De acordo com a teoria do “romance em cadeia”, elaborada por Ronald Dworkin, em sua obra “Uma questão de princípio”, cada juiz deve se considerar parte de um complexo empreendimento em cadeia, ao lançar-se à criação e à interpretação jurisprudencial.
Isto é, o processo interpretativo seria como um romance que não é escrito somente por um autor, mas, sim, por vários, eis que cada um deles é responsável pela redação de um capítulo separado, concebendo a interpretação jurídica como a extensão de uma história institucional do Direito, desenvolvendo o romance a partir de onde seu antecessor parou.
O stare decisis, segundo Estefânia Barboza, possui duas vertentes: horizontal e vertical. No stare decisis horizontal o Juízo deve observar suas próprias decisões de casos anteriores para casos atuais, enquanto que, no stare decisis vertical, há uma hierarquização na observância de decisões judiciais, isto é, os Tribunais inferiores deverão observar as decisões de casos anteriores dos Tribunais Superiores.
Dessa maneira, evitar-se-á decisões antagônicas em casos semelhantes, bem como, diante desse escopo de tratamento isonômico por meio das decisões judiciais, o jurisdicionado, enquanto consumidor da prestação do serviço jurisdicional, confere maior confiança ao Poder Judiciário e, por conseguinte, ensejando-se na concretude do conceito de formal de igualdade, impedindo que o julgador atribua aos textos normativos sentidos das mais diversas formas. Ou seja, os casos semelhantes devem ser julgados de forma semelhantes.
De acordo com o art. 49. § 1º, da Lei 11.101/05, os credores submetidos aos efeitos do processo de recuperação judicial conservarão os direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso, bem como, nos termos do art. 50, §1º, da mesma legislação, no âmbito dos processos de recuperação, na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou a sua substituição está condicionada à aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.
Nesse sentido, mesmo que o crédito esteja de determinado credor submetido aos efeitos do plano de recuperação judicial, a Lei 11.101/05 preserva os direitos destes credores perante terceiros garantidores, de maneira que, os credores terão preservadas as garantias fidejussórias e/ou reais constituídas em torno de seus respectivos créditos.
O Superior Tribunal de Justiça possui uma jurisprudência “dominante” e a Súmula 581, no qual estabelecem que a recuperação judicial não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantias reais ou fidejussórias, de credores cujos créditos estão submetidos aos efeitos do processo de recuperação judicial.
Contudo, no referido Tribunal, responsável pela uniformização do entendimento interpretativo sobre lei federal, e cuja jurisprudência¹ “dominante” é em torno da impossibilidade de supressão das garantias pelo plano de recuperação judicial, há julgados que flexibilizam o referido entendimento jurisprudencial.
No Recurso Especial nº 1.532.943, julgou-se sobre a possibilidade de extinção das garantias pelo plano, sem a necessidade de renúncia expressa do credor titular da garantia. Enquanto que, no julgado do Recurso Especial nº 1.794.209, foi estabelecido entendimento sobre a possibilidade do plano de recuperação suprimir garantia existente em torno do crédito submetido aos seus efeitos, desde que houvesse expressa concordância do credor titular do crédito garantido.
Assim, na medida em que novação sobre o crédito, nos termos do art. 361, do Código Civil, não se presume, mas devendo ser expressa a vontade de novar, e nos termos do art. 50, § 1º, da Lei 11.101/05, deve ter a concordância do credor titular da garantia, aos credores dissidentes e àqueles credores presentes à assembleia geral que se abstiveram de votar ou aos ausentes na assembleia, a novação e, portanto, a supressão da garantia, não teria eficácia a esses credores.
Em contraposição aos referidos julgados que flexibilizam a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em voto proferido no julgamento do Recurso Especial nº 1.797.924, Ministro Luis Felipe Salomão votou pela possibilidade de inserção no plano de cláusula supressiva. Entretanto, para o referido ministro, a depender do tipo de garantia a ser suprimida pelo plano de recuperação judicial, a supressão está condicionada à concordância expressa do credor titular.
Isto é, em decorrência da ausência de previsão legal na Lei 11.101/05 que vede novação do crédito garantido por garantia real, com a sua consequente supressão e a previsão legal estabelecida no art. 49, § 1º, da Lei 11.101/05, o plano de recuperação poderá estabelecer a supressão de garantia, mas a eficácia da supressão da garantia fidejussória apenas teria eficácia ao credor titular, se houvesse expressa concordância dele.
Em vista desse cenário, infere-se a existência de julgados com posições distintas sobre o tema ‘supressão das garantias pelo plano de recuperação’, no Superior Tribunal de Justiça, e que flexibilizam a sua jurisprudência em torno dessa temática, a saber: (i) possibilidade do plano de recuperação suprimir garantia real ou fidejussória; (ii) possibilidade do plano de recuperação suprimir garantia real ou fidejussória, desde que haja expressa concordância do credor titular e; (iii) possibilidade do plano de recuperação suprimir garantia, mas a eficácia da cláusula supressiva ao credor titular de garantia fidejussória, estaria condicionada à sua expressa concordância.
Embora sejam julgados, e não uma jurisprudência, mister destacar que, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a legalidade de disposição constante de plano de recuperação judicial que suprimiu garantias reais e fidejussórias (pessoais), prestadas por terceiros em favor da recuperanda, olvidando-se de sua própria história institucional em torno da supressão das garantias pelo plano.
Com isto, por uma questão de segurança jurídica, há a necessidade do Superior Tribunal de Justiça uniformizar o seu entendimento da temática ‘supressão de garantia pelo plano de recuperação’, de modo que, o entendimento não deve ser da pessoa do julgador, mas da Corte.
Desse modo, a superação ou não-aplicação do entendimento estabelecido sobre a impossibilidade da supressão deve ocorrer por meio das técnicas do distinguishing ou do overruling. Ou seja, esses são meios pelos quais o Superior Tribunal de Justiça não aplicará a sua jurisprudência, por entender pela existência de distinção com o caso em julgamento, isto é, o distinguishing, ou então, pela necessidade de superação do entendimento até então utilizado para a decisão de casos futuros.
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¹ Um julgado que exemplifica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é o REsp nº 1.797.924.