Filipe Aguiar de Barros (Keynote Speaker e Procurador da Fazenda Nacional), Luciana Gasques (Moderadora e Senior Director da Alvarez & Marsal), Eduardo Mattar (Debatedor e Sócio Padis Mattar Advogados) e Pedro F. Teixeira (Debatedor e Sócio TPB Advogados)
No dia 8 de dezembro de 2023 a TMA Brasil promoveu o penúltimo evento do ano da série “Solução em Foco” com o tema “Plano de Falência – Alteração Legislativa”, realizado de forma online e transmitido via YouTube .
Luciana Gasques, moderadora do evento cumprimenta os demais convidados, apresenta os membros da mesa e adianta que é muito interessante o tema que será tratado no evento. Inicia comentando que a Lei 11.101/05 (“LFRE”), em seu artigo 75 já procurava dar um tratamento célere para a realização para alienação de ativos, o que foi melhor detalhado pela lei 14.112/20, que teve como principal novidade sobre o tema a inserção, no art. 99, do plano de realização de ativos. Em seu entender, a Falência era vista como fim da linha, mas hoje tem-se a percepção de que não é bem assim, porque passou-se a perceber que há espaço para mudanças adicionais para tornar essa celeridade eficaz, de modo a transformar a falência em um processo que tem começo, meio e fim. Luciana passa então a palavra para o Dr. Filipe, Keynote Speaker para tratar sobre o plano de falência que, cujo objetivo é tornar o processo efetivamente mais célere dando-lhe uma previsão de encerramento, superando a situação atual de processos de falência que duram décadas.
O Dr. Filipe, parabeniza a TMA pela organização de eventos e destaca que a associação é sempre parceira nos debates, principalmente em discussões sobre inovações legislativas, o que em sua opinião viabiliza o avanço no arcabouço do direito de insolvência brasileiro. Inicia fazendo a ressalva de que a falência é sempre um tema difícil de debater porque há interesses contrapostos, os temas são complexos, os arcabouços jurídicos são diferentes nos diferentes países e que há dificuldades estruturais, culturais e históricas no Brasil com o instituto. Consigna que, felizmente, foi possível dar um grande passo em 2020 e manifesta sua crença de que ainda há muito mais a fazer tanto em termos de reformas legislativas quanto de medidas práticas para melhorar o ambiente de insolvência.
Introduzindo o tema do evento, informa que a Secretaria de Relações Econômicas do Ministério da Fazenda (“SREMF”) tem em sua pauta a realização de reformas microeconômicas para melhorar a oferta e o custo do crédito no país o que, dentre outros aspectos, provocará melhoria na competitividade e produtividade. Como um dos projetos da SREMF estão as alterações na falência, visto que, na percepção da pasta, a reforma de 2020 focou muito na Recuperação Judicial (“RJ”), mas não previu mudanças estruturais na falência, a despeito de ter introduzido numerosas novidades. Informa que, conjuntamente com o Debatedor Pedro, com quem também realizará a apresentação, conduziu a reforma de 2020 em assessoria aos Poderes Legislativo e Executivo.
Informa que se trata de um anteprojeto da SREMF ainda sujeito a debate, debate este que será ampliado à sociedade se efetivamente for encaminhado como projeto de lei ao Congresso Nacional.
Informa que as diretrizes do projeto são (i) foco na falência, o que pode ter repercussões na RJ, especialmente porque, com a melhoria do instituto da falência, se tornaria mais crível a ameaça de convolação, dando conforto maior aos credores para rejeitar eventual plano de recuperação judicial; (ii) inexistência de pretensão de resolver todos os problemas existentes, porque sequer houve o mapeamento do impacto da reforma de 2020 na falência, o que só poderá ser identificado em alguns anos; e (iii) foco em casos médios e grandes, porque para casos pequenos serão necessárias novas medidas e que sejam mais revolucionárias. Reitera seu posicionamento pessoal de que as pequenas devem ter suas falências endereçadas projetos de lei autônomos, que inclusive devem prever a falência extrajudicial como forma de liquidação para estes casos. Sublinha que, com este projeto, não se pretende implementar uma grande reforma, seja mexendo muito na falência seja entrando na RJ.
