Para evitar um potencial calote, em meio a uma negociação difícil travada com seus credores, o Grupo Aço Cearense protocolou na semana passada pedido de recuperação judicial. Grande comercializador de aços planos no país e também fabricante de aços longos em Marabá (PA), o grupo incluiu passivos de R$ 1,83 bilhão no processo, envolvendo dívidas com bancos e fornecedores.
Em entrevista ao Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, a vice-presidente financeira e comercial da companhia - e filha do fundador -, Aline Ferreira, disse que desse montante, R$ 1,2 bilhão refere-se à dívida com instituições financeiras.
Dos R$ 1,2 bilhão, 72% estão em mãos de um sindicato de cinco credores: BTG Pactual, Santander, Itaú, Bradesco e Votorantim. O restante dos passivos refere-se a contas com fornecedores, acrescentou a executiva, também uma das principais acionistas. Em abril, a carência acertada com essas instituições venceu e foi necessária a recuperação, diz.
"Vínhamos negociando com os bancos desde dezembro, já imaginando essa situação mais difícil de pagamento em abril", revela. "Mas o Bradesco, na verdade, ficou com essa obrigação na compra do HSBC, e acreditamos que ficou mais difícil para eles entenderem o movimento que já vinha sendo combinado com o restante do sindicato, para serem mais rápidos na decisão."
Em nota oficial, o presidente, fundador e pai de Aline, Vilmar Ferreira, disse que o pedido foi necessário para evitar uma situação que tornasse a recuperação inviável. O objetivo é manter os 3.800 funcionários, continuar operando e propor um cronograma de pagamentos mais factível, disse o empresário. "O Grupo Aço Cearense reitera sua disposição para seguir com a vontade e trabalho de sempre, com a crença no seu papel de desenvolvimento e transformação do Brasil", declarou Ferreira.
Para cobrir a dívida total de R$ 1,83 bilhão - com os bancos há vencimentos de R$ 310,6 milhões neste ano -, o grupo tinha R$ 42,3 milhões em caixa ao fim do ano passado. A situação se tornou insustentável, mesmo com a evolução do resultado que, segundo Aline, se desenhou ao longo de 2016.
"No decorrer de 2016, nossas margens começaram a aumentar e no primeiro trimestre de 2017 nosso resultado foi muito bom", disse. Tanto que a Aço Cearense espera fechar com faturamento de R$ 2,2 bilhões a R$ 2,4 bilhões e margem de 13% sobre o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda). O índice ficaria próximo a R$ 250 milhões.
O dinheiro do grupo encolheu entre 2015 e 2016 muito por conta do modelo da companhia, disse Aline. A siderúrgica de Marabá, com capacidade de 380 mil toneladas, operou com altos estoques de matéria-prima; no caso de bobinas de aço laminado da Aço Cearense Industrial - que são importadas na sua maioria - teve de trabalhar com um estoque muito mais barato do que comprou porque os preços desabaram em 2015.
"Então temos bons fundamentos e crédito com os bancos e isso nos dá força para a recuperação", ressalta. "Acreditamos que a negociação vai andar. Teremos 60 dias para apresentar o plano de uma empresa que se sustente para honrar as dívidas no futuro."
Além da Industrial, que beneficia principalmente tubos e chapas de aço, o grupo também controla a Sinobras, produtora de vergalhões e arames. A capacidade instalada total é de 1 milhão de toneladas de aço - 750 mil toneladas em laminação. É a quarta colocada no comércio de aços planos. No segmento de aços longos comuns, está atrás de Gerdau, ArcelorMittal, Votorantim Siderurgia e compete com Simec, CSN e Silat.
Em 2016, a holding amargou prejuízo líquido atribuído aos controladores de R$ 79,6 milhões, redução de 85,1% ante 2015. A receita líquida caiu 25,7%, para R$ 1,57 bilhão, e o Ebitda recuou 75,8%, para R$ 86,2 milhões. Sobre o mercado siderúrgico do país, Aline mostra otimismo em relação a outros executivos do setor. Para ela, a retomada da demanda já teve início em 2016, embora de forma "discreta". "Tanto que isso se refletiu nos preços, que aumentaram bastante até meados de março".