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Solução em Foco - O tratamento do ACC na Falência e na Recuperação Judicial

Capa Relatoria

PARTICIPANTES: MARCELO SACRAMONE (Moderador e sócio de SOB Advogados); LUCIANA CELIDONIO (Debatedora e sócia de BMA Advogados); BRUNO POPPA (Debatedor e sócio de Tepedino, Berezowski, Poppa Advogados); e, CÁSSIO CAVALLI (Debatedor e sócio de Cássio Cavalli Advogados).

PALAVRAS-CHAVE: Lei de Recuperação de Empresas e Falência – Lei 11.101/2005 – Lei 14.112/2020 – adiantamento de contrato de câmbio – ACC – Recuperação Judicial – Falência; Restituição.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. O Tratamento do ACC na Falência e na Recuperação Judicial – 3. Considerações finais.
No dia 20 de abril de 2023, a TMA Brasil promoveu evento online, da série “Solução em Foco”, que teve como tema “O Tratamento do ACC na Falência e na Recuperação Judicial”. O debate foi moderado pelo Dr. Marcelo Sacramone, sócio de SOB Advogados, teve como debatedores a Drª. Luciana Celidonio, sócia de BMA Advogados, o Dr. Bruno Poppa, sócio de Tepedino, Berezowski, Poppa Advogados, o Dr. Cássio Cavalli, sócio de Cássio Cavalli Advogados, e, ainda, na função de relator do debate, o Dr. Lucas Gavaza, sócio do Freire, Gavaza & Lima Advogados.

Ao introduzir o tema, o Dr. Marcelo Sacramone ressalvou que o adiantamento de contrato de câmbio (“ACC”), após alguns anos sem grande destaque, passou a atrair maior atenção após a alteração legislativa promovida pela Lei nº. 14.112/2020 – que, basicamente, alterou a sua ordem de preferência no procedimento falimentar –, e sobretudo após o recente julgamento do Recurso Especial nº. 1.723.978 – PR, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que versou sobre o tratamento do ACC no âmbito da recuperação judicial e, em especial, acerca da via processual adequada para se buscarem os créditos a ele referentes.

No ponto, destacou como elemento de interesse, ainda, o fato de o STJ, ao julgar Recurso Especial nº. 1.723.978 – PR, ter entendido que o meio adequado para a cobrança de um crédito de adiantamento de contrato de câmbio, na recuperação judicial, é um pedido de restituição, e não a via da execução específica em face da recuperanda – a qual, aliás, se acaso manejada, sujeitaria o credor a uma potencial condenação de sucumbência.


2. O TRATAMENTO DO ACC NA FALÊNCIA E NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Inicialmente, a respeito do cabimento do pedido de restituição na recuperação judicial para a cobrança dos créditos referentes a contratos de ACC, a Drª. Luciana Celidonio fez relevantes ponderações, destacando que o STJ, no julgamento do Recurso Especial nº. 1.723.978 – PR, manifestou o entendimento pelo cabimento do pedido de restituição – sendo inapropriada a execução direta –, tendo julgado extinto o processo por inadequação da via eleita pelo credor, invertendo os ônus sucumbenciais. Na sequência, ponderou que a ação de execução direta até então era a medida que vinha sendo historicamente adotada por todos os credores de créditos decorrentes do ACC e que, basicamente, não há maiores justificativas para ter sido fixado o entendimento de que cabe pedido de restituição em casos tais.

Nesse sentido, destacou que os dois fundamentos principais utilizados pelo STJ foram (i) o artigo 75, § 3º, da Lei nº. 4.728, que prevê o cabimento da restituição na concordata; e (ii) a preservação do caixa da companhia, de modo a concentrar no juízo da recuperação judicial os atos de excussão patrimonial da recuperanda. O racional da decisão, portanto, seria o artigo 47, da Lei nº. 11.101/2005, segundo o qual a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Ainda, a Drª Luciana Celidonio ressalvou alguns precedentes contrários ao entendimento exprimido no Recurso Especial nº. 1.723.978 – PR, como, por exemplo, o voto divergente do Ministro Marco Aurélio Bellizze, no REsp. 1.810.447, e o REsp. 1.524.426 – o qual, a propósito, conta com Parecer do doutrinador Fábio Ulhoa Coelho, elaborado a pedido da Federação Brasileira de Bancos, no qual se defende que o meio adequado para a cobrança de um crédito de ACC seria a execução, uma vez que o pedido de restituição se limita ao âmbito da falência, não sendo cabível na recuperação judicial, e que os propósitos de cada processo são diferentes, afinal, na recuperação judicial não se arrecadam bens e tampouco há a vis atractiva do juízo recuperacional.

