Moderador: Camila Tebaldi, Sócia, Galdino & Coelho, Pimenta, Takemi e Ayoub Advogados.
Debatedores: André Suguita, Sócio, Jugis Capital
Fábio Pinto e Silva, Sócio, Pinheiro Neto Advogados
Luis Felipe Spinelli, Sócio, Souto Correa Advogados
No dia 14/12/2023 o TMA Brasil promoveu mais um evento da série “Solução em Foco”, com o tema “Marco Legal das Garantias ", realizado de forma online e transmitido através do Youtube.
Após feitas as saudações necessárias, na posição de Moderadora do Painel, a Dra. Camila Tebaldi abriu o evento fazendo uma introdução sobre o tema, onde pontuou que o evento discutirá a nova lei 14.711 de 2023, que visa trazer um tratamento diferenciado de crédito ao mercado e melhorar a execução de garantias.
Passada a palavra ao Dr. Fabio Silva, ele inicia pontuando que a lei surgiu como parte das reformas do grupo de Iniciativa de Mercado de Capitais (IMK), vinculado ao Ministério da Economia, com foco nas mudanças microeconómicas que teriam um impacto imediato, particularmente nos mercados financeiros e de crédito. O IMK foi formado em 2019-2020, com o objetivo de colocar o Brasil entre os 50 primeiros do ranking de facilidade de fazer negócios do Banco Mundial (Doing Business). Ele pontuou que o ranking avalia diversos aspectos, incluindo acesso a crédito e aquisição de imóveis. Que a meta ambiciosa exigiu reformas legislativas, levando a um anteprojeto anterior que envolveu representantes dos cartórios de registro de imóveis, do mercado imobiliário, finanças e especialistas. Ressaltou que depois de concluído, o projeto foi dividido em dois subgrupos do IMK (Imk5 e Imk4) para análise
Feito um resumo sobre o panorama de criação do IMK o Dr. Fabio Silva discutiu o processo de aprovação de dois projetos de lei relacionados, IMK4 e IMK5, no Brasil. Pontou que IMK5, projeto de lei para digitalização de registros públicos, virou lei em 2022 após ser enviado como Medida Provisória (MP) 1.085, enquanto IMK4, Marco de Garantias, foi enviado como projeto de lei e enfrentou avanço inicial mais lento. O Dr. Fabio Silva relatou que depois de quase um ano parado, o Marco de Garantias retomou sua trajetória no Senado em junho de 2022, conquistando forte apoio do então governo, promovendo seus objetivos essenciais de permitir múltiplas garantias sobre um mesmo imóvel e proporcionar maior agilidade nos processos de alienação fiduciária. Destacou por fim outras melhorias propostas, como melhorar a execução de processos hipotecários, foram mencionadas como parte do plano de reforma abrangente na área de garantias. Além disso, foi criado um grupo de estudos para tratar das reformas do Código Civil relacionadas a esses temas.
Em sequência, o Dr. Fabio discutiu as reformas em andamento no Código Civil Brasileiro em relação às garantias imobiliárias. Ponderou que a comissão paralela de reforma do Senado estão a considerar alterações para abordar a questão do “capital morto” e as suas quatro soluções propostas. Relatou que este problema surgiu devido à insuficiência de garantias imobiliárias e à existência de créditos privilegiados, o que levou a uma mudança no sentido da utilização de bens como garantia. Dr. Fábio explicou que embora conceitos jurídicos como a transferência de propriedade fiduciária e a propriedade resolúvel tenham o potencial de contrariar estas classes privilegiadas de credores, podem resultar na incapacidade de vender duas vezes um único ativo. Utilizando o exemplo da hipoteca de uma habitação, relatou como o valor do imóvel pode ultrapassar a dívida remanescente, destacando a importância de compreender o conceito de “capital morto” e o seu impacto nas transações imobiliárias.