Esclarece que a proposta pretende empoderar credores e tornar a falência mais célere e eficiente principalmente nos casos médios e grandes, nos quais os credores se ressentem da impossibilidade de participar mais, por haver uma centralidade dos papeis do Administrador Judicial (“AJ”) e do Juiz. Destaca que é de intenção do anteprojeto também a desburocratização da falência.
Informa que a ideia do gestor fiduciário é basicamente de permitir que os credores escolham seu AJ, que ganha o nome de “gestor fiduciário” por poder ser escolhido pelos credores. Na falência, haverá a possiblidade de os credores indicarem o gestor fiduciário, podendo também o substituir, e fixar sua remuneração. Consequentemente, haverá mais confiança e legitimidade nos atos do gestor fiduciário. Não se pretende abolir a figura do AJ, porque ele continuará na RJ e nas falências em que não houver a indicação de gestor fiduciário; e, para além disso, os próprios AJ podem ser escolhidos para atuar como gestores fiduciários. Resume que, no geral, a ideia é empoderar credores e legitimar a ação do AJ indicado pelos credores, que passará a se chamar gestor fiduciário.
Outra mudança importante decorre das conclusões dos estudos da ABJ sobre as falências do estado de São Paulo, segundo as quais o procedimento de avaliação trava muito os processos de falência. Há então a proposta de descasar a arrecadação e avaliação dos ativos (não exigindo a avaliação no momento da arrecadação), tornando facultativa a avaliação do ativo em algumas hipóteses. O plano de falência poderá, inclusive, prever a possibilidade de venda de bens arrecadados sem prévia avaliação. Ainda, sendo necessária a contratação de empresa para avaliar os bens arrecadados, não será necessária pré aprovação pelo juiz porque parte-se da premissa de que, sendo o gestor fiduciário contratado pelos credores, estes confiam em sua atuação. A ideia é desburocratizar o processo, desjudicializando ao máximo o processo, diminuindo para o mínimo possível a necessidade consulta e requerimento de autorização judicial.
O projeto altera ainda a composição e as atribuições tanto do comitê de credores quanto da assembleia geral de credores (“AGC”). Com relação às atribuições, agrega-se às funções do comitê a contratação (substituição e remuneração) do gestor fiduciário e a elaboração de parecer sobre o plano de falência. A AGC votará pela aprovação, ou não, do plano de falência. A mudança substancial, contudo, é na composição da AGC. Isto porque a ideia de empoderamento de credores deve abranger todos os credores, na medida em que as classes de credores do art. 41 da LFRE não representam todos os credores da falência, conforme os arts. 83 e 84. Como solução, houve a agregação dos credores fiscais, que se tornarão uma quinta classe, a fim de aferir representatividade completa à votação, conferindo legitimidade às decisões assembleares e reduzindo o nível de litigiosidade na falência. É possível que haja litígio sobre as regras de votação, por exemplo, mas, a princípio, o que for votado será definitivo.
Outra mudança principal, juntamente com o gestor fiduciário, é o plano de falência, que abordará todo o planejamento da falência, funcionando como um script (de forma análoga aos planos de recuperação judicial). A intenção é que, logo no início da falência, os credores deliberem sobre o plano de falência proposto pelo gestor fiduciário/AJ. A ideia central é que o que estiver decidido no plano não precisa ser submetido a autorização judicial. É dizer, uma vez aprovado o plano, será executado o que nele está previsto e, se não puder haver o cumprimento do que está previsto, altera-se o próprio plano de falência. Assim, concentram-se as discussões logo no início do processo, viabilizando a independência da tramitação do processo em relação à burocracia do poder judiciário.
O projeto se preocupa em estabelecer prazo para arrecadação de ativos, é dizer, apresentação do auto de arrecadação em até 45 dias contados da assinatura do termo de compromisso pelo gestor fiduciário/AJ.
Há também disposição excepcionando o tratamento dos juros dos créditos extraconcursais: quando os créditos extraconcursais tiverem juros, que eles não sofrem o tratamento do art. 124 da LFRE; havendo continuidade de incidência de juros inclusive no período pós-decretação.
