Marcia Yagui (Moderadora e Sócia da By Capital), Fernanda Piva (Debatedora e Advogada do Pinheiro Neto Advogados), Fernando Amaral (Debatedor e Sócio da Villemor Amaral Advogados) e Luiz Cláudio Galeazzi (Debatedor e Sócio da Galeazzi & Associados).
No dia 8 de fevereiro de 2024 a TMA Brasil promoveu mais um evento da série “Solução em Foco” com o tema “Liquidação Substancial”, realizado de forma online e transmitido via YouTube .
Marcia Yagui, moderadora do evento, cumprimenta os demais convidados, apresenta os membros da mesa e adianta que é muito interessante o tema que será tratado no evento. Passa primeiramente a palavra para Fernando Amaral para tratar sobre o instituto da Liquidação Substancial na Recuperação Judicial.
Fernando Amaral, debatedor do evento, começa a falar sobre a Liquidação Substancial na Recuperação Judicial, ponderando se as empresas estão de fato fazendo a liquidação substancial de seus ativos na RJ, e se isso deveria ser permitido ou não. Ele aponta que primeira coisa que vem à cabeça de qualquer pessoa seria que, se for para liquidar uma empresa, faça uma falência. Contudo, ao escrever um artigo em conjunto com Marcelo Sacramone sobre o assunto, Fernando acabou percebendo que esse não precisa ser sempre o caso e que pode ser mais vantajoso fazer uma liquidação substancial na recuperação judicial, porque ela pode ser feita de forma mais organizada, com acompanhamento do administrador judicial e dos sócios.
Porém, ao analisar se esse instrumento era realmente utilizado na prática, percebeu que não, que essa estratégia não havia sido utilizada em muitos casos para a recuperação de empresas em dificuldades. Alguns anos após essa pesquisa inicial, ao ser convidado para palestrar em um grupo de estudos sobre o tema, Fernando utilizou a base da ABJ de 2011 – 2017, com atualização até 2020 (pré-reforma da Lei) para trazer dados concretos. Foram analisados 1.194 processos, 548 com PRJ aprovado. Desses, 93 possuíam previsão de constituição de UPI, com apenas 36 que tiveram constituição efetiva da UPI. Ainda, dentre esses, em apenas 11 a UPI foi efetivamente vendida.
Seguindo, Fernando traz o ponto de que não existe uma matemática perfeita para analisar se uma liquidação foi substancial ou não. Apontar uma liquidação integral é fácil, porque ou você vendeu 100% da empresa ou não vendeu, mas não há um critério objetivo para se identificar uma liquidação substancial. Pensando nisso, ele analisou os 11 casos de venda de UPI anteriormente mencionados, e constatou que em 6 dos casos houve venda de até 1/3 do patrimônio, em 2 casos houve liquidação de 1/3 a 2/3 do patrimônio, e em apenas 3 casos houve liquidação superior a 2/3 do patrimônio.
Ou seja, ao final de seu estudo, a conclusão foi de que foram poucos os casos, nessa amostragem, de venda efetiva da UPI, e ainda menos casos em que houve uma alta taxa de venda de ativos (apenas 3). Dentre esses 3 casos, uma empresa vendeu 78% de seus ativos e continua operando, no segundo houve a venda de 98% do ativo, e a empresa foi incorporada, e no último houve venda de 100% dos ativos, e a empresa realmente foi dissolvida (liquidação integral).
Fernando ainda aponta que em muitos casos é possível que uma empresa argumente que, apesar de estar alienando parte substancial de seus ativos, como 90% ou mais, ela não esteja fazendo uma liquidação substancial, porque, principalmente em se tratando de empresas de serviços, elas conseguem continuar operando, mesmo com a baixa de ativos.
Passando para uma análise da reforma da Lei, Fernando traz o ponto de que, em uma RJ, não haveria nenhum problema, em um primeiro momento, de se haver uma liquidação substancial, mas o problema estaria em não se pagarem os credores extraconcursais posteriormente. Porém, a reforma traz uma mudança positiva nesse quesito, ao estabelecer que, uma vez feita a liquidação substancial, deve-se seguir a ordem de pagamentos da falência, pagando também os extraconcursais.
Marcia Yagui, moderadora, agradece pela fala de Fernando e introduz algumas perguntas para Fernanda, pedindo para que ela discuta os efeitos do reconhecimento da liquidação substancial pelo judiciário e o art. 73, inciso 6º da LRF.
Fernanda Piva, debatedora do evento, começa trazendo a questão da liquidação substancial que não se dá apenas através da alienação de uma única UPI, mas sim de várias UPIs menores mas que, após sucessivas alienações, deixam a empresa em uma situação de insuficiência de bens, direitos ou projeções de fluxo de caixa para que ela continue a sua atividade.