Em sequência o Dr. Fábio discutiu a possibilidade de uma segunda hipoteca ou empréstimo com valor inicial superior ao da primeira hipoteca do mesmo imóvel. Segundo o orador, esta situação é comum nos financiamentos de longo prazo, sendo a segunda hipoteca muitas vezes vista como uma questão secundária ou residual. Porém, no caso de um empréstimo de 30 anos, pode haver uma segunda hipoteca com um valor inicial superior ao saldo remanescente da primeira hipoteca. O debatedor descreve quatro soluções para esse problema. A primeira é permitir uma nova transferência fiduciária do mesmo imóvel. Apontou que, esse conceito, conhecido como transferência fiduciária de bens supervenientes, já faz parte do direito civil brasileiro há algum tempo. A segunda solução é estender a garantia existente a uma nova dívida, conceito conhecido como renovação ou prorrogação, que foi introduzido no código civil há alguns anos. Neste cenário, a nova dívida ou empréstimo é garantida pela mesma garantia, assumindo o novo credor o papel de fiduciário ou administrador. O debatedor discute a possibilidade de criar uma nova hipoteca ou recarregar uma já existente, mas a segunda solução é uma extensão mais direta de uma já existente. Essa prorrogação, conhecida como “recarregamento” ou “prorrogação” na legislação brasileira, permite que a hipoteca original garanta um novo empréstimo, beneficiando o credor da mesma garantia. O novo empréstimo ou dívida é essencialmente um acréscimo ao original, e o credor só pode recuperar o valor que foi amortizado, até o saldo remanescente da hipoteca original.
Ao final, o Dr. Fábio frisa que as leis hipotecárias foram tornadas mais flexíveis nesta área para acomodar as mudanças nas condições do mercado e para evitar uma mudança significativa no mercado hipotecário em direção à alienação fiduciária. Trouxe também que mudanças incrementais na lei incluem esclarecer que um penhor fiduciário pode ser para dívidas condicionais futuras e um valor máximo, e permitir que um único processo de notificação seja aplicado a vários cartórios (registros) para vários imóveis (propriedades imobiliárias), melhorando o processo geral.
O Dr. Fabio amplia ainda mais a discussão ao apontar as mudanças na legislação brasileira no que diz respeito à execução de gravames judiciais, especificamente para aqueles que envolvem múltiplas propriedades em diferentes jurisdições. Aponta que, de acordo com a nova lei, o credor deixa de ser obrigado a pagar a totalidade do valor da dívida ao devedor quando o valor da segunda venda ou adjudicação for insuficiente. Em vez disso, o credor pode continuar a executar a dívida pela diferença ou valor residual. Ressaltou também que o prazo de cobrança também foi ampliado de 30 para 60 dias. Pontou que, a nova lei introduz o conceito de execução imobiliária consolidada, onde o credor pode executar a totalidade da dívida pendente calculando o resíduo da venda de cada imóvel implicado. Além disso, a lei passa a permitir um processo de reintegração de posse extrajudicial, embora tenha enfrentado polêmica por questões de autotutela. Conclui que que, de forma geral, estas mudanças trazem melhorias significativas ao regime, tornando o processo de execução mais eficiente e poderoso contra outros direitos reais, como hipotecas, gravames ou penhores.
No terço final de sua fala, o Dr. Fabio silva discutiu ainda as recentes mudanças legais relativas ao registro de contratos e acordos extrajudiciais relacionados a garantias de crédito no Brasil. Especificamente, o orador centrou-se na aceitação de extratos eletrônicos para registo e na legitimação dos credores não financeiros para apresentarem esses extratos. Informou que essa mudança permite um processamento mais eficiente e ágil por meio do uso do formato XML, permitindo que os bancos interajam diretamente com o sistema de registro. O orador refere ainda que esta prática não é nova e que muitos países, incluindo os Estados Unidos e a Austrália, adotaram sistemas semelhantes. A implementação dessas mudanças visa criar um banco de dados unificado para buscas em todos os 5 mil cartórios brasileiros até o final de 2023
Foi pontuado também sobre as recentes alterações legais relativas aos contratos de garantia, especificamente em relação à necessidade de registro no Registro de Imóveis (RTD) para a eficácia das garantias judiciais e administrativas perante terceiros. O debatedor menciona ainda a abolição da exigência de duplo registro no RTD, e novas regras para registro de debêntures e suas condições. A discussão também abordou a redução dos requisitos de quórum para alteração das condições das debêntures. O orador sublinha que embora estas mudanças sejam significativas, será necessário algum tempo para compreender plenamente o seu impacto na prática, uma vez que alguns aspectos ainda estão em implementação.