Concluindo as suas ponderações iniciais, a Drª. Luciana Celidonio expressou a insegurança jurídica decorrente da decisão do STJ, que não é isolada e possui dissidências, havendo, portanto, risco de grandes divergências e com repercussões gravíssimas sobretudo no tocante à sucumbência, razão pela qual registrou ser premente a consolidação do entendimento pela corte superior.

Corroborando as considerações da Drª. Luciana Celidonio, o Dr. Bruno Poppa mencionou um levantamento próprio feito com base na jurisprudência do STJ acerca da temática abordada, segundo o qual há, atualmente, 11 (onze) acórdãos do STJ tratando sobre o ACC no âmbito da recuperação judicial.

Ao cotejar os acórdãos com as suas vivências práticas, o Dr. Bruno Poppa afirmou nunca ter visto um pedido de restituição na recuperação judicial, ao passo em que destacou que o “argumento coringa” utilizado pelo STJ nesses casos é o da preservação da empresa, especialmente pelo fato de o artigo 86, inciso II, da LFRE, fazer referência ao pedido de restituição na falência e isso se mostrar, a princípio, favorável à recuperação da empresa, uma vez que prestigia o princípio da concentração de atos pelos juízes das recuperações.

Seguindo nas suas considerações, e abordando aspectos polêmicos relacionados ao tratamento do ACC, o Dr. Bruno Poppa apontou:

(i) que, no passado, como a maior parte das discussões referentes ao ACC se dava em sede de Conflitos de Competência, a consequência mais notável era a suspensão dos atos de excussão patrimonial. Nos julgados recentes, em contrapartida, fala-se sobre a via adequada para a cobrança de um crédito de adiantamento de contrato de câmbio, suas repercussões e potencial extinção em razão de uma eventual inadequação da via eleita;

(ii) que a execução direta do crédito referente ao ACC, quando já existe uma recuperação judicial em curso, acaba gerando um tratamento diferenciado em relação ao credor que já executou a ACC antes do pedido de RJ, na medida em que este detém um título executivo judicial, enquanto aquele esbarra no juízo recuperacional que concentra os atos de execução. Em síntese, tem-se credores titulares de um crédito de mesma natureza sujeitando-se a medidas e repercussões distintas;

(iii) que o § 7º, do artigo 6º, da LFRE, prevê que a suspensão das execuções não se aplica aos créditos referidos no artigo 49, § 3º e 4º, mencionando a cooperação judicial e até mesmo vedando o prosseguimento de atos de constrição, fato que reforça o cabimento da execução direta do ACC, afinal, se há cooperação, é porque há dois juízos distintos.

(iv) que, muito embora pareça que o STJ tenha uma posição consistente acerca da temática do ACC no âmbito da recuperação judicial, os Tribunais Estaduais raramente divergem sobre o assunto, vez que o pedido de restituição não é comumente adotado na prática pois demanda uma análise estratégica do caso.

Complementando a discussão, o Dr. Marcelo Sacramone realizou pertinentes ponderações de que a questão da via adequada para tutelar o crédito do ACC – e se cabe ou não o pedido de restituição na recuperação judicial, passa pela questão da competência e, ademais, pela submissão ou não dos créditos respectivos à recuperação judicial. Nesse passo, fez interessantes questionamentos dirigidos ao Dr. Cássio Cavalli sobre qual a maneira adequada de tratar os créditos de ACC em uma recuperação judicial.

