2021), foi determinada a aplicação do art. 42 da LRF, por se entender que este seria o dispositivo aplicável para todas as situações não previstas de forma específica em outros dispositivos legais – fundamento utilizado para afastar a aplicação do art. 45 da LRF. Já no caso Constellation (Agravo de Instrumento nº 0030135-29.2019.8.19.0000TJRJ, 16ª Câmara Cível do TJRJ, Relator Desembargador Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto, j. 27.08.2019), o Relator teve uma maior preocupação com a questão, pontuando que a matéria em questão guarda estreita afinidade com as matérias trazidas no Plano, o que justificaria a aplicação da regra do art. 45 da LRF para fins de determinação do quórum, em detrimento do art. 42 da LRF. 


  Tanto os debatedores quanto a mediadora manifestaram o entendimento de que a deliberação sobre a consolidação deve ser feita pelos credores de acordo com o quórum previsto no art. 45 da LRF, e não conforme a regra do art. 42. 
O quarto ponto debatido se refere à possibilidade de o julgador considerar, para fins de consolidação, elementos oriundos da relação entre devedores e credores. 
Sobre o assunto, a Professora Dra. Sheila lecionou que, antes mesmo da reforma da LRF, já havia tratado deste tema (parecer jurídico elaborado no caso do Grupo Viver – Processo nº 1103236-83.2016.8.26.0100), aduzindo que seria necessário fazer uma análise mais profunda sobre a existência de um centro de interesses – ou seja, a relação existente entre devedores e credores deveria ser compreendida sob diferentes ângulos (i.e., entender como os credores enxergam a devedora, se enxergam aquele patrimônio intercambiável ou não, p.ex.). Todavia, este não foi um critério identificado pela LRF no movimento de reforma. Manifestou também o entendimento de que este não seria um elemento que desviaria do propósito da norma, na medida em que sua avalição constitui análise intrínseca à que se faz a respeito da confusão patrimonial e da utilização da personalidade jurídica.


  Ainda sobre o levantamento da jurisprudência do TJSP, a debatedora citou outros casos, como o caso Rosalito (Agravo de Instrumento nº 2055901-84.2021.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, Relator Desembargador Sérgio Shimura, j. 19.07.2021), em que é pontuada a necessidade de demonstração da crise para que a sociedade seja incluída no polo ativo da recuperação judicial. Mencionou, também, os casos do Grupo Renova (Processo nº 1103257-54.2019.8.26.0100, 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP, Juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho) e da Peckseven (Processo nº 1002488-91.2020.8.26.0362, 1ª Vara Cível da Comarca de Mogi Guaçu, Juíza Fernanda Pereira de Almeida Martins). 


  O quinto ponto colocado em debate se refere à possível insegurança jurídica causada pela consolidação substancial e o project finance. 
O Professor Dr. Alberto Camiña expôs seu entendimento no sentido de que as partes já dispõem um mecanismo de solução de problemas decorrentes do contrato de financiamento, em especial para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, de modo que envolver uma sociedade em um processo de recuperação judicial em consolidação com outra empresas do grupo econômico que explorem atividade diversa não parece ser o melhor caminho. Aduz também que, tecnicamente, não seria cabível por já existir uma segregação do risco de cada estrutura de financiamento, havendo uma massa patrimonial montada para pagar determinada dívida que não deveria se misturar com outras. 
  Da mesma forma, a Professora Dra. Sheila também possui suas preocupações em relação ao tema. Expôs que existe um intuito muito próprio e a necessidade de uma análise ainda mais criteriosa dos requisitos para a consolidação. 

  O sexto e último ponto debatido se refere ao questionamento feito no chat da transmissão virtual: quando ocorre a consolidação substancial obrigatória do grupo, haveria a possibilidade de se declarar a consolidação involuntária de empresas que foram deixadas de fora da recuperação judicial?
Sobre a pergunta, o Dr. Filipe Guimarães apresentou como exemplo o caso do Grupo Rodrimar (Agravo de Instrumento nº 2059599-98.2021.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, Relator Desembargador Franco de Godoi, j. 22.09.2021), em que se determinou que três sociedades que não haviam inicialmente formulado o pedido de recuperação em litisconsórcio passassem a integrar o polo ativo, à míngua de manifestação expressa de vontade neste sentido. A principal questão que exsurge diz respeito ao aparente conflito existente entre as determinações que atingem sociedades que se encontram fora do “sistema” da recuperação e o princípio dispositivo, que reconhece a cada pessoa jurídica (isoladamente considerada) a prerrogativa de formular ou não um pedido para que a ela se outorgue o especial regime da recuperação judicial. 


  A Professora Dra. Sheila, por sua vez, esclareceu que o tema é bastante delicado e que ainda não recebeu a atenção teórica que merece, bem como que existem duas hipóteses distintas: (i) a possibilidade de se chamar uma sociedade ao processo de recuperação judicial em consolidação processual; e (ii) a possibilidade de se chamar uma sociedade à recuperação em consolidação. Relembrou que estamos diante de um sistema de início voluntário da recuperação (diferentemente do que ocorre em outros países) e o legislador não optou por permitir que credores ou outros interessados requeiram a recuperação de uma sociedade. No entanto, sendo a recuperação um processo, deve-se analisar a exata medida em que pode ser afastada a disciplina tipicamente processual. 


  Para a debatedora, é possível identificar no início do processo a necessidade de se incluir uma nova sociedade ao polo ativo da recuperação judicial, e não no meio ou no fim, já que os prejuízos às empresas devedoras e aos credores seria imensurável. Uma possível saída seria determinar no início do processo se todas as sociedades legitimadas estão presentes no polo ativo, determinando, neste momento, a regularização quando for o caso. Além disso, seria necessário se atentar ao contraditório. A Professora Dra. Sheilla manifestou ainda sua preocupação com o fato e algumas decisões passadas em revista usarem a expressão “extensão dos efeitos da recuperação judicial”.


  Do mesmo modo, sustentou o Professor Dr. Alberto Camiña que o assunto é muito relevante e delicado, porque a jurisprudência já vem se posicionando para admitir a inclusão de ofício de partes que não integravam a recuperação judicial. 


  Encerrado o painel, assinalaram os debatedores, a mediadora e o relator que o debate sobre a consolidação processual e substancial deve ser mantido e incentivado, por ainda ser um assunto delicado e em muitos aspectos pouco aprofundado, em especial pela jurisprudência.
 

Autor(a)
Filipe Guimarães, Sócio Galdino & Coelho Advogados
Informações do autor
Filipe Guimarães é mestre em direito processual, autor de artigos científicos sobre direito processual e direito da insolvência. Foi professor substituto de Teoria Geral do Processo e Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da UERJ. Como advogado, possui ampla experiência em restruturações de dívidas, tendo assessorado devedores, credores e investidores em processos de elevada complexidade ao longo dos últimos 17 anos, alguns dos quais indicados como cases de grande sucesso da prática brasileira, como, por exemplo, a recuperação judicial da Casa & Vídeo, a recuperação judicial do Grupo Eneva e a recuperação extrajudicial do Figueirense Futebol Clube.

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