PARTICIPANTES: FRANCISCO SATIRO (Moderador e sócio de Satíro Advogados); MANOEL JUSTINO (Debatedor e sócio de Manoel Justino Advogados Associados); MARCOS ASSUMPÇÃO FILHO (Debatedor e Membro do Jurídico e Crédito do BTG Pactual; TATIANA FLORE Debatedora e Sócia de LDCM Advogados) e THIAGO COSTA (Debatedor e sócio de Felsberg Advogados).
PALAVRAS-CHAVE: Lei de Recuperação de Empresas e Falência – Lei 11.101/2005 – Lei 14.112/2020 –– Recuperação Judicial – Trava Bancária - Cessão Fiduciária; Crédito.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A Trava Bancária.
1. INTRODUÇÃO
No dia 25 de maio de 2023, o TMA Brasil promoveu debate virtual moderado por Francisco Satiro, sócio de Satiro Advogados, sob a relatoria de Natalia Yazbek, líder da área de Reestruturação e Insolvência do BMA Advogados, com a participação dos debatedores Manoel Justino, sócio Manoel Justino Advogados Associados, Marcos Assumpção Filho, Jurídico Crédito BTG Pactual, Tatiana Flores, sócia do LDCM Advogados e Thiago Dias Costa, sócio Felsberg Advogados, para discutir a “Trava Bancária”.
Introduzindo o painel, o Prof. Satiro destacou que a polêmica a respeito da trava bancária, existente desde a promulgação da Lei 11.101/05 (“LRF”), permanece existente até os dias atuais. Destacou também que a cessão fiduciária de recebíveis não está expressamente prevista no art. 49, §3º, LRF, que exclui da recuperação judicial (“RJ”) os créditos garantidos por propriedade fiduciária.
2. A TRAVA BANCÁRIA
Passada a palavra para o Prof. Manoel Justino, o debatedor destacou que enxerga um posicionamento favorável dos Tribunais brasileiros à manutenção das travas bancárias, mas desfavorável à manutenção da chamada “trava fiscal”, o que, para o debatedor, denota uma incoerência de posicionamento.
Apresentando um histórico a respeito da trava bancária, o Prof. Manoel Justino apresentou trechos do relatório de autoria do senador Ramez Tabet a respeito do projeto de lei que antecedeu a promulgação da LRF, o qual, ao tratar do art. 49, §3º, LRF, mencionava os créditos garantidos por propriedade fiduciária de maquinário.
Para o Prof. Justino, a cessão fiduciária não está compreendida pelo termo “alienação fiduciária”, previsto no art. 49, §3º, LRF, em razão da diferença de regramento jurídico de ambos os institutos.
Em relação à parte final do art. 49, §3º, LRF, segundo a qual é vedada a venda ou retirada “do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”, o debatedor destacou que, em seu entendimento, a análise de essencialidade do bem deve prevalecer sobre a caracterização de determinado bem como “bem de capital”. Isto é, se o bem é essencial a retirada do estabelecimento do devedor não deve ser permitida, independentemente de sua caracterização como bem de capital.
Por fim, o Prof. Justino destacou que reconhece que a jurisprudência é pacífica no sentido de os créditos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis não estarem sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, embora discorde dela. Para o debatedor, a entrega dos recebíveis cedidos fiduciariamente aos agentes financeiros pode comprometer o sucesso da recuperação judicial.
Após a exposição do Prof. Justino, o Dr. Thiago Costa assumiu a palavra e manifestou inteira concordância com os pontos abordados pelo Prof. Justino, complementando a exposição com problemas de ordem prática.
Para o Dr. Thiago, a extraconcursalidade de créditos na recuperação judicial deve ter caráter excepcional e a interpretação do art. 49, §3º, LRF, que exclui dos efeitos da recuperação judicial os créditos garantidos por propriedade fiduciária é extensiva para abarcar um instituto que o legislador não conhecia quando elaborou à LRF.
O advogado abordou, ainda, duas questões de ordem prática.
A primeira provocação versou sobre a possibilidade de os direitos creditórios, cedidos fiduciariamente, serem protegidos durante o stay period, em razão do seu caráter essencial.
Neste ponto, o advogado manifestou sua concordância com o posicionamento do Prof. Manoel Justino e destacou que, durante os debates que antecederam a reforma da LRF pela Lei nº 14.112/2020, cogitou-se suprimir o termo “bem de capital” da parte final do art. 49, §3º, LRF, para que tal proteção fosse conferida a todo e qualquer bem essencial do devedor, independentemente de sua configuração como bem de capital.
A segunda provocação levantada pelo Dr. Thiago versou sobre a eficácia da garantia de cessão fiduciária em relação aos créditos futuros do devedor em recuperação judicial. O debatedor destacou que a possibilidade de serem constituídas garantias sobre bens futuros é pacífica conforme entendimento do STJ, mas ponderou que, em relação à classificação do crédito na recuperação judicial como extraconcursal deve-se atentar para o momento em que tal garantia passa, de fato, a existir.
Para o advogado, a garantia de cessão fiduciária sobre créditos futuros nasce sob condição suspensiva de modo que, se o recebível cedido fiduciariamente passa a existir apenas durante o curso da recuperação judicial do devedor, não há como justificar a sua retirada do patrimônio do devedor.
Encerrada a exposição do Dr. Thiago, passou-se a palavra para a Dra. Tatiana Flores.
A debatedora destacou que, em sua visão, o crédito garantido por cessão fiduciária tem um custo mais barato e relativizar o que foi contratado antes da crise do devedor teria consequências ruins para o sistema, como um todo.
A advogada destacou também que, embora o STJ tenha jurisprudência pacífica sobre a não sujeição dos créditos garantidos por cessão fiduciária aos efeitos da recuperação judicial, muitas vezes, os credores titulares de tal garantia ainda precisam litigar a respeito do tema por longos períodos.
Opondo-se ao posicionamento do Prof. Manoel Justino, para a debatedora, a cessão fiduciária de recebíveis é uma espécie de negócio fiduciário, de modo que não deveria haver nenhuma dúvida a respeito da não sujeição dos créditos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis aos efeitos da recuperação judicial, nos termos do art. 49, §3º.
Por fim, a advogada esclareceu que, em seu entendimento, com o inadimplemento da obrigação garantida, a cessão que onera os recebíveis deixa de ser fiduciária e passa a ser plena, transferindo-se a propriedade do recebível para o credor, de modo que o fato de o recebível ter ou não ter sido performado antes do pedido de recuperação judicial não seria relevante.
Passada a palavra para Marcos Assumpção, integrante do Jurídico Crédito do BTG Pactual, o debatedor destacou que a garantia de cessão fiduciária beneficia muitas empresas no momento da contratação do crédito e que a relativização da eficácia da garantia sob o fundamento de se “preservar a empresa” é prejudicial ao mercado como um todo, já que nem todas as empresas em crise são recuperáveis.
Por fim, o Dr. Marcos destacou que, em muitos casos, a liberação da trava bancária é autorizada pelos magistrados, sem o contraditório dos titulares das referidas garantias.
Encerrando o painel, todos os participantes do painel assinalaram que deve o debate sobre a matéria deve ser incentivado, a fim de aprimorar o instituto da recuperação judicial e, principalmente, promover maior segurança jurídica em torno das garantias de cessão fiduciária na recuperação judicial, o que é objetivo comum de todos aqueles afetados pela crise.