Sobre os efeitos de uma liquidação substancial, parece que a sua análise deve ser feita em um momento posterior à venda, já que o pressuposto da liquidação substancial é uma venda que retire os ativos. Os efeitos seriam: (i) se há ou não invalidade dos atos; (ii) se o juiz vai determinar o bloqueio do produto de eventuais alienações.
Sobre a questão do momento em que a análise deve ser realizada, Fernanda fez uma pesquisa de jurisprudência para averiguar como o art. 73, inciso 6º tem sido aplicado na prática. Primeiramente, ela constatou que o instituto ainda é realmente muito incipiente no país, mas que, apesar disso, ela acredita que seria interessante que ele passasse a ser mais utilizado como um novo meio de recuperação, prevendo é claro o pagamento dos credores não sujeitos em condições análogas às que eles teriam na falência.
Passando para a análise dos casos, Fernanda fala do caso Clealco. Nesse caso, havia a previsão da venda de algumas UPIs no PRJ. Então, chegou o momento de ocorrer a venda da UPI Clementina-Queirós, que abrangeria grande parte do ativo do grupo. Contudo, quando a venda estava para acontecer, a Fazenda alegou ao juízo que essa alienação iria impossibilitar que a Clealco honrasse com a transação tributária que ela havia celebrado com a PGFN. Assim, o juiz acabou atendendo ao pedido intermediário e suspendendo o leilão, para que fosse realizada uma perícia, dado que as próprias recuperandas acabaram reconhecendo nos autos que a venda dessa UPI poderia sim trazer um impacto relevante no seu fluxo de caixa. Posteriormente, essa suspensão foi mantida pelo TJSP. No fim das contas, acabou havendo um modificativo ao PRJ, aprovado exclusivamente pelos credores UPI, que seriam os únicos impactados, para prever um DIP Financing, uma outra forma de satisfação dos créditos desses credores, e o caso não precisou subir para o STJ.
Esse caso suscita justamente a discussão de se é possível antecipar a análise da liquidação substancial antes mesmo que a venda ocorra. Na opinião da Fernanda, essa análise deve ser feita a posteriori, e não antecipada como aconteceu nesse caso, data maxima venia.
Ela ainda apresenta um segundo caso em que não houve a liquidação de uma única UPI substancial, mas sim o gradual esvaziamento do estoque da empresa. O AJ então apontou em um de seus RMAs esse esvaziamento. Com base nisso, o juiz pediu que as recuperandas demostrassem que sua atividade ainda conseguiria seguir, e elas alegaram que haveria uma mudança do business, uma migração para o e-commerce, realização de outras atividades etc. Apesar desses argumentos, o juiz preferiu convolar a recuperação judical em falência. Em sentido contrário, há um parecer do Sacramone que defende que o que aconteceu foi apenas que o curso normal dos negócios da empresa acabou resultando em um esvaziamento dos seus estoques, mas que isso não significava uma liquidação substancial. No final, entretanto, a decisão foi mantida. Fernanda aponta que, muitas vezes, esse ônus de provar que apesar da liquidação de certos ativos a empresa ainda é capaz de manter as suas atividades é uma tarefa bem difícil.
Marcia Yagui agradece a fala de Fernanda e introduz o tópico de wind-down, a ser discutido por Luiz Cláudio Galeazzi.
Luiz Cláudio Galeazzi, debatedor do evento, começa falando sobre a única diferenciação que, na opinião dele, deveria existir. Nesse caso, ou há uma venda integral, ou uma venda parcial, e pouco importa se a venda é substancial ou não.
Assim, ele traz a discussão dos credores extraconcursais, falando do possível prejuízo que uma liquidação substancial na RJ poderia trazer para esses credores. Ele acha que o caminho é entender muito bem o que acontece na falência, para deixar todos os credores cientes de qual será o fim caso não se chegue a um acordo sobre como chegar em um cenário melhor do que esse.
Luiz defende que a discussão sobre uma liquidação parcial ser substancial ou não é inócua, e que complicaria desnecessariamente o processo. Ele dá um exemplo da realização de uma perícia prévia, que iria incumbir o AJ de ter que dar um parecer que não era necessário e apenas alongar uma análise que, muitas vezes, poderia ser feita de forma muito mais rápida por uma simples triagem.
Falando do ponto prático do wind-down, Luiz diz que na Galeazzi eles analisam completamente a operação nos seus detalhes, e analisam se ela pode de fato ser dividida em vários pedaços que “param de pé”. Por outro lado, se você não consegue fatiar essa empresa, surge a possibilidade de se fazer uma liquidação substancial. Nesse caso, ele acha que a discussão sobre o que consiste em uma liquidação substancial ou não é irrelevante, principalmente se considerarmos que os extraconcursais são os primeiros credores com quem a recuperanda negocia durante um processo de recuperação judicial, porque são eles que têm o poder de te draggar para uma falência. Portanto, ele diz que querer defender que essa alienação “substancial” iria prejudicar os extraconcursais é inocente, é complicar desnecessariamente o judiciário.