Passada a palavra o Dr. André Suguita, o debatedor abordou sobre a falta de conhecimento e adaptação exigida pelos players do mercado devido às mudanças no quadro legal de garantias. Aponto que, embora exista uma expectativa de redução de custos e melhoria do financiamento como resultado destas mudanças, também existem preocupações sobre o potencial aumento dos custos e diminuição da liquidez para o mercado. O debatedor destaca que essas modificações já vinham sendo praticadas contratualmente entre os agentes do mercado, como por meio de acordos entre credores, e que poderão continuar a ser implementadas paralelamente às novas exigências legais. Mencionam ainda que para operações bancárias mais estruturadas, como operações de crédito envolvendo imóveis, o impacto poderá ser menos significativo em termos de redução de custos. No entanto, para as operações que envolvam financiamento imobiliário, nomeadamente por parte de particulares, poderá haver uma alteração do panorama onde os acordos entre credores poderão não se aplicar, concordando com a explicação do Dr. Fabio Silva sobre o potencial impacto do novo enquadramento legal.
O Dr. André discutiu inovações recentes no mercado de crédito no que diz respeito à transferência de garantias e direitos dos credores judicialmente, trazendo benefícios e desafios para os participantes. Ele analisou os novos requisitos legais e o seu impacto na precificação dos títulos de dívida, com destaque para a facilitação da resolução de conflitos e a redução dos custos do processo de insolvência. Abordou-se também a importância do registo de direitos reais nos processos de insolvência e do processo de distribuição dos recursos provenientes da venda de ativos pelos administradores credores quando vários credores têm direitos sobre a mesma propriedade. Concluiu que o objetivo geral é garantir um processo transparente e eficiente que beneficie o credor com maior prioridade.
Ainda no campo de transferência judicial de garantias e direitos dos credores Dr. André pontuou que embora as mudanças tenham trazido algumas consequências negativas, principalmente para os credores, o orador explica que exigiu a formalização da transação através de escritura pública, o que não era a prática anterior. Este novo requisito acrescenta um custo significativo, incluindo taxas elevadas e longos tempos de processamento, o que pode ser um desafio para alguns participantes no mercado. Apesar destes desafios, o orador reconhece que esta inovação traz mais alavancagem para o mutuário, especialmente no mercado de crédito imobiliário. Contudo, o impacto na redução de custos das operações de crédito estruturadas ainda é questionável
Em continuação, o debatedor discute o impacto da ISO (International Organization for Standardization) no custo de reconhecimento de firma e comunicação em transações. Aborda que o motivo desta questão é que o tribunal exige que o notário comunique com o juiz dentro de um determinado número de dias, enquanto o mercado se organizou para comunicar e transferir as transações no mesmo dia. Esta discrepância impacta negativamente o preço dos ativos e pode até prejudicar o timing das transações. O debatedor observa que a jurisprudência recente prioriza quem comunica primeiro a sessão, mesmo que a redação tenha sido registrada previamente. Isto pode resultar numa situação em que uma segunda sessão seja reconhecida em vez da primeira, e pode levar a disputas e ineficiências no mercado. O mercado, porém, está se tornando mais dinâmico e os investidores buscam retorno por meio da aquisição de direitos judiciais, apesar dos desafios de redução de quórum, atualmente exigido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no Brasil. As debêntures têm se tornado cada vez mais populares no Brasil, principalmente para capital aberto, e oferecem uma taxa de juros mais baixa em comparação com outros investimentos. O debatedor menciona o boom nas emissões de debêntures no passado e o recente aumento das taxas de juros, mas também destaca os desafios de obter quórum para esse tipo de transação, tornando o mercado mais inovador e criativo na busca de soluções
Ao final de sua fala, o debatedor discute o impacto das novas exigências legais na precificação de títulos de dívida. Embora alguns componentes do preço da titularização possam ser afetadas, o orador não acredita que este será um dos principais determinantes. Porém, ele vê benefícios em facilitar a resolução de conflitos em situações mais complexas, como as que envolvem RJ ou processos extrajudiciais. O debatedor também destaca o nível recorde de endividamento individual no Brasil e o alto nível de implementação, que está impulsionando a demanda por capital. O novo mecanismo permite a adição de garantias nas renegociações e oferece uma opção de financiamento potencialmente mais competitiva. No entanto, pode levar algum tempo até que o impacto total destas mudanças possa ser visto. O debatedor também menciona os esforços dos agentes financeiros para tornar a nova ferramenta mais acessível aos indivíduos. A seguir, a palavra foi dada ao Dr. Luís Felipe Spinelli, abordando sobre os processos judiciais e extrajudiciais de recuperação e nos processos de insolvência, e como a nova legislação os altera suas dinâmicas.