O Dr. Cássio Cavalli asseverou que o primeiro problema prático é não saber qual a via adequada para se cobrar o ACC, na medida em que o STJ diz que na recuperação judicial é o pedido de restituição, e não a via da execução de livre distribuição. Reforçou, nesse aspecto, que após a reforma da Lei nº. 11.101/2005, promovida pela Lei nº. 14.112/2020, houve a reclassificação dos créditos por restituição em dinheiro para extraconcursais, o que sugere que, na RJ, o meio adequado seria a execução direta do crédito referente ao ACC. Ressaltando não haver, no momento, uma resposta pronta, indicou que se tem decidido com base no consenso, fato que traz o risco de algum julgado específico entender pela inadequação da via eventualmente eleita e, com efeito, fazer a parte incorrer nos ônus sucumbenciais.
    
Ao abordar inconsistências e aspectos polêmicos relativos ao tratamento do ACC, o Dr. Cássio Cavalli registrou que, na compreensão originalmente desenvolvida sobre as restituições e o ACC, a instituição financeira tinha propriedade sobre o recebível cambial quando do fechamento do contrato de câmbio, isto é, tinha-se uma propriedade que foi infungibilizada pela identificação da moeda no Banco Central, tutelada por uma pretensão restitutória. Destacou, porém, que no Brasil a prática de Lei nº. 4.728 e a jurisprudência acabaram degenerando não para indicar a propriedade sobre um bem infungível, mas para constituir um argumento de “rouba-monte” que garante acesso ao patrimônio geral do devedor, a tantos bens quantos bastem à integral satisfação do crédito – o que, em essência, configura uma pretensão executiva.

Avançando em suas considerações, e abordando especialmente as inconsistências sistêmicas relacionadas ao tratamento do ACC, o Dr. Cássio Cavalli ainda ressalvou:

(i) que as restituições são distorções graves e disfuncionais do nosso sistema de insolvência, vez que a função típica do pedido de restituição é retirar da massa bem arrecadado que não era de titularidade do falido, de forma a evitar a sua inclusão no patrimônio geral do devedor;

(ii) que a jurisprudência, antes mesmo da LFRE, de modo distorcido, ao invés de garantir o acesso ao recebível decorrente do ACC, permitiu o acesso ao patrimônio geral do devedor;

(iii) que, na reforma da LFRE, os créditos com restituição em dinheiro, previstos no artigo 86, recebem antes dos extraconcursais e abaixo dos concursais, não se distinguindo o que é crédito pessoal do que é crédito real e, ainda, do que é propriedade. Há, portanto, uma atribuição de superpreferência de um pedido de restituição exercido não sobre um bem, mas sobre o patrimônio geral do devedor;

(iv) que as normas de prioridade de pagamento não tratam somente sobre uma ordem de pagamento de credores, afinal, se há prioridade, deve ser indicado sobre qual acervo de bens se exerce a prioridade. Por essa razão, houve disfunção na técnica legislativa de listar quem recebe antes e quem recebe depois, a exemplo dos artigos 85, 84 e 83 da LRFE, sem explicitar os diferentes conjuntos de bens sobre os quais as prioridades são exercidas.

Em intervenção pontual, o Dr. Marcelo Sacramone passou à abordagem acerca da distribuição do pedido de restituição – ou execução – de crédito de ACC, questionando se estariam inclusos a correção, juros e demais encargos no pedido, ou se estes configuram crédito quirografário e devem ser habilitados na RJ.

Sobre o tema, o Dr. Bruno Poppa destacou que a jurisprudência é pacífica em dizer que os encargos são créditos concursais, posição essa que vem de longa tradição jurisprudencial e se iniciou com a antiga divergência conceitual entre dívida de dinheiro e dívida de valor. No ponto, afirmou que a ideia trazida pela jurisprudência é de que a correção monetária não é um plus, mas, isto sim, recomposição do capital, de modo que os encargos sempre foram vistos como crédito concursal.

O Dr. Cássio Cavalli expôs ser uma teratologia o fato de o acessório não integrar o principal, e que tal orientação jurisprudencial é fruto da ausência de discussão de um sistema que estabeleça regras de preferência claras. Expressou, a propósito, que as escolhas e políticas legislativas que se justificavam, por exemplo, na década de 60 (sessenta), hoje, não possuem mais sentido no nosso regime atual. Para exemplificar sua opinião, questionou o fato de o exportador ser merecedor de um tratamento mais benéfico do que indústrias que comercializam para o mercado interno, concluindo se tratar de uma pseudo vantagem malabarista.

