PARTICIPANTES: Luiz Fabiano Saragiotto, sócio da Journey Capital e Presidente do Conselho Administrativo da TMA Brasil, André Suguita, sócio da Jugis Capital, Bruna Marengoni, sócia do BTG Pactual, Guilherme Ferreira, sócio da Jive Investments, e Rafael Fritsch, sócio da Root Capital.
No dia 22 de junho de 2023, a TMA Brasil promoveu um debate online sobre o tema “Precatórios – A Nova Ordem”. O evento foi moderado por Luiz Fabiano Saragiotto, sócio da Journey Capital e Presidente do Conselho Administrativo da TMA Brasil, e contou com a participação de André Suguita, sócio da Jugis Capital, Bruna Marengoni, sócia do BTG Pactual, Guilherme Ferreira, sócio da Jive Investments, e Rafael Fritsch, sócio da Root Capital. O debate buscou abordar os efeitos práticos das Emendas Constitucionais 113 e 114, aprovadas em dezembro de 2021 com o objetivo de readequar o regime de pagamento de precatórios federais, adequando-os ao orçamento da União.
1. INTRODUÇÃO
Luiz Fabiano Saragiotto levanta alguns dos pontos a serem abordados para início do debate: i) as principais mudanças resultantes da aprovação da Emenda Constitucional; ii) o panorama atual dos precatórios federais; iii) quais pontos da Emenda Constitucional têm sido colocados em prática e quais encontram-se indefinidos.
2. PRINCIPAIS MUDANÇAS ESTABELECIDAS PELAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS
André Suguita inicia falando sobre o subteto previsto nas Emendas Constitucionais, que estabelecem até 2026 um limite de pagamento dos precatórios federais pelo governo. Foi utilizado como referência o montante de precatórios pagos em 2016, de aproximadamente R$ 31 bilhões, atualizado pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), criando um limite de pagamentos pela União – diferente do regime anterior em que a totalidade dos precatórios do ano corrente era paga.
Como contrapartida, foi introduzida a possibilidade de adesão a um acordo direto para recebimento antecipado do precatório com deságio de até 40% do valor total. Contudo, não foi apresentado edital ou regulamentação específica para viabilizar a implementação do dispositivo até o momento.
As Emendas Constitucionais introduziram também a utilização alternativa dos precatórios federais na quitação de débitos parcelados (encontro de contas) e no pagamento de outorga, compra de imóveis e aquisição de participação societária em empresas do ente federativo. Para que esses dispositivos pudessem ser implementados, criou-se ao longo de 2022 um arcabouço jurídico. Contudo, houve no início de 2023 uma revogação da normativa por parte da AGU (Advocacia-Geral da União), inviabilizando a utilização alternativa dos precatórios federais.
Há em andamento uma rediscussão da normativa, em ambiente de consulta pública. A previsão atual é que, até a conclusão do prazo de 2026, o estoque de precatórios atinja a ordem de R$ 300 bilhões. Dispositivos que permitiriam uma redução desse montante (como a utilização alternativa dos precatórios e o acordo com deságio) não estão sendo aplicados. Além disso, e contribuindo para o crescimento do estoque de precatórios federais, foram alterados pelas Emendas Constitucionais o índice de correção monetária e os juros remuneratórios, que passam a ser corrigidos pela Selic (para precatórios não tributários).
3. EFEITOS DAS MUDANÇAS NO MERCADO DE PRECATÓRIOS
Rafael Fritsch explica que, no passado, o pagamento de precatórios era feito de forma consistente, facilitando a precificação desses ativos assim como o entendimento por parte dos investidores. Nos últimos anos, com a queda dos juros e a expectativa do mercado pela introdução de novos mecanismos e alternativas aos donos de precatórios, observou-se uma alta nos preços dos precatórios federais.