Por fim, há um estímulo de alteração do art. 149 para deixar claro que os pagamentos/rateios podem ser realizados independente de discussão de créditos. Havendo discussão sobre determinados créditos, as classes podem ser pagas desde que seja reservado o valor do crédito em disputa.
Estas são as linhas mestras do projeto.
Na sequência Luciana passou a palavra para o debatedor Pedro, que agradeceu o convite e informou que o texto do anteprojeto de lei ainda não é público, mas será apresentado com autorização do Ministério da Fazenda. A ideia é discutir os pontos do anteprojeto para abrir para a contribuição, de modo a oferecer melhoria para o ambiente de insolvência.
Inicia esclarecendo que a ideia é trabalhar exclusivamente com a falência, o que é uma ideia bastante feliz. Informa que, por meio da Lei 14112/20 foram implementadas alterações buscando dar celeridade à falência. Mas, ainda assim, o Ministério da Fazenda tem uma ideia bastante clara de que o Brasil ainda judicializa muito suas disputas (seja no âmbito das falências, seja no âmbito dos próprios processos de execução, majoritariamente compostos por créditos fiscais), com taxa muito baixa de recuperação de crédito. Hoje, a falência depende muito do Poder Judiciário e de autorização do magistrado, o que implica depreciação do valor do ativo no tempo, incentivando o ambiente de litigiosidade que não favorece maximização de valor dos ativos. Neste contexto, ao final, todos perdem: a sociedade, os sócios da sociedade falida e todos os credores.
Destaca que, dentro desta lógica, foi criado pelo Governo Federal o programa chamado Desenrola, aplicado às pessoas físicas, que busca recuperar ativos de forma desjudicializada por meio da criação de um ambiente onde devedor e credores possam, através de determinadas regras, negociar seus próprios créditos. Agora, há preocupação do Secretário Marcos Pinto de melhorar o ambiente de resolução das dívidas das sociedades empresárias, que se submetem à falência.
Quanto à matéria debatida no Solução em Foco, ressalva que, tratando-se de um anteprojeto, o texto ainda poderá sofrer alterações antes e durante sua tramitação no Congresso Nacional. Neste sentido, a ideia do evento é trazer luz às ideias básicas do projeto para aprimorá-lo e oferecer sugestões ao próprio Governo Federal.
Pedro esclarece então que existem 2 linhas mestras no projeto: criação da figura do gestor fiduciário e o plano de falência.
Explica que o gestor fiduciário, que assume integralmente as tarefas do AJ. Ele ganha este nome por ser nomeado pelos credores em AGC, que será convocada após a decretação da falência (seja em decretação originária ou convolação de RJ). Após a decretação da falência, o juiz convoca AGC para nomear um gestor fiduciário. É possível que os credores não tenham interesse em nomear ninguém, o que atrai a aplicação das regras hoje existentes (nomeação de AJ).
Uma vez decretada a falência, o juiz nomeia um AJ transitório, cuja função será de adotar as medidas iniciais após a decretação da falência (lacração, arrecadação etc) e focar sua energia na verificação dos créditos para consolidação dos créditos. Ele exercerá obrigatoriamente suas funções até a publicação da relação de credores do art. 7º, §2º da LFRE. Esta lista tem importância porque servirá de base para a convocação e votação da AGC para nomeação do gestor. Por outro lado, havendo a convolação de RJ em falência, o AJ já nomeado no processo exercerá a função de forma transitória no início da falência. Pedro ressalva que, em casos de convolação da RJ em falência, é possível que o AJ renuncie o cargo por não ter interesse em continuar no processo: nestas situações, o juiz deverá nomear um AJ transitório para realização das medidas iniciais (como nos casos de decretação originária da falência).
Segue esclarecendo que a pauta principal, mas não única e exclusiva, da AGC será a nomeação do gestor fiduciário. O quórum para votação é o do art. 42 da LFRE (metade dos créditos presentes na AGC), que é a regra geral para deliberações. Feita a deliberação pelos credores, o gestor fiduciário passará a exercer suas funções.