Ratificando suas ponderações anteriores e as inconsistências sistêmicas da Lei nº. 11.101/2005, o Dr. Bruno Poppa corroborou a posição dos colegas, afirmando que o ACC, da forma que está tratado é uma aberração, visto que consta na LFRE como crédito extraconcursal, mas, ao mesmo tempo aparece no artigo 86 como tutela da propriedade. Na sequência, exemplificou os problemas práticos decorrentes das disfunções no tratamento do ACC ao mencionar, dentre outros casos passíveis de gerar insegurança jurídica, julgado do TJSP no qual entendeu-se que não havia direito de restituição do ACC na falência em caso de empresa que não possuía caixa.

Em complementação, o Dr. Cássio Cavalli reiterou que, a fim de prover segurança jurídica, é necessário saber o tratamento do ACC é efetivado a partir de uma tutela jurídica de crédito ou de uma tutela jurídica de propriedade. 

Trazendo mais um exemplo acerca da insegurança jurídica no tratamento do ACC, o Dr. Marcelo Sacramone indicou que com a reforma da LFRE, foi alterada a ordem do artigo 84, de modo que tudo virou extraconcursal. Assim, dentro da restituição entraram, basicamente, todos os tributos retidos e não repassados, o que provavelmente compromete todo o fluxo de pagamentos posteriores. De igual modo, ressalvou o fato de a remuneração do Administrador Judicial (art. 84, I-C) estar prevista após o pedido de restituição (art. 84, I-B), o que fatalmente acarretará o desempenho de todas as funções do AJ, sem, contudo, o profissional obter os seus respectivos honorários, uma vez que a restituição pode vir a consumir todos os valores eventualmente arrecadados.

Finalmente, os painelistas teceram suas considerações finais: (i) O Dr. Marcelo Sacramone apresentou questionamentos acerca da ausência do pedido de restituição em dinheiro a seu tempo e propósito, indagando sobre uma possível preclusão; (ii) A Drª. Luciana Celidonio sugeriu a inclusão da remuneração do Administrador Judicial no rol de despesas essenciais à administração da falência (art. 150, da LFRE), de forma a não frustrar o seu direito a uma remuneração adequada pelo desempenho das funções; (iii) O Dr. Cássio Cavalli afirmou que o sistema de insolvência não sabe distinguir o que é privilégio geral do que são as despesas do processo (concursal), o que gera repercussões, inclusive, na remuneração do Administrador Judicial, no possível encerramento antecipado da falência em razão do consumo de toda a massa falida, na necessidade de prestação de caução das despesas processuais, dentre outras inúmeras inconsistências da Lei.

Em intervenção pontual desta relatoria, foi asseverado que a intenção do artigo 75, § 3º, da Lei nº. 4.728, foi atribuir à instituição financeira uma posição de propriedade sobre o recebível cambial, tutelando-o por meio de uma pretensão restitutória, ainda que a reforma da LFRE não tenha refletido esta ideia. Ponderou-se, então, que uma das alternativas práticas para se alcançar essa finalidade seria a celebração, junto ao ACC, da cessão fiduciária do recebível cambial vinculado.

O Dr. Cássio Cavalli, corroborando o argumento do Dr. Lucas Gavaza, ressaltou que essa foi a ideia que norteou os trabalhos iniciais da reforma da LFRE, isto é, a criação de uma cessão fiduciária automática do recebível cambial, na medida em que se trata de contrato de câmbio no qual a prioridade legal só terá sentido de houver o fechamento da operação, dando segurança absoluta para o financiador acessar o recebível cambial.


3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por derradeiro, em considerações finais, o Dr. Marcelo Sacramone destacou que o debate do ACC é uma discussão prática que influencia a estratégia dos credores nas operações e até mesmo do próprio devedor, na medida em que tangencia a questão dos honorários sucumbenciais. Ademais, ressaltou que também envolve, por exemplo, questões afetas à ordem de preferência na falência, tratamento privilegiado do crédito, e políticas públicas para proteção do crédito supostamente ligado a exportação, sendo um tema robusto e sem respostas prontas, motivos pelos quais é necessário pensar em respostas melhores do que as que estão sendo dadas até então.
 

Autor(a)
Lucas Gavaza, Sócio Freire, Gavaza & Lima Advogados
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