Contudo, fatores recentes como o aumento da inflação global levaram a maior parte dos governos a elevar suas taxas de juros, afetando a taxa de desconto dos investimentos e, consequentemente, a precificação dos precatórios. Em paralelo, as frustrações do mercado com a impossibilidade do uso alternativo dos precatórios, aliadas às incertezas no pagamento de precatórios após a aprovação das Emendas Constitucionais, fizeram com que houvesse uma perda adicional de valor desses ativos, acentuando a queda nos preços negociados.
O resultado é um ambiente de mercado em que há um desencontro entre a expectativa de valor dos ofertantes e a precificação dos compradores de precatórios federais, o que tem levado a um volume de negócios significativamente menor que o usual.
Há nesse momento uma atenção a fatores em definição que podem afetar a precificação, como a priorização dos pagamentos dentro dos estoques e as eventuais diferenças de tratamento em cada Tribunal Regional Federal. O cenário observado reforça a importância da atuação de grupos de trabalho de entidades privadas como a TMA Brasil junto a esses órgãos, endereçando os problemas e trabalhando nas possíveis soluções.
4. PROPOSTA DE REGULAMENTAÇÃO E SEUS IMPACTOS
Guilherme Ferreira relembra que se instalou, com a aprovação das Emendas Constitucionais, um vácuo normativo entre o final de 2021 e o final de 2022 – período no qual normativos infraconstitucionais e portarias formataram a regulamentação das possibilidades previstas nas emendas para o uso alternativo dos precatórios.
Na prática, o uso alternativo dos precatórios nos termos aprovados é de difícil aplicação sem a devida regulamentação. Uma vez apresentados os normativos, o mercado passou a se movimentar em direção a novas transações. Porém, entre março e abril de 2023, com a revogação das portarias da AGU e do Ministério da Fazenda que tratavam do tema, volta a se instalar um vácuo normativo e um ambiente de incertezas.
Mais recentemente, em junho, foi publicada uma minuta de portaria interministerial para regulamentar esses procedimentos, apresentando temas como: i) a obrigação de apresentação de garantias em operações de compensação ou na utilização do precatório como pagamento; ii) a previsão de um possível teto global para utilização dos precatórios; e iii) a possibilidade de definição pelos ministérios, individualmente ou no contexto de cada licitação, de parâmetros máximos de utilização dos precatórios (por exemplo, limitando o uso de precatórios a um determinado percentual do valor total da outorga).
Segundo Guilherme, as propostas apresentadas preocupam o mercado, uma vez que limitam um direito de forma não prevista na Constituição e aumentam o grau de incerteza, dificultando a monetização desses ativos por seus detentores. Isso, por sua vez, afeta não só o mercado que negocia precatórios federais, mas principalmente os detentores desses precatórios, que adquiriram esse direito e passam a contar com incertezas no seu recebimento ou com grandes deságios em uma eventual venda. O mercado espera poder, no contexto das respostas à consulta pública em andamento, melhorar a normativa e implementar diretrizes mais próximas àquilo que foi o espírito da Emenda Constitucional.
5. UTILIZAÇÃO DE PRECATÓRIOS EM TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA
Bruna Marengoni reforça que no processo de elaboração e aprovação das Emendas Constitucionais foram previstos instrumentos de utilização não sujeitos ao subteto (dentre eles, a transação tributária). Esses instrumentos, além de considerados contrapartidas a favor dos credores, ajudariam na redução do estoque de precatórios federais.
Entretanto, com a não implementação desses instrumentos, o estoque que já vem crescendo torna-se ainda maior e amplifica a preocupação do mercado. Bruna comenta que, dentre as formas previstas de utilização alternativa dos precatórios, as únicas que observou na prática decorrem de casos que foram judicializados, e que antecederam a revogação da portaria pela AGU. Na prática, o ambiente tem sido frustrante para aqueles que buscam a utilização desses normativos, e ajustes são importantes para viabilizar a utilização de forma abrangente.