Explica que a remuneração do gestor fiduciário também deve ser definida pelos próprios credores. O gestor fiduciário deve apresentar sua proposta de honorários com base no valor de mercado para casos análogos (especificando horas de trabalho e diligências, por exemplo). Assim como o AJ, o gestor fiduciário também poderá ser substituído, o que se dará de acordo com a vontade dos credores reunidos em AGC, que são aqueles que o nomearam. A destituição, por sua vez, por se tratar de sanção, apenas poderá ser feita pelo juiz: neste caso, os credores em AGC podem sugerir e indicar ao juiz a destituição, é dizer, a função dos credores na destituição será apenas de afastar o gestor fiduciário, ao passo que a aplicação de eventuais sanções caberá com exclusividade ao juiz.
Como funções do gestor fiduciário, acresce-se ao art. 22 da LFRE o inciso “u”, que preverá a elaboração do plano de falência. Este novo inciso também se aplica ao AJ, ou seja, quando não houver gestor fiduciário nomeado, o próprio AJ será o responsável por apresentar o plano de falência. É dizer, o plano de falência deverá ser apresentado independentemente de quem exerça o papel de auxiliar (seja o auxiliar do juízo, que é o AJ; seja o auxiliar dos credores, que é o gestor fiduciário), porque ele se torna uma nova etapa do processo de falência. Pedro destaca que o plano de falência não se confunde com o plano de realização de ativos; na medida em que o plano de realização de ativos estará incluído no plano de falência (que é amplo e dará o norte) estabelecendo os meios de realização e encerramento do processo (meios de realização e gestão do ativo, por exemplo).
O gestor fiduciário assume todas as funções do AJ tendo um perfil de mercado, como já é o caso dos administradores judiciais, porque tanto atuam nos processos por nomeação judicial quanto por contratação dos credores. A única diferença é quem nomeou. Isso criaria maior confiança dos credores acerca do trabalho que vem sendo desempenhado, aumentando a legitimidade e reduzindo litigiosidade no processo de falência. Haveria ainda autonomia e menor burocracia para a condução do processo, porque tudo estaria previsto no plano de falência aprovado pelos credores e homologado pelo juízo da falência, tornando dispensável a necessidade de levar questões pontuais a todo o momento pelo AJ/ gestor fiduciário ao Poder Judiciário, o que conferiria a celeridade ao trâmite do processo. Em conclusão, a partir do momento em que tudo está previsto no plano de falência, o AJ/ gestor fiduciário tem mais autonomia e tira a burocracia do processo.
Pedro ressalta que a ideia é conferir ao comitê de credores um poder deliberativo (não apenas consultivo, como é atualmente). Para que não haja necessidade de convocação de AGC para tudo, os próprios credores podem eleger um comitê de credores, que terá um caráter deliberativo para a aprovação do plano de falência, o que, em seu entender, daria uma maior dinâmica ao processo de falência.
Quanto aos prazos, inicialmente que o plano de falência deve ser apresentado 60 dias após a nomeação do gestor fiduciário ou da nomeação definitiva do AJ (o que se dará após a deliberação de AGC, visto que a, princípio, o AJ será nomeado de forma transitória).
Com relação ao conteúdo mínimo do plano de falência, este deve prever: (i) plano de gestão de recursos e ativos; (ii) plano detalhado de realização dos ativos a ser executado em até 180 dias, mecanismo criado pela própria lei 14.112/20; (iii) previsão dos casos em que os ativos poderão ser realizados sem avaliação prévia, que é uma preocupação demonstrada pelo Secretário Marcos Pinto e com base nos estudos da ABJ, segundo os quais em muitas falências a obrigatoriedade de avaliação prévia de todo e qualquer ativo prolonga o trâmite da falência; (iv) providências a serem adotadas nos processos judiciais ou administrativos em curso; (v) plano de pagamentos e (vi) contratação de auxiliares (avaliadores, advogados, experts de diferentes áreas), apresentando a previsão orçamentária destes serviços. É possível ainda prever meios alternativos, que podem ser, por exemplo (i) aquisição de bens da massa mediante utilização de crédito; (ii) transferência de bens para uma nova sociedade ou fundo nos quais os credores possam deter participação – situação que, a despeito de já ocorrer em algumas falências, ainda não tem previsão legal; e (iii) obtenção de descontos em relação às classes de credores, o que deve ser sujeito à aprovação expressa do próprio credor.
