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SOLUÇÃO EM FOCO – SEMINÁRIO SUL: LEGITIMAÇÃO, Painel 2 - Cooperativas

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O tema de legitimados ativos para a propositura de pedido de recuperação judicial tomou grande importância no debate sobre insolvência no Brasil. Nos últimos anos anteriores à recente reforma foram inúmeras decisões que envolveram legitimados não típicos, por não se tratarem de agentes econômicos não empresários ou sociedades empresárias. Dentre os casos relevantes que envolvem cooperativas, podemos citar Unimed Petrópolis (TJRJ, 4ª Vara Cível, processo de nº 0022156-21.2018.8.19.0042); Unimed Norte-Nordeste (TJPB, Vara de Feitos Especiais da Comarca de João Pessoa, processo de nº 0812229-78.2020.8.15.2001); Unimed Manaus (TJAM, 16ª Vara Cível e de acidentes do trabalho de Manaus, processo de nº 0762451-34.2020.8.04.0001). A reforma operada pela Lei 14.112/20 não acolheu, ao menos de forma direta e clara, o conceito de agente econômico o que manterá o debate aceso.

Conforme prevê o art. 1º da LREF, os procedimentos de recuperação de empresas e de falências são aplicáveis apenas aos empresários e sociedades empresárias formalmente registrados. Existe uma razoável incompreensão sobre a teoria da empresa, alvo de críticas fundadas, tanto no Brasil quanto no exterior. Ademais, há severa dificuldade de explicar por que o Brasil é um dos raros países que ainda mantém regra expressa que restringe os procedimentos recuperacionais e falenciais apenas para empresários e sociedades empresárias.

Em uma breve perspectiva histórica, se verifica que Bento de Faria analisou e listou os países que, no início do século passado, faziam o uso da distinção entre empresários e não empresários. Este é um critério atualmente adotado para separar quem tem acesso aos procedimentos de recuperação e de falência em contraposição ao sistema de insolvência civil. Os relatos indicam uma divisão entre três modelos: anglo-saxônico, germânico e francês. 

Os modelos anglo-saxônico e germânico possuem caráter ampliativo, por não distinguir, para estes fins, as atividades como empresárias ou não empresárias, ao passo que o modelo francês é restritivo por fazer a mencionada distinção, sendo que neste a falência e a concordata são institutos exclusivamente mercantis. O Brasil, tributário do modelo francês, segue uma corrente que à época já era minoritária. 

Muito embora o modelo francês tenha sido abandonado pela maioria dos ordenamentos jurídicos, inclusive pela França, o Brasil seguiu optando pela restritividade. Em tradição diversa, os Estados Unidos é exemplo de modelo ampliativo, uma vez que o Chapter 11 (Bankruptcy Code) admite a aplicação para todos os negócios, incluindo pessoas físicas. O Brasil remanesce em uma tradição que faz muito pouco sentido, estando no contrafluxo do modelo majoritariamente adotado por outros países. 


São muitos os reflexos que resultam da distinção entre empresários e não empresários. Desde antes da reforma se observou importante movimento por parte da doutrina e também da jurisprudência em admitir os mecanismos de reestruturação previstos na Lei 11.101/2005 para atividades que, originalmente, não se enquadravam como empresárias ou que possuem registro como atividade empresária há menos de dois anos. Nesse sentido, merecem destaque a utilização de procedimentos de recuperação por produtores rurais, cooperativas e também por associações, incluindo times de futebol.

Dentro do Congresso houve amplo debate para alterar a legitimidade e incorporar o conceito de agente econômico. Tal medida, se aprovada, passaria a permitir formalmente a recuperação judicial de associações, fundações, cooperativas, entre outras atividades não empresariais.

O motivo de resistência à adoção do modelo de agente econômico deveu-se a existência de divergências no grupo de trabalho, sob o pressuposto de que apenas alterações consensuais seriam objeto desta reforma. Torna-se no mínimo curioso que o pressuposto tenha sido o consenso e este seja um ponto não aprovado, do qual o Brasil possui voz substancialmente isolada no mundo. Não foi possível alcançar mínima conformidade sobre um dos pontos de maior evidência técnica. 

De fato, o que impede a ampliação formal da legitimidade ativa para procedimentos recuperatórios e falenciais está na visão ainda arraigada, e que era verdadeira nos 60 anos de vigência do DL 7.661/1945, de que tais procedimentos seriam um "benefício legal" e como qualquer benefício deve ser interpretado restritivamente. Por outro lado, esta visão ultrapassada não se sustenta tecnicamente sob as bases do atual diploma legal vigente desde 2005. Tampouco se evidencia sob a roupagem consequencialista, observando-se que estudos mais recentes, a partir dos anos 90, indicam que recuperar uma atividade significa preservar valor, inclusive em benefício dos próprios credores.

A preocupação dos resistentes é ilegítima. Não há explicação para se preferir solapar meios de preservação de valor a atividades não empresárias em evidente prejuízo dos próprios credores, além do devedor, dos trabalhadores e dos demais stakeholders. Portanto, o que se vislumbra é o evidente desperdício de uma grande oportunidade para a alteração legislativa tendente a um modelo ampliativo e eficiente. Por outro lado, o projeto avançou para regular a relação dos produtores rurais e de cooperativas médicas, ao mesmo tempo que não vedou os demais legitimados.

O debate sobre a matéria com profissionais experientes contou com os advogados Gabriele Chimelo, Thomás Muller e José Paulo Japur que atuam em casos que envolvem a matéria especificamente de cooperativas, além de outros legitimados, como associações. O debate dentre inúmeras e enriquecedoras ilustrações de casos práticos, contribuiu em muito para a reflexão da efetiva possibilidade da convivência de sistemas de liquidação extrajudicial e de recuperação e falência. A controvérsia, que certamente se manterá pulsante, será a respeito da recepção ou não das cooperativas para fins de utilização da Lei 11.101/2005.
 

Autor(a)
Diego Fernandes Estevez
Informações do autor
Mestre em Direito pela PUCRS. Especialista em Processo Civil pela UFRGS. Membro da Turnaround Management Association Brasil (TMA Brasil) e da Comissão Especial de Falências e Recuperações Judiciais (OAB/RS - CEFRJ). Administrador Judicial. Sócio do escritório Estevez Advogados.
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