O Dr. Luís Felipe Spinelli discutiu inicialmente sobre o impacto das garantias no custo do crédito e dos processos de insolvência. O debatedor observou que um processo de insolvência mais eficiente pode reduzir o custo do crédito para todas as partes envolvidas. Ressaltou que o novo parágrafo 10 do artigo 22 da lei introduz a não sujeição dos credores como fiduciários à recuperação judicial, o que, por sua vez, beneficia todos os credores. O Dr. Luís Felipe admitiu ainda ter dúvidas sobre como esta norma deve ser interpretada no âmbito de processos de recuperação judicial, extrajudicial ou de falência. Além disso, o debatedor discutiu as implicações de um credor ser “quase credor”, ou credor por inscrição, quando a alienação fiduciária primária não é cancelada, bem como os desafios que podem surgir caso o crédito do credor seja contestado.
Em sequência, o debatedor discutiu sobre as implicações do parágrafo 10º do artigo 49 da lei em relação aos direitos dos credores durante o processo de recuperação judicial. O debatedor explicou que o § 10 do artigo beneficia todos os credores, mas há dúvida quanto ao momento da efetivação da alienação fiduciária. O debatedor mencionou ainda um segundo ponto sobre a produção de efeitos de uma alienação fiduciária superveniente e seu impacto na situação do credor em um processo falimentar. Adicionalmente, abordou a importância do registo de direitos reais, como o direito de responsabilidade em garantias, em processos de insolvência. Aponta ainda que, apesar da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de que a sessão de recebíveis não precisa ser registrada para recuperação judicial, manifesta resistência a essa ideia, argumentando que os credores com ônus sobre recebíveis não devem ser excluídos do processo de recuperação.
Ao final, Dr. Luís Felipe Spinelli, menciona a ideia de modernizar as hipotecas trazidas inicialmente pelo Dr. Fábio Silva, destacando a importância de abordar questões prioritárias antes que as hipotecas possam ser utilizadas. O Dr. Luís Felipe Spinelli compartilha sua perspectiva sobre a eficácia da legislação, destacando o benefício que um credor de segundo grau recebe no contexto de uma venda de hipoteca, e a importância de compreender o momento da substituição da propriedade e suas implicações fora do contexto hipotecário.
O debatedor discutiu ainda sobre as implicações de ter vários credores com créditos sobre a mesma propriedade e o conceito de um administrador do credor assumindo a distribuição do produto da venda do ativo. O debatedor explicou que quando um credor inicia o processo de execução para cobrança de sua dívida, normalmente o imóvel é vendido e o produto é distribuído aos credores de acordo com sua ordem de prioridade. Desse modo, se um credor não se registar ou comunicar com outros credores, poderá não ter acesso a documentação crucial sobre a dívida e a distribuição dos rendimentos. O debatedor ressaltou a importância do cartório nesse processo. Quando um credor inicia o processo de execução, o cartório é responsável por notificar todos os demais credores e coletar informações sobre seus créditos. O cartório mantém um registro de todas as dívidas registradas e a ordem de prioridade, tornando o processo de distribuição mais transparente para todas as partes envolvidas. Conclui que questões relacionadas com a prioridade dos credores e a determinação de quem deve receber os recursos é uma questão de conflito de créditos e não uma questão de procedimentos administrativos ou de registo. Em casos de incerteza, o litígio teria de ser resolvido através do sistema judicial.
Em suas considerações finais a moderadora Camila Tebaldi e o debatedor Fábio Silva expressam otimismo sobre as próximas mudanças nas garantias legais do mercado, apesar das dúvidas e complexidades persistentes, especialmente no que diz respeito à implementação no Rio de Janeiro e outras questões relacionadas. Eles esperam que as inovações tragam benefícios aos credores e esperam que o Judiciário preste esclarecimentos sobre essas questões. Em sequência os demais debatedores expressaram expectativa em futuras discussões sobre como as novas leis serão aplicadas na prática e como a jurisprudência irá abordar as oportunidades relacionadas. Eles encerraram a sessão expressando agradecimento ao TMA e a todos os participantes.
O evento contou com uma audiência significativa e sua íntegra está disponível a quaisquer interessados no Canal do TMA Brasil no Youtube, através do link: https://www.youtube.com/watch?v=K2baXMvO-eY&t=900s