Informa ainda que o plano de falência deverá ser acompanhado de vários anexos, quais sejam, relação de credores, relação de ativos, relação de passivo. Destaca que o anexo mais importante é a estimativa, com base em projeções conservadoras, dos valores que caberão a cada classe, indicando as classes para as quais não se estima pagamentos. Ressalva que, haverá a possibilidade de impugnação pelos credores. Isto importa para fins do exercício do direito de voto em AGC.
A votação do plano de falência deverá ser realizada em AGC por classes (conforme discriminadas nos arts. 83 e 84 da LFRE) e a deliberação se dará por maioria dupla (maioria de créditos e credores presentes contados por cabeça). Contudo, apenas terá direito a voto os credores que tenham a estimativa de receber valores, ou seja, a classe sem estimativa de recebimento de créditos não poderá influenciar na deliberação do plano de falência (evitando o tumulto do processo de falência), haja vista que ela não teria interesse para tanto.
Ainda quanto à votação do plano de falências, foram previstas duas formas de aprovação por cram down, que seriam (i) uma vez comprovado que a classe que rejeitou o plano de falência receberá integralmente seus créditos (ainda que de forma alongada), o juiz pode afastar a rejeição da classe e homologar o plano de falência; ou (ii) se a classe que rejeitar não receber integralmente o valor de seus créditos, porém (a) a classe seguinte não receberá nenhum valor e (b) todos os credores foram tratados de maneira isonômica.
Esclarece que para o plano de falência não há necessidade de consentimento por parte do falido porque os credores são os maiores interessados. E, nesta linha de ideias, é possível que os credores (i) ofereçam alterações ao plano de falências em AGC; e (ii) apresentem plano alternativo, desde que elaborado e apresentado por credores que representem pelo menos 25% dos créditos.
No momento da homologação, o juiz ficará adstrito à análise das matérias do art. 56-A, § 3º (p. e., não preenchimento do quórum legal para aprovação, descumprimento de procedimento disciplinado na lei, irregularidades tanto do termo de adesão quanto em geral). É dizer, o juiz não vai interferir nas condições “econômicas e financeiras” do plano de falência, se restringindo às hipóteses de ofensa à lei.
Uma vez apresentado e homologado o plano de falência, o gestor fiduciário/AJ terá liberdade de executá-lo sem necessidade de aguardar consolidação do QGC ou obter novas autorizações judiciais. E, o que é mais importante, haverá a impossibilidade de responsabilização do gestor fiduciário/AJ por atos praticados de boa-fé e em conformidade com o plano de falência aprovado.
Na hipótese de não aprovação do plano de falência, restará o plano detalhado de realização de ativos conforme já previsto na lei, conforme as regras hoje vigentes.
Luciana Gasques passa a palavra para Eduardo realizando a provocação de que, como advogado de credor, certamente ele tem pontos importantes a tratar porque há previsão de empoderamento simultaneamente à previsão de cerceamento do direito de voto.
Eduardo agradece ao TMA pelo convite, informando que apresentará suas primeiras impressões como profissional que corriqueiramente representa credores em processos de insolvência em geral. Destacando que o conteúdo do anteprojeto ainda não é público, destaca que sua primeira reação é muito positiva de forma geral, porque o farol que o guia é o empoderamento do credor, trazendo-o mais para dentro do processo e viabilizando seu contato mais proativo e íntimo com um processo em que ele é o maior interessado.
