O evento “Solução em Foco – Garantias na RJ: Classificação do crédito e voto”, trouxe, indubitavelmente, considerável adição ao debate sobre o tema das garantias nos processos de Recuperação Judicial.
Sob a mediação de Marcelo Von Adamek, Luis Roux e Simone Barros suscitaram pontos atualíssimos e estabeleceram profundo grau de debate, identificando as grandes discussões travadas sobre a questão das garantias em âmbito recuperacional.
Tendo como ponto de partida o cenário de alterações promovido pela Lei 14.112/2020, deixou-se claro que uma das premissas da nova Lei foi o incentivo à concessão de crédito às empresas em dificuldade, o que perpassa, naturalmente, pela contraprestação de garantias.
Nesse aspecto, pontuou-se que o mercado ainda não vem utilizando as Garantias Reais em todo seu potencial, considerando que, sobretudo em razão da preferência do mercado pelas garantias excluídas do concurso de credores, o credor detentor de garantia real pode ter bastante influência no curso de negociações de uma recuperação judicial.
Nesse ponto foi trazido à tona o fato de que muitas vezes a maior oportunidade de se garantir seu direito de crédito passa pela participação no procedimento e não o contrário.
Sustentou-se que há uma preferência às garantias que não se sujeitam ao concurso, como a garantia fiduciária, olvidando que se ausentar de eventual procedimento recuperacional nem sempre é uma boa estratégia, porque muitas vezes os créditos relevantes que podem determinar o destino da empresa, mostram-se ainda mais relevantes, considerando que não é incomum que exista um credor com garantia real em todo o concurso, dominando, deste modo, toda uma classe. Nem sempre a estratégia de se ausentar do procedimento é a mais inteligente e há espaço para se trabalhar com garantia real.
Seguindo a discussão sobre as alterações promovidas pelo art. 83 e 84, da Lei 14.112/2020, os debatedores entenderam que não foram realizadas grandes modificações nesses dispositivos, que inseriram mudança terminológicas que avaliaram, inclusive, atécnicas.
Ponderaram que em verdade, a avaliação mais importante quando considerada a classificação dos créditos, sobretudo os garantidos, é quanto à percepção estratégica dos rumos que ele seguirá considerando tanto o procedimento recuperacional quanto o falimentar.
A grande avaliação estratégica mora na compreensão devida dos rumos que o crédito tomará considerando tanto o cenário da recuperação, onde são delimitadas classes para fins de voto, quanto em eventual cenário de falência, firmadas ordens de pagamento.
Avaliaram que o relativo desuso de determinadas garantias tradicionais decorre de erro de avaliação de credores neste planejamento estratégico.
Foi pontuado também que, por outro lado, a presença de outras garantias que não a fiduciária, que geralmente está em foco, depende muito da natureza da atividade em reestruturação. Pode ser utilizado como exemplo o caso dos produtores rurais, onde serão identificadas com maior recorrência garantias hipotecárias ou pignoratícias.
Ainda que haja preferência inicial por não se sujeitar ao concurso de credores, não se pode esquecer que é interesse do credor não sujeito também a efetividade e a manutenção das atividades da devedora para que seu crédito seja adimplido.
De forma ou outra, levantado questionamento a respeito da usualidade das garantias não fiduciárias, sustentou-se que o problema na verdade gira em torno da facilidade de execução das garantias fiduciárias em comparação com a dificuldade de execução das garantias clássicas reais.
Aventou-se que o principal aspecto a ser avaliado neste contexto diz respeito à qualidade da garantia prestada, sobretudo a teor do Enunciado 51, da 1ª Jornada de Direito Comercial, segundo o qual “O saldo do crédito não coberto pelo valor do bem e/ou da garantia dos contratos previstos no § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005 é crédito quirografário, sujeito à recuperação judicial”.
Criticou-se a operacionalidade da aplicação desse entendimento, uma vez que ao se aguardar a excussão da garantia, a posterior sujeição do valor remanescente prejudica o momento ideal de participação destes credores.
Também, nas hipóteses em que o valor da garantia não está previsto em contrato ou resta defasada a avaliação, dificulta-se a efetividade da medida.
Há discussões sobre qual o método correto para avaliação da garantia, sendo que o Código Civil não estabelece como requisito essencial do contrato a definição do valor da garantia. A falência atribuiu essa definição para o mercado, sendo que o parâmetro é o valor de venda do bem. Diante da ausência de previsão legal, questionaram a quem seria atribuído o múnus de estabelecer esse valor: Credor, Devedor, Juízo ou Administrador Judicial?
Talvez a definição virá da dinâmica das discussões acerca do crédito, dos embates em habilitação, divergência e impugnações de crédito.
O grande tema de todo o evento foi, desta foram, a determinação do valor da garantia para efeitos de submissão do crédito à Classe II, especialmente quando considerados casos onde a avaliação está datada, dando gênese à necessidade de se produzir avaliação estritamente técnica.
O valor da garantia repercute, em última análise na definição quanto ao peso do voto do credor, o que gera certa preocupação, em especial neste momento em que não ainda se aprofundou nas discussões acerca da definição sobre o valor sujeito. Tem-se visto que uma medida adotada frequentemente é a tomada de voto em separado pelo credor.
Avaliaram também a potencialização da dificuldade de avaliação dos bens garantidores quando o objeto da garantia é bem futuro, como por exemplo safras futuras e direitos de recebíveis.
Outro ponto fundamental do painel foi o debate sobre os casos de consolidação substancial, quando um credor presta garantia real e o outro não, restando dúvidas sobre qual seria a classificação do crédito nesta situação.
Levantou-se situação particular envolvendo casos em que o bem dado em garantia é de propriedade do sócio. A compreensão de que por se tratar de bem de terceiro, o crédito não teria garantia em face da empresa, em última análise, criando cenário em que eventual excussão do bem, faria com que o sócio além de perde-lo, sub-rogar-se-ia no direito de figurar como credor na lista de credores sujeitos à recuperação judicial, no entanto, como quirografário e em eventual falência até como subordinado.
Assim, embora o crédito possa ser real ou extraconcursal para o credor originário, para o proprietário que sub-rogou-se, seria quirografário ou subordinado, o que iria contra o espírito de uma das alterações da Lei que foi de preservar a natureza e classificação de créditos cedidos por meio da inclusão do art. 83, § 5º.
Concluíram que há oportunidade de se fazer negócios no contexto de insolvência no Brasil, havendo possibilidades muito seguras e sólidas de negócios. Sustenta haver, ainda, um mercado pujante envolvendo ativos estressados e que pode ser bastante atrativo para investidores. Concluem que há também a necessidade de se repensar as garantias na Recuperação Judicial de forma mais estratégica.
29/09/2021