Deve-se lembrar qual a origem e o conceito dos precatórios: descumprimentos de contratos administrativos, políticas de intervenção, impostos inconstitucionais, verbas não pagas, equiparações não feitas, aposentadorias não contempladas, enfim, obrigações descumpridas pelo governo, que após extensos processos (alguns com duração de até 20 ou 30 anos) finalmente tiveram um precatório expedido. Agora, esse precatório passa a estar sujeito a um subteto para pagamento, à comprovação do direito adquirido e à apresentação de garantias para sua utilização, ou à venda com significativo deságio.
Diante desse contexto, a parte mais prejudicada acaba sendo o credor do precatório, que tem seu recebimento incerto, sua utilização limitada, e seu preço de venda afetado, uma vez que o mercado irá ponderar as incertezas e as precificar. Os debates ativos são importantes e trazem uma possível visão otimista, uma vez que os problemas estão sendo tratados por grupos qualificados junto ao poder público.
6. CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS E EXPECTATIVAS
Luiz Fabiano Saragiotto menciona que, pela primeira vez em décadas, se observa um estoque crescente de precatórios que se arrasta de um exercício para o outro, e que futuramente terá que ser pago. Com a previsão para 2026 de um estoque de R$ 300 bilhões em precatórios federais não pagos, acredita-se que um novo arcabouço ou uma prorrogação deverão ser apresentados, caso contrário o estoque atingirá valores relevantes em relação ao PIB. Há, portanto, uma mudança estrutural que pode vir a impactar o ambiente de negócios e a estrutura fiscal do país.
André Suguita chama atenção à exceção dada pela portaria na compensação de precatórios federais contra dívida ativa, que para essa finalidade não demanda a apresentação de garantias pelo detentor do precatório. O entendimento é que, nesse caso, o governo enxerga a compensação como o pagamento de uma “dívida ruim” (dívida fiscal ativa) com outra “dívida ruim” (precatório). É descabido o conceito de que o precatório se enquadra nessa categoria, tendo sido o pagamento de precatórios federais historicamente considerado prioritário.
Guilherme Ferreira comenta que, diante do cenário descrito, houve um redirecionamento de esforços de originação do mercado para outros tipos de ativos dentro do espectro dos legal claims, como ações estaduais e municipais ou ações privadas. Já dentro do universo de precatórios federais, a originação passou aos ativos de menor valor ou de natureza alimentar, que nos termos das Emendas Constitucionais possuem prioridades sobre os demais. Porém mesmo os precatórios de menor valor carregam dúvidas e incertezas, como a viabilidade da implementação de acordos para recebimento antecipado com deságio, que por sua vez dependeriam do processamento, pela Procuradoria e pela AGU, de centenas de milhares de acordos dentro desse contexto.
Rafael Fritsch traz a visão de investidores estrangeiros que passam a ter incertezas em relação ao pagamento e consequente retorno de investimentos que envolvam precatórios. É essencial que se tenha previsibilidade para a precificação eficiente dos ativos. Há também a preocupação com o crescimento do montante de precatórios em estoque, que até então eram liquidados ano após ano e, portanto, não impactavam as avaliações das agências de rating. Contudo, diante das previsões atuais, precatórios passam a ser uma variável importante nessa equação. Caso uma solução não seja construída, uma nova rodada de revisão no tratamento desses precatórios será inevitável.
Por fim, Bruna Marengoni expõe a preocupação com a contabilização da dívida federal que não considera os precatórios em seu cálculo, potencializando uma potencial inação dos entes públicos. Por outro lado, a publicidade que tem sido dada ao tema tem levado a movimentações por parte do governo para que se busque uma solução. Já na visão do mercado, há uma postura mais cautelosa de investidores estrangeiros, na medida em que aspectos envolvendo tributação, outorgas e compensações apresentam muitas incertezas. Importante considerar, além dos impactos no rating e nas demais dimensões discutidas, o que se deseja fomentar no país em termos de operadores para obras infraestrutura, empresas que serão constituídas e serão pagadoras de impostos, entre outros. Para tudo isso, é essencial que haja segurança jurídica.