Ressalva que, evidentemente, haverá interesses conflitantes entre si entre os credores (conflitos que podem emergir dos diferentes graus de familiaridade e experiência com processos de insolvência e de diferentes expectativas de recuperação de crédito, por exemplo). Destaca que, entre credores, há o gênero maior de stakeholders em geral e o grande gênero de credores, e que muitas vezes é mais frequente a existência de conflitos destes tipos de credores entre si do que entre credores e devedor. Estabelecendo a premissa de que o anteprojeto tem o potencial de agravar a tensão entre certos credores (o que entende como subproduto natural), conclui que ainda assim a coletividade de credores estaria melhor servida nesta nova estrutura do que estão hoje com a lei vigente.
Lamentando que algumas das soluções propostas no anteprojeto não sejam aplicáveis também à RJ, reconhece que uma única reforma muito ampla inviabilizaria a alteração da lei, fazendo um paralelo com a própria dinâmica de modernização do código de processo civil, em que desde os anos 1990 se implementaram reformas pontuais em diversas leis.
Manifesta que no futuro, seria positiva a implementação da figura do gestor fiduciário também na RJ, mas admite que se deve iniciar a implementação desta figura na falência. Destaca já há muito vem sendo discutida por aqueles que hoje atuam no mercado de insolvência a necessidade de reforma do procedimento de escolha do responsável por supervisionar/fiscalizar um processo que, antes de tudo, é de interesse dos credores.
Em seu entender, a criação do gestor fiduciário traria aprimoramento para o mercado e fomentaria a concorrência saudável entre os administradores judiciais, porque estes teriam a possibilidade de ser contratados com a chancela dos credores, apresentando-se como opção eficiente de gestão da crise. Em conclusão, os administradores eficientes seriam reconhecidos por seu trabalho e seriam mais justamente remunerados (extinguindo as distorções hoje existentes em termos de remuneração).
Entende como positiva também a previsão de robustecimento do comitê de credores com aprimoramento de suas funções e ferramentas. Destaca que, a despeito de ser rara a instituição de comitês de credores, quando há efetivamente sua atuação na falência, não há a possibilidade de contratação de assessores que eventualmente se mostrem necessários para o exercício, pelos credores, desta função que, além de tudo, é meramente opinativa (e, nesta condição, as opiniões do comitê de credores muitas vezes sequer são levadas em consideração). Avalia positivamente este robustecimento da participação dos credores dando-lhes ferramentas necessárias custeadas pela própria massa/recuperanda (o que já ocorre na experiência internacional).
Entende que a participação do credor fiscal como classe na falência é uma evolução, e deve também ser implementada na RJ.
Em relação ao plano de falência, sua preocupação ainda é em relação à dinâmica de não admissão de certos credores em determinadas deliberações (o que não deixa de ter sua lógica dentro do anteprojeto exposto), porque o cálculo e/ou avaliação de quem será provavelmente beneficiado cria um cenário de potencial muita disputa, porque terá efeitos relevantes. Ressalva que isto não significa que a alteração não deve ser implementada, visto que já há inclusive previsão próxima na LFRE (em que os credores que não terão seus votos alterados pelo plano de recuperação judicial não terão direito a voto), mas tem preocupação quanto ao mecanismo de implementação da alteração, porque ela tem potencial de justamente incentivar o litígio.
Quanto aos pagamentos da falência, a introdução da possibilidade de descontos em créditos por deliberação por maioria dos credores na lógica do art. 42 da LFRE, cria o potencial de fomentar o conflito de interesses de credores. Hoje, o desconto é decorrência normal do esgotamento do ativo arrecadado (ainda que determinados credores não tenham sido pagos). O desconto por liberalidade dos credores, entretanto, exigirá maior aclimatação dos profissionais do direito.
Em conclusão, entende que é positivo o entendimento de Pedro e Filipe com a discussão de temas tão importantes.
Luciana Gasques retoma a palavra e, estabelecendo as premissas de que (i) o plano de falência se aproxima muito do plano de RJ (porque estabelece todas as diretrizes de antemão, tornando prescindível a autorização judicial para a prática de cada ato isoladamente); (ii) a dispensa da avaliação é positiva; e (iii) todas as medidas a serem adotadas na falência deverão ser pré-aprovadas pela AGC, questiona se a votação do gestor judicial pelo art. 42 da LFRE não majoraria o conflito na falência, especialmente porque ,na falência, o fisco é um dos principais credores e, nos termos do anteprojeto, o gestor fiduciário será o administrador judicial (ao contrário da RJ, em que administrador judicial e gestor fiduciário atuam paralelamente). Neste contexto, questiona se deixar esta votação com base no art. 42 da LFRE não poderia caracterizar um conflito e um privilégio a uma categoria de credores que já está lá em cima.