Marcia Yagui agradece a fala de Luiz e passa a palavra a Fernando, para que ele continue as discussões.
Fernando Amaral então segue discutindo a necessidade de tirarmos o foco da venda, principalmente porque os credores no geral gostam quando há uma venda, porque é um meio de gerar caixa de forma rápida. Nesse contexto, deveríamos focar na divisão que ocorrerá após a venda. Primeiro, ele aponta que, no caso de uma venda integral, a recuperanda de antemão já tem que trazer a ordem de pagamento da falência. Contudo, se ela faz uma venda parcial de ativos, você já tira esse remédio estático, e deve-se pagar primeiramente os credores concursais, e depois os extraconcursais com o fluxo de caixa da empresa. É aqui que entra a liquidação substancial, porque nesse caso se a empresa se mostrar incapaz de produzir fluxo de caixa após a venda, não sobraria nada para pagar os extraconcursais, o que levaria à convolação da recuperação em falência. Assim, surge a possibilidade do credor extraconcursal alegar uma impossibilidade qualificada da devedora pagar seus créditos, em decorrência dessa venda significativa de ativos.
Ele traz que outro ponto interessante é pensar se as liquidações de ativos (e aqui estão incluídas tanto as integrais quanto as substanciais) vão aumentar após a reforma, já que a lei agora além de prever esse instrumento, traz a possibilidade de apresentação do plano alternativo dos credores. Assim, se há uma empresa em que há potencial de venda, mas o sócio está resistindo a essa venda, os credores poderiam apresentar um plano em que essa venda é possível.
Fernanda Piva fala que o Galeazzi trouxe um ponto muito importante sobre a questão do que constitui uma liquidação “substancial”, porque o que é substancial para mim pode não ser substancial para outros. Aqui, a ideia deveria ser simplificar as discussões. Por exemplo, é necessário entrar em uma discussão de liquidação substancial para proteger o crédito do Fisco? O não pagamento do Fisco já é um dos motivos para se convolar uma recuperação judicial em falência, então para que trazer uma discussão tão controversa e subjetiva se há uma maneira mais fácil de proteger esse crédito tributário.
Marcia Yagui traz o ponto de que conseguir trazer um investidor qualificado que veja valor e veja uma forma de tirar um ativo de uma recuperação judicial já é uma tarefa complexa por si só. E quanto mais o tempo passa, mais o bem vai depreciando e essa tarefa fica ainda mais difícil. Então por que complicar mais ainda um processo que já é custoso?
Fernando Amaral concorda com o Galeazzi e com a Fernanda de que não deveria haver discussões sobre a ocorrência ou não da venda, mas sim sobre a repartição dos recursos após essa venda.
Luiz Cláudio Galeazzi fala que, na sua opinião, a venda dentro de uma recuperação judicial (seja ela parcial ou integral) é o melhor cenário. Portanto, isso deveria ser sempre almejado. A única questão que surge é realmente a repartição do montante após a alienação. Sobre isso, Galeazzi afirma que ele adoraria que a ordem de pagamento na falência e na recuperação já fosse a mesma na largada, porque não faz sentido partir do princípio de que “eu começo de um jeito, e se não der certo eu vou por outro caminho”.
Nesse sentido, Luiz aponta os prejuízos que a suspensão de um leilão poderia trazer. Há, por exemplo, a possibilidade de a empresa já estar se preparando para essa alienação e tomando medidas nesse sentido, e já tenha realizado a demissão de seu corpo de funcionários. Ou, também, pode ser que um investidor tenha gastado muito tempo e dinheiro analisando o deal, tenha separado o capital para desembolso e esteja pronto para começar a operar com a aquisição do ativo. Nesses casos, ambas as partes seriam prejudicadas caso, de última hora, o juízo decidisse suspender o leilão e impedir a realização da venda.
Marcia Yagui introduz Bruno Batista para dar suas opiniões sobre a discussão.
Bruno Batista, relator do evento, fala que a discussão realmente gira em torno da questão da arrecadação de recursos x distribuição da venda. Deveríamos tornar o processo mais pragmático, para fazer com que os potenciais investidores não se afastem e que a venda seja feita de forma mais segura como um todo.
Fernando Amaral finaliza falando que, depois de muito estudar sobre o assunto, ele chegou a uma conclusão completamente diferente da mentalidade com que começou. Antes de entender o assunto a fundo, ele tinha a impressão de que a liquidação substancial estava acontecendo a torto e a direito no país, e que ela não deveria ser permitida por causa da questão do pagamento dos credores não sujeitos. Agora, ele percebe que na verdade a liquidação substancial deveria sim ser incentivada, apenas com considerações pontuais sobre o pagamento desses credores, mas que na realidade ela não vem ocorrendo na prática, e deveria acontecer mais.