Emendando a questão da AGC, Luciana destaca que chamou sua atenção a previsão exclusão do credor na votação. Nas falências, principalmente aquelas de empresas com operação no exterior, não há no início do processo a visão do ativo (quando o plano de falência deve ser apresentado). Neste contexto, questiona se seria a melhor solução excluir o credor da votação ou se isso aumentaria a litigiosidade de uma assembleia na falência.
Quanto à preocupação de Eduardo com os descontos na falência, Pedro informa que no anteprojeto há uma previsão de que a aplicação de descontos sobre o valor dos créditos pressupõe aprovação expressa da classe de credores titulares dos créditos afetados; ou seja, não haverá desconto pela maioria haja vista que será necessária a aprovação expressa dos credores afetados. Eduardo agradece por ter havido resposta à sua e destaca que, de fato, aplica-se a regra da maioria a quem de fato é afetado. Ressalva que no Brasil, hoje, há itens que maculam a regra da maioria, como no caso de credores simultaneamente quirografários e extraconcursais (que não se importam em deliberar um PRJ desde que sua garantia seja preservada, prejudicando credores exclusivamente quirografários). Destaca que a votação, tal como no anteprojeto, viabiliza que os credores votem em favor da classe.
Quanto à primeira questão, destaca que o conflito de interesses é sempre normal e existente (mais dos stakeholders entre si, do que entre credores e devedora), razão pela qual a escolha do gestor fiduciário e a fixaçaõ de remuneração não necessariamente aumentará o conflito. Pelo contrário, a medida viabiliza que os usuários od serviço escolham quem o prestará, o que conferirá maior legitimidade às medidas adotadas pelo gestor judiciário.
Filipe manifesta sua concordância com a ponderação de Eduardo, por acreditar que não haverá conflito de interesses entre credores e gestor fiduciário, haja vista que haverá confiança no trabalho. Naturalmente, haverá conflitos de perspectivas entre credores, o que já existe e é positivo. Ocorre que hoje este conflito se dá de forma desorganizada e tardia, mas o anteprojeto traz esta discussão para o início do projeto, organizando-a. Caso não seja alcançado o consenso entre os credores, eles mesmos serão os perdedores, o que incentiva que cada credor ceda de seu lado. Entende que, do ponto de vista da Fazenda Pública, tem melhorado esse aspecto com a cultura da transação, razão pela qual Filipe entende que a Fazenda está mais madura para entrar neste ambiente. Filipe ressalta que sempre foi defensor da sujeição do crédito fiscal à RJ e entende que este projeto pode ser um primeiro passo para tanto, por ser uma primeira experiência do fisco dentro da AGC. Após analisar a experiência, seria possível cogitar a inclusão do Fisco na RJ, porque já haveria uma cultura precedente já organizada.
Quanto ao segundo questionamento (direito de voto), Filipe entende que é a polêmica do anteprojeto e suscitará debates. Do ponto de vista teórico, é perfeito. Mas, na prática, deverá ser realizada avaliação dos ativos dos ativos e serão adotadas premissas (que não necessariamente convergirão com as convicções dos credores). A proposta traz estes riscos de discussão quanto à avaliação dos bens, mas também cria mecanismos para impugnação da avaliação. Questiona-se, ainda, se a decisão da impugnação virá oportunamente, mas este aspecto deverá ser objeto de observação. Em seu entender, é o ponto mais polêmico do projeto. Ele chegou a sugerir, por exemplo, que subquirografário não votasse. A ideia é obter aprovação por crédito e cabeça, mas seguindo a estruturação de classes dos arts. 83 e 84 no início da falência, quando o QGC estará muito longe de ser consolidado. Até por isso não será uma deliberação simples de ser tomada.
Luciana retoma a palavra e lê a pergunta de Jesus Carvalho, que questiona se o prazo de 180 dias para alienação (art. 142 da LFRE) será afetado por estas mudanças. Passa a palavra para Pedro.
Pedro responde que este prazo não será afetado, é um prazo indicativo previsto na própria lei. Obviamente, a depender do que contenha o plano de falência proposto pelo AJ/gestor fiduciário, o prazo pode ser alterado a depender da deliberação e votação dos credores. Sendo objetivo, o prazo é indicativo e não será afetado.
Faz ainda dois comentários breves com relação às perguntas de Luciana, destacando que são perguntas boas por tocarem no ponto mais sensível do projeto, que é o direito de voto. Em seu entender, a previsão carece de amadurecimento e estas discussões são boas por fornecerem ideias para objetivar mais os critérios de perda do direito de voto. Destaca que o projeto tenta utilizar tenta utilizar termos conservadores (“vai ser estimado de forma conservadora o pagamento dos valores pelas classes”; “não terá direito de voto aquele que não tiver expectativa de recebimento de seus créditos”). Ou seja, há uma série de termos que evidenciam que o legislador está se preocupando não em dizer “vai ser cravado um valor e daqui pra trás ninguém volta”, mas que “existe uma expectativa e estimativa e, obviamente, aquele que não tiver nenhuma expectativa (por mais conservadora que seja) ou estimativa de recebimento de valores, este credor poderá até se manifestar em AGC, mas seu voto será desconsiderado para fins de aprovação do plano de falência”.
Por último, complementando os pontos levantados pelo Filipe e Eduardo, Pedro entende que tanto a participação do Fisco quanto a escolha do gestor fiduciário pelos credores na falência é uma experiência que será vivida (caso o projeto seja proposto e aprovado) com simultânea participação do Fisco. Em seu entender, o Fisco precisa entender a lógica do processo de insolvência, o que foi muito conversado em Brasília. Existe uma expectativa de todos que trabalham com insolvência (que é a participação do fisco), mas na prática eles entendem muito pouco a dinâmica e a lógica dos processos de insolvência. Será necessário até mesmo um novo arcabouço jurídico que lhes garanta menos responsabilidade acerca das decisões tomadas no âmbito destes processos: são todos servidores públicos que respondem por uma série de eventuais crimes de responsabilidade, que muitas das vezes são conservadores e, em processos como estes que exigem certa dinâmica, acabam voltando contra. A experiência do plano de falência pode amadurecer a ideia e conferir ao Fisco a experiência e segurança para que o arcabouço jurídico seja melhorado em todos os sentidos, a fim de que o Procurador que participar do processo possa voltar entendendo a dinâmica da insolvência.
Luciana informa que o prazo do evento se esgotou, passando a palavra para os participantes. Filipe agradece ao TMA pela realização do evento, parabenizando todos que estão dividindo a mesa virtual. Pelo Ministério, há um amadurecimento em relação ao projeto e espera-se que em breve ele se torne um projeto de lei que, obviamente, está aberto ao debate e aperfeiçoamento porque tem o compromisso de melhorar o ambiente de insolvência, gerando efeitos positivos na economia. Eduardo agradece ao TMA e informa que fica com a clara impressão de que é positivo o que vimos e o que podemos esperar, e evidentemente nunca há um anteprojeto perfeito, mas que ouviu diversos potenciais progressos, que recebeu com bons olhos. Agradeceu a Pedro e Filipe pelo trabalho realizado e, em nome da advocacia, colocou a todos os usuários do mercado à disposição para debater aquilo que for pertinente. Pedro agradece aos participantes e ao TMA, destacando que o anteprojeto é um ponto de partida e que ninguém é dono da verdade e que é necessário ter o debate para que as ideias sejam aprimoradas. Assume o compromisso de enviar por todos os meios o texto do projeto quando ele se tornar público, como foi à época da reforma. A questão do plano de falência e do gestor judiciário é um ponto de partida e eles estão à disposição para receber contribuições. Bruna agradece ao TMA. Luciana agradece a todos que compuseram a mesa e se coloca à